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Aramis

Keaton, o palhaço que não ria

Três dos melhores vídeos lançados no Brsail em 1989 chegaram como atraso de 78, 75 e 54 anos, respectivamente: três curtas de Buster Keaton; "Em Busca do Ouro", de Chaplin e "A Felicidade Não se Compra" (It's a Wonderful Life), considerado um dos melhores momentos da obra de Frank Capra. Raul Rocha, uma espécie de caixeiro-viajante das imagens, produtor, distribuidor, dono da Century Vídeo, foi quem trouxe estas preciosidades em versões legalizadas, de boa qualidade. De Chaplin, cujo centenário de nascimento comemorado em 1989 praticamente esgotou o assunto, não é necessário falar muito. Capra merece uma futura apreciação especial. Portanto, alguns registros sobre Buster Keaton (Joseph Frank Keaton, Kansas, 4/10/1895 - Los Angeles, 1/1/1966). Para muitos - e os mais respeitáveis críticos - Keaton foi o maior gênio cômico da história do cinema. Com boa vontade, admitem um empate com Charles Chaplin. Mas tinha estilo diferente de fazer rir. Durante a década de 20, antes do cinema falado, Keaton realizou 12 longas e 19 curtas - três dos quais estão reunidos no vídeo "Anos Dourados de Buster Keaton": "O Aeronauta" (The Ballonatic, 1923), "Ferraduras Modernas" (The Blacksmith, 1922) e "O Enrascado" (Cops, 1922). Dos filmes deste período, quatro são considerados obras-primas: "The General" (1926), já foi lançado em vídeo no ano passado pelo mesmo Raul Rocha, que talvez se anime a trazer os três outros clássicos do período: "Nossa Hospitalidade" (23), "Marinheiro por Descuido" (24) e "Os Sete Amores" (25). Mas em todos os filmes de Keaton ele mostrava uma critividade inesgotável, nunca repetindo-se. Em "A General" - "a", porque o personagem é uma locomotiva, que é roubada dos confederados durante a Guerra Civil Americana (uma história que Walt Disney transformaria num semi-western épico, no início dos anos 60), Keaton, como maquinista, tentando recuperar sua locomotiva e sua noiva, usou efeitos especiais incríveis considerando a época - 75 anos passados - em que o filme foi realizado. O ensaísta Paulo César de Souza definiu bem o personagem que Keaton criou no cinema: mesmo sem uma unidade (ao contrário de Charles Chaplin com seu Carlitos) o "homenzinho sério e solitário, com um rosto impassível, de beleza talhada em pedra", sempre lutava para sobreviver num mundo enlouquecido, onde as coisas e os objetos e até os elementos da natureza pareciam voltar-se contra ele. Para conquistar seu amor, ele tem que lidar com locomotivas, barcos, carros e todo tipo de máquinas. Tem que vencer montanhas, correntezas, cataratas e avalanches. É perseguido por policiais, canibais, multidões de vacas e de noivas alucinadas. Tudo isso requeria uma grande destreza física. Era o próprio Keaton que resolvia os problemas técnicos das filmagens e que dispensava os stunt-men nas cenas de perigo (vejam "A General" para sentirem como seu trabalho de riso era de alto risco). As "gags" de Keaton tinham poesia ou faziam vislumbrar, mesmo que por instantes, o absurdo que há nos bastidores da realidade. Em muitas não há a gargalhada: apenas um sorriso de assombro ou encantamento. Ele arquitetava os filmes numa escalada com o clímax ao final - sempre com corridas e perseguições. Homem modesto, que buscava apenas "arrancar uma risada sem parecer muito ridículo", Keaton era um realista: as histórias e os personagens tinham que ser lógicos e verossímeis. Assim seus filmes tinham enredos bem construídos - mas formados com naturalidade no riso. Eram requintados. Muitas seqüências de "The General" parecem pinturas em branco e preto nos quais as imagens fluem maravilhosamente. Ao contrário do que faziam Oliver Hardy (1892-1957) e Stan Laurel (1890-1965) - O Gordo e o Magro, com um humor verbal atrapalhado, ou as comédias amalucadas de Mack Senett (1880-1960), o humor de Keaton tinha um lado introspectivo - o que o caracterizou inclusive como "o palhaço que não ria", título que sua cinebiografia - "The Buster Keaton Keaton", 1957, com Donald o'Connor vivendo sua história - ganhou no Brasil. Filho de uma família de artistas (aos 5 anos já estava no palco, com os pais, em Vaudevilles), a partir de 1917 no cinema (começou formando dupla com Fatty Arbuckle, o "Chico Bóia", com quem fez 14 curtas-metragens), Keaton sobreviveu ao cinema falado, mas enfrentou muitos problemas pessoais (numa época se tornou alcoólatra, mas recuperou-se e casou com a enfermeira do hospital em que havia se internado). Esquecido por anos, foi revalorizado a partir de 1960 e em 1965 homenageado em Veneza. Em 1959 recebeu um Oscar especial. Sua importância foi tão grande que até Samuel Beckett (1906-1989), na única experiência cinematográfica que realizou - como roteirista e diretor - escolheu Keaton como intérprete. Quando viu o filme, Buster foi sincero: disse que não havia entendido nada do que o autor de "Esperando Godot" pretendeu dizer com as imagens. LEGENDA FOTO - Uma foto histórica: Buster Keaton, entre o Magro (Stan Laurel) e o Gordo (Oliver Hardy), fazendo um hilariante coral para o pianista Jimmy Durant - numa cena de "The Way They Are", de 1932.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
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27/01/1990

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