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Aramis

Chega de espera! Chegou JOÃO, o disco do ano!

Afinal, aconteceu! Saiu o disco do ano! João - O cultuado, aguardado, sonhado, adorado elepê que traz novamente o mítico Gilberto do Prado Teixeira de Oliveira, baiano de Juazeiro, próximo aos 60 anos - a serem comemorados como feriado musical no próximo dia 10 de junho, já está nas lojas - em vinil, cromo e CD - nestas duas últimas versões com duas fitas extras que no elepê tradicional não entraram: "Sorriu pra Mim" (Garoto / Luiz Cláudio) e "Que Rest-t-il de Nos Amours" (Charles Trémet / Leon Chouliac). Há 33 anos, quando o violão diferente de João Gilberto pautava o canto maior de Elizeth Cardoso (1920-1990) em "Chega de Saudade", no histórico "Canção do Amor Demais" (*), ouvidos privilegiados já detectavam que algo de novo começava a acontecer no som verde-amarelo. Um ano depois, quando um 78 rpm da Odeon trazia aquela voz diferente - desafinada para muitos - cantando "Chega de Saudade" (Vinícius / Tom) e "Brigas Nunca Mais" (Tom / Newton Mendonça), iniciava um processo que, hoje, três décadas depois, ainda continua a ter discussões. Só que hoje João Gilberto é, se não unanimidade nacional, um mito nacional. Sem mudar um milímetro em suas convenções, o fato é que milhões de ouvidos que no início não aceitavam sua forma de tocar o violão - e especialmente - cantar, renderam-se ao fato de que ele foi, realmente, o divisor de águas de nossa música popular. No ano passado, finalmente, se concluiu o primeiro (dos muitos) livros que João - a e Bossa Nova - merece: num trabalho mastodôntico, o competente Ruy Castro conseguiu patrocínio para se dedicar por mais de dois anos ao rastreamento da vida do baiano - e de tudo o que aconteceu antes, durante (e um pouco) depois de seu aparecimento, para a produção do fundamental, indispensável e gostosíssimo "Chega de Saudade - A História e as Estórias da Bossa Nova" (Companhia das Letras, 463 páginas), já a caminho de sua sétima edição e que vai até virar filme (**). Portanto, nada mais natural que "João" seja, desde já, considerado o disco do ano. Pode não ser o melhor - outros importantes podem até acontecer - mas nenhum motivou tal expectativa - e agora discussões - do que esta produção na qual a Polygram investiu entre US$ 50 a US$ 100 mil e realizada na ponte Rio de Janeiro-Los Angeles. Um investimento alto - mas não tanto quanto custam outros álbuns de superstars (Roberto Carlos, Bethania, Djavan, etc.), sem a mesma dimensão. Claro que a Polygram deve recuperar, com muito lucro, o investimento, ainda mais porque, surpreendentemente, João aceitou sair de sua toca num apart hotel no Leblon e, salvo suspenso de última hora, fazer um show de lançamento nesta quarta-feira, 3 de abril, no Palace (Avenida dos Jamaris, 213, Moema, Zona Sul, São Paulo), com patrocínio total da Brahma - em benefício da Legião Brasileira de Assistência (ver texto nesta mesma página). O Disco - E o disco? Qual o resultado deste trabalho que se na primeira fase - 16 a 18 de maio do ano passado - foi feito em apenas 3 dias, com um surpreendente João gravando todas as faixas em poucas sessões, mas que empacou depois em sua finalização? Fitas piratas extraídas das gravações originais, correram no meio musical, com opiniões valiosas fazendo aumentar as expectativas. Há seis meses, a graciosa Babel, filha do cantor e da cantora Miúcha, nos falava sobre os arranjos que o norte-americano Clare Fischer havia começado a fazer para emoldurar a voz do pai. Joyce, depois de conseguir ouvir a fita - "uma operação quase de guerra, tal a dificuldade de acesso a mesma" - surpreendeu-se e nos dizia, há três semanas, antes do disco chegar aos ouvidos dos comuns mortais: - "Parece que Fischer não entendeu bem a música do João!" Nestas primeiras semanas em que a imprensa nacional vem se ocupando de João, as opiniões tem sido rigorosas. O irônico Luís Antônio Giron, da "Folha de São Paulo" (17/03/91), classificou os arranjos de terem banalizado a voz do grande cantor. Em sua metralhadora escrita, disse Giron: - "Voz e acordes comparecem toldados pelo chantilly de arranjos rebativos assinados pela "coisa" que aconteceu: o maestro norte-americano Clare Fischer. Esse músico trabalhou nos arranjos a partir das fitas DAT que o diretor artístico do disco, Mayrton Bahia, lhe entregou em São Francisco em agosto do ano passado, três meses depois de João tê-las