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Lucca, o compositor que ficou sozinho

Lucca aproveitou metade de suas férias como caixa do Banco do Brasil, agência Portão, para fazer um roteiro sentimental-musical na direção de Chapecó, SC, sua terra natal. Quem é Lucca? Ex-Seminarista, João Deolindo Lucca, 37 anos, é um apaixonado pela música que começou a fazer canções quando ainda, nos tempos de vida religiosa, entoava cantos gregorianos. Entre o clero e a música profana fez a segunda opção e há 22 anos aqui na Embap, turma de 1971, com 3 amigos formou uma audaciosa Galátas Orquestra que durante anos garantiu a sobrevivência da moçada. Mas, pouco a pouco, houve desistências: Onias Orsi, 39, é hoje cirurgião-dentista em São João Batista, SC; Orlando Irineu Born, 38, abriu uma escola de música no bairro do Portão; Raimundo Faustino, que tocava pistom e trumpete, é sargento da PM em Manaus. Lucca, que nunca parou de compor, também teve que trocar o incerto amanhã musical pelo pão nosso de cada dia: fez concurso para o Banco do Brasil e desde 1977 é caixa executivo, garantindo assim a manutenção da família - esposa Maria e os filhos Leandro Maurício, 12, Alexandre Marcelo, 8, e Evandro Márcio, 6. Mas os sonhos não morrem ao fim do expediente bancário. Assim, em seu moderno conjunto de Keyboards - fruto de economias de muitos anos, Lucca continuou a compor e reunir material para um sonhado disco, que, só há um ano, conseguiu produzir nos Estúdios Alamo-Sul - agora desativado. Tentativas de gravar em São Paulo foram frustradas e para poder ver suas músicas em um disco investiu o que tinha reunido na caderneta de poupança - mais de NCz$ 5 mil - uma razoável soma há um ano. O resultado foi "Quando Estou Só", elepê com dez composições próprias, em parte gravado nos estúdios Alamo, com a participação do baterista Charmak, baixista Aluísio e pianista César (apenas 3 faixas), mas o básico feito em sua própria casa - com as possibilidades oferecidas pelos teclados eletrônicos. Disco pronto em fins de agosto do ano passado, começou outra batalha: sua divulgação e comercialização. Poucas emissoras - entre elas a Antena 1, dirigida por Palito (Lourival Pedrosa) divulgaram seu trabalho. Em algumas os "diretores artísticos" (sic) simplesmente se recusaram a ouvir a gravação, enquanto em outras só a custa de um jabaculê colocado na mão do programador pôde ter ao menos algumas audições de suas músicas. No geral, a maior má vontade e indiferença, sob as mais diferentes alegações. Que diferença de comportamento em relação ao que acontece no Rio Grande do Sul e na Bahia - só para citar dois exemplos, onde as gravações dos artistas da terra têm preferência nas programações! Independente de apreciações estéticas, é inadmissível que as rádios particulares (e mesmo a Estadual, que nunca divulgou um única faixa do disco de Lucca), sendo concessionárias de um serviço público, se recusem a divulgar a música de um idealista compositor, que, às próprias custas, banca seu trabalho. Apreciações estéticas à parte, a alegação de baixa qualidade artística não se justifica. Afinal, diariamente, os milhões de ouvintes são bombardeados com o lixo do lixo internacional (e nacional), não havendo, neste caso (das músicas importadas pelas multinacionais) a mesma desculpa. Também na comercialização do disco, Lucca encontrou dificuldades. Se um distribuidor como João Maria Motta, da C.B. Discos, aceitou ajudá-lo na colocação de seu elenco em várias cidades, em muitas lojas da cidade, nem como consignação conseguiu expor o seu disco. Nas (poucas) lojas que o estão vendendo, "Quando Estou Só" tem sido bem aceito e de mais de 200 exemplares colocados no circuito a metade foi vendida. Com sua humildade e timidez, características de um ex-seminarista, Lucca não fala com amargo de tanta incompreensão que vem encontrando, apenas lamenta que a falta de oportunidades dos detentores do poder na divulgação e venda acabem por desestimular que se tente sequer fazer gravações no Paraná. Não foi sem razão que Romário Borelli após investir US$ 200 mil na implantação do estúdio Alamo-Sul, em Curitiba - e tentar formar um núcleo de produção musical tivesse desistido, conforme registramos há uma semana. Lucca vai continuar a fazer suas músicas, mostrando-as para quem queira ouvir. Levou seu disco a várias rádios catarinenses - na viagem que fez a Chapecó, na semana passada, encontrando mais atenção e boa vontade dos programadores de emissoras do interior catarinense do que em Curitiba. Há muito que a questão da música paranaense - suas dificuldades de produção e divulgação, o que faz com que nossos (poucos) valores acabam desiludindo-se - tem motivado discussões. Mas, insuficientes para dar toda a dimensão de uma das maiores ausências em nosso panorama cultural - e na qual exemplos como a de Romário Borelli - desistindo de manter um sêlo local - ou de Lucca, sozinho, desprotegido e esquecido sequer para divulgar uma única das faixas de seu disco independente, são exemplos a merecerem reflexão. LEGENDA FOTO - Lucca: sozinho, tentando mostrar suas canções.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
27/01/1990

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