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Aramis

As imagens e a memória de Salvyano para nosso cinema

Para compensar o esvaziamento (ainda maior) que vem provocando nas salas de exibição - potencializando a crise que, nos EUA, o advento da televisão marcou a indústria cinematográfica a partir dos anos 50 - a era do videocassete trouxe algumas conseqüências interessantes. Uma delas: pela portabilidade e opcionalidade dos filmes, uma geração que havia deixado de acompanhar a chamada sétima arte voltou a se interessar por aquele que foi, pelo menos por cinco décadas, o lazer favorito em termos internacionais. Assim a faixa acima dos 40 anos que pelos mais diferentes motivos tinha deixado de acompanhar os lançamentos e afastando-se das salas de exibição volta a se ligar não apenas na produção recente mas, principalmente, na revisão dos filmes que fizeram a cabeça e atingiram corações nos tempos em que ir ao cinema era programa obrigatório. As distribuidoras estão cada vez mais ampliando seus acervos - e nisto incluindo títulos clássicos, inclusive em preto e branco (como o caso da Hollywood Classics), trazendo obras-primas (filmes de Eiseinstein, "A General", de Buster Keaton, "Cidadão Kane", de Welles etc.), de forma que o acervo antes exclusivo das duas principais cinematecas do Brasil (Rio/SP) hoje pode estar na casa de quem se disponha a, exemplo do ex-reitor Theodocio Atherino, investir Cz$ 30 mil mensais e gravar tudo que for possível. A filmoteca em vídeo já não é um sonho impossível... Por outro lado, uma nova geração que estava desinteressando-se pelo cinema volta-se em saber tudo que se relaciona a realizadores, intérpretes, gêneros e, naturalmente, o fascínio do star system. Resultado óbvio: crescem cada vez mais vendas de revistas e, especialmente livros, o que explica que nos últimos dois anos as editoras tenham acumulado lançamentos de biografias, ensaios e mesmo antologia de críticas e entrevistas com realizadores (ver texto nesta mesma página). Claro que o interesse maior ainda vai para o cinema americano, que sempre dominou econômica e promocionalmente. Depois há os europeus e, por último, o chamado cinema do terceiro mundo. E o cinema brasileiro, como vai de biografia? Vai bem, pode-se dizer! Embora ainda com uma pequena relação de títulos editados - se compararmos com a atenção dada ao cinema estrangeiro - não só através da antiga Embrafilme - agora Fundação do Cinema Brasileiro (estimulando co-edições de muitos livros, mas também com iniciativas particulares. 1988, acabou com duas preciosidades para fazer com que os cinéfilos que se interessam pelo nosso cinema reservem recursos especiais para "enriquecerem suas bibliotecas" como diria um anúncio tradicional. Salvyano Cavalcanti de Paiva, 65 anos, um dos mais respeitados críticos de cinema - e que marcou época no saudoso "Correio da Manhã", (na mesma época em que A. Moniz Viana, Alex Viany e outros mestres faziam críticas de profundidade) finalmente conseguiu ver publicado um trabalho gigantesco: "História Ilustrada dos Filmes Brasileiros 1929-198" (Editora Francisco Alves, 254 páginas, Cz$ 50.000,00). Já "90 Anos de Cinema - Uma Aventura Brasileira" de Helena Salem, espécie de síntese da série de 6 programas apresentadas pela rede Manchete entre junho e julho/88, até agora só chegou nas mãos dos privilegiados que receberam a primeira edição de 2 mil exemplares, patrocinado pelas Instituições Financeiras Sogeral. Em março, em edição da Nova Fronteira é que este robusto livro chega aos que não conseguiram obter agora um exemplar. Produzido pela Metalvídeo, empresa de Roberto Faith, a série de TV - e também agora o livro - sintetizou um trabalho gigantesco que envolveu mais de 50 pessoas e dois anos de pesquisa, do que resultaram 85 depoimentos gravados, 250 obras cinematográficas transcritas em vídeo (200 horas de material) e uma extensa compilação fotográfica. Deste material visto em seis programas, a jornalista e pesquisadora Helena Salem, ex-"O Globo" - que há dois anos publicou "Nelson Pereira dos Santos - O Sonho Possível do Cinema Brasileiro" (Nova Fronteira, 1987), montou um livro homônimo, como um verdadeiro curso sobre nosso cinema - que vai dos primórdios até 1964, com a consagração de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha. Os últimos 24 anos foram, prudentemente, reservados para um segundo projeto - na televisão e, possivelmente também em livro, ainda sem data prevista. Em compensação, "História Ilustrada dos Filmes Brasileiros" é a comprovação daquilo que já é lenda: o imenso e bem organizado arquivo de Salvyano Cavalcanti de Paiva, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal Fluminense e que embora afastado da crítica diária, nunca deixou de acompanhar o cinema. Há três décadas, Salvyano já publicava obras básicas - "O Gangster no Cinema" (até hoje, o único ensaio a respeito editado no Brasil), "Aspectos do Cinema Americano" e "Pequena História do Cinema das Republicas Populares". Também com trabalhos em poesia ("Operação Verso") e romance ("O Mito em Água e Sal") e mais 12 livros inéditos, a espera de editor, Salvyano finalmente teve seu esforço reconhecido pela editora Francisco Alves, num verdadeiro livro-de-arte: formato 24 x 33 centímetros, capa encadernada, papel da melhor qualidade - enfim na mesma linha dos livros-álbuns que tem saído nos EUA contando as histórias dos grandes estúdios - MGM, 20th Century Fox, RKO, Warner, United Artists, em lançamento das editoras Octopus, Citadel e Arlington House - obras hoje custando mais de Cz$ 100 mil cada uma. Assim como naqueles livros, o trabalho de Salvyano foi distribuído em forma de informações detalhadas sobre 734 mais importantes filmes entre uma produção que chega a aproximadamente 2.400 títulos em 59 anos - insignificante se comparada a Hollywood, mas estimulante considerando as condições com que sempre se fez cinema no Brasil. Salvyano dividiu o livro em décadas com títulos imaginosos: (1929-1930: "Alô Cinédia: Está Tudo Aqui"; 1940-49: "E a Atlantida Se Diverte: É com Esta Que Eu Vou"; 1949/59: "Sinhá Vera Cruz; Veneno da Ilusão"; 1960/69: "Deus e o Diabo no Cinema Novo: Desafio muito Louco"; 1970/1979: "Como Eram Gostosas Nossa Peladas: Os Filmes Daquela Hora"; e 1980/88: "O Sonho Acabou: Um Trem para os Trapalhões". A obra é completada com dois índices fundamentais para referência - título dos filmes e relação onomástica. Praticamente os 734 filmes citados foram ilustrados - alguns com imagens até hoje inéditas para a maioria do público (afinal, muitos nunca tiveram sequer exibições comerciais fora do Rio/São Paulo), tornando o trabalho de Salvyano uma obra indispensável, que justifica o sacrifício econômico para adquiri-lo. Há alguns meses, Alice Gonzaga Assaf, filha do pioneiro Ademar Gonzaga, publicou (pela Record) um completo inventário sobre a Cinédia, e sua importância dentro do cinema brasileiro. Salvyano, agora, ampliou a memória, com uma obra que só ganhou forma graças ao entusiasmo do editor Geraldo Edson de Andrade, potiguar como o crítico e que na apresentação fala, com entusiasmo e amor, da importância de obras como estas, na qual, valorizando o precioso documento fotográfico de momentos marcantes do cinema brasileiro fez uma edição que se iguala aos padrões internacionais gráficos dos grandes livros sobre cinema.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
17/01/1989

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