gravado". João insistiu em emoldurar o disco com arranjos de maestros americanos. Por que? Impossível saber, pois a cabeça do baiano é um universo de mistérios. Só que os dois primeiros convidados - os excelentes Claus Ogerman (responsável pelas cordas nos melhores discos de Antônio Carlos Jobim gravados nos EUA) e Johnny Mandel não aceitaram e assim a opção foi Clare Fischer, um nome pouco conhecido do grande público brasileiro - apesar de suas aproximações com a Bossa Nova no início dos anos 60 (***). Consta que o produtor Bahia achava desnecessários arranjos posteriores. Concordamos totalmente. A voz e o violão de João, tão próprios, tão únicos, dispensam qualquer arranjo - e é bom lembrar que em seus históricos três primeiros elepês, gravados entre 1959/61 na Odeon, ele dispensava ao máximo arranjos complicados e exigia dos bateristas - inclusive o curitibano Guarany (já falecido) que fossem discretíssimos em suas intervenções. Segundo Tarik, a versão em CD "sinaliza menor assepsia no resultado final", já que as gravações registradas em Digital Audio Tape, com voz e violão casadas, foram substituídas pelo sistema multitrack analógico de 24 canais nos EUA (no Brasil ainda não há o multitrack digital), o que possibilitou o acréscimo de várias formações orquestrais pilotadas pelo maestro americano Clare Fischer (que em seu curriculum inclui trabalhos com Prince) no Madhatter Studio, em Los Angeles. Tarik de Souza, no "Jornal do Brasil" (16/03/91), observou em sua lucidez que "João não descobriu apenas uma batida diferente no sotaque de seu violão orquestral. Ele alterou os conceitos do canto acoplado ao violão e regeu com sua batuta de voz guia não apenas os óbvios arredores da Bossa Nova" (já na célebre contracapa do elepê de estréia do cantor, em 59, Tom Jobim dizia que João em pouquíssimo tempo influenciou "toda uma geração"). Então, por que glamorizar uma interpretação-escola que, por si só, já é definitiva? O questionamento, perde entretanto sua razão e, neste caso, foi o próprio João quem exigiu, ouviu e aprovou os arranjos do americano Fischer. Se ele foi assim pescar esta contribuição, qual o direito que seus mortais apaixonados auditivamente tem de reclamar? Só que fica, em cada coração gilberteano, uma frustração por ver uma canção de extrema simplicidade - e imensa beleza como "Rosinha" de seu amigo Jonas Silva, ganhar um acompanhamento de cordas e teclados totalmente dispensáveis! Luís Antônio Giron foi fundo em sua crítica: - "A impressão é de inorganicidade entre a criação de João (que se deu em 33 "takes", numa média de 2,75 por música) e as passagens insossas de cordas e contra-cantos de sopros que arrepiariam um jazzman mais ortodoxo. Exemplos: cordas ao estilo Os Românticos de Cuba em "Málaga" e "Siga", teclado californiano no fim de "Rosinha", pizzicato em "Sampa". Fischer não deixa a música respirar tranqüila". O crítico da "Folha" vai mais além em sua opinião: - "João, parece aqueles discos de karaokê disfarçado de "remarke" em que a voz de algum cantor do passado é retirada do contexto original para ganhar uma roupagem "mais moderna". Exagero, sem dúvida. Afinal, embora aos gilberteanos mais conservadores, a "contribuição" (sic) de Fischer seja discutível, é impossível negar que a voz e o violão de João estão perfeitos, o repertório não poderia ser melhor e, neste deserto musical, a volta de João Gilberto deve ser saudada com pompas e circunstâncias. O resto é chantilly. Notas (*) "Canção do Amor Demais", elepê produzido por Irineu Garcia, da "Festa", com músicas de Tom / Vinícius, já teve várias reedições pela Polygram, que detêm os direitos daquele notável acervo. (**) Os direitos de filmagem de "Chega de Saudade" foram comprados há três semanas por um produtor carioca. Havendo condições, o filme sobre a Bossa Nova será realizado ainda este ano. (***) Compositor, pianista, organista e arranjador, Clare Fischer (Durand, Michigan, 22/10/1928) se destacaria nos anos 60 na região de Los Angeles, trabalhando em clubes como Donte's e The Times, e fazendo inclusive concerto no Pilgrimage Theatre. Como pianista e organista, desenvolvendo trabalhos nos instrumentos Yamaha e nos pianos Fender Rhodes. Apaixonando-se pela Bossa Nova, gravou uma série de elepês com músicas brasileiras, mas poucos deles foram editados no Brasil.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
31/03/1991

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