Um filme de curtição com estréia em 180°
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de maio de 1987
Com nove entre os filmes que concorreram em Gramado, também "O Açougueiro do Norte Contra o Cineasta Voador" é um filme de amor ao cinema. Repleto de citações - característica de cineastas em início de carreira - declaradamente dedicado a Glauber Rocha ("Deus e o Diabo na Terra do Sul") e Nelson Pereira dos Santos ("Vidas Secas"), Altenir Silva - que nem havia ainda nascido em 1964, quando aqueles dois filmes foram realizados - construiu um roteiro satírico, crítico e bem-humorado. Ao contrário de outros filmes de cineastas vindos do Super 8, desta vez Altenir conseguiu desenvolver uma história sequencial, de fácil entendimento e sem o intelectualismo chato e pretencioso que tornam insuportáveis tantos trabalhos de estreantes.
Tomé das Dores (Willy Schumann), "último cineasta criativo do cinema nacional", começa perdendo a mulher (Jacqueline Candido), que após uma discussão no apartamento o abandona. Sai para as ruas, discute com um crítico de cinema (Diniz) e, pouco adiante, encontra um açougueiro (Paulo Friebe) que lhe cobra a dívida de meses. O cineasta tenta dar explicações intelectuais, o açougueiro, grosso e ignorante, se ofende e o sai perseguindo com um revólver, até assassiná-lo. Ironicamente, morre defronte à Cinemateca. Uma última seqüência envolve a fantasia e o humor (excelente a piada dos filmes enrolando a cabeça do crítico, como o leão da MGM) e um final, simbólico, com Tomé e a mulher, vestidos como caipiras, a caminho de Paranaguá, para viajar a Hollywood - tudo ao som de uma moda de viola, composição do próprio Bolinha.
São 13 minutos de imagens bem colocadas e uma tentativa satírica. "Deus e o Diabo na Terra do Sol" é referencial em poster, e na perseguição do açougueiro ao cineasta, pelo Setor Histórico (seqüência que na hora da filmagem levou a equipe à delegacia, devido ao fato de estarem usando armas de fogo sem autorização), enquanto, no final, para justificar o alongamento da última cena - a estrada desaparecendo no horizonte, na melhor tradição western - na banda sonora o ruído da roda de carro-de-boi, como Nelson Pereira dos Santos tão bem empregou em "Vidas Secas".
Visto ainda sem sua banda sonora e imagens sem montagem definitiva, "O Açougueiro do Norte Contra o Cineasta Voador" já revela, entretanto, as qualidades de um cineasta em progresso. Rato-da-Cinemateca - como todos seus companheiros - Altenir Silva não escondeu todas as influências possíveis e explica o filme como "partindo de uma linguagem cinematográfica bastante usada pelo Cinema Novo, narrando de forma escrachada a situação do cinema brasileiro. A interpretação varia desde Brecht até um naturalismo circense e coloca o cineasta nacional em três situações embaraçosas."
A explicação pode soar pedante, se não se conhece Altenir Silva, humilde, discreto que realiza um trabalho no maior anonimato. Característica, aliás, de seu grupo.
A produção e montagem do curta foi desenvolvido em colaboração com Werner Schumann. Willy Schumann, que realizou há pouco o vídeo "Muiraquitã" (já lançado na Cinemateca) mostra ser um ator razoável, enquanto Paulo J. Friebe é sempre aquele tipo marcante e característico.
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