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Aramis

Da gralha aos solitários nos clubes da "Mouraria"

A cassação do alvará do Club Um, na Avenida Mateus Leme, não agradou apenas as plácidas irmãs da Ordem do Espírito Santo e aos demais vizinhos daquele "antro de perdição", segundo as opiniões mais radicais. Pelo menos meia dúzia de especuladores imobiliários já estão de olho no magnífico terreno que o Clube Um vinha ocupando, numa das áreas mais valorizadas da cidade. xxx Há quase 25 anos que um espaço imenso, uma verdadeira chácara em zona urbana, vinha servindo para sucessivos restaurantes dançantes que ali funcionaram e que formam hoje parte da história da boemia curitibana. Do primitivo "Gralha Azul" churrascaria que atraía famílias e crianças nos fins de semana, com viveiros de pássaros e play-grounds, chegou-se aos tempos dos lonely hearts que, durante muitos anos, garantiram alto faturamento da casa, que mudou não só de nome, mas principalmente de público e de propósitos. xxx Quando era ainda Mouraria, a casa chegou a ser explorada por três empresários de grande realcionamento na cidade - Osmar Sokoloski, ator em sua juventude, hoje ligado ao mercado financeiro; Luís Fernando Zeni (falecido há alguns anos, em acidente de automóvel), também ator e diretor de teatro e Naumir Belegardis. Foi uma época em que o restaurante tinha boa música ao vivo e grandes atrações artísticas. Mesmo nomes internacionais por ali passaram, contratados ou como visitantes. Quando o baterista Art Blakey and his Messengers veio a Curitiba, para um recital no Guaíra, vários de seus músicos ali foram jantar e acabaram dando uma canja que se transformou em verdadeira (e inesquecível) jam session. xxx Com a morte de Zeni e posterior afastamento de Sokoloski, Naumir Belegardes viu na fórmula de promover um ponto de encontro para corações solitários, a sobrevivência do local. Do "clube dos desquitados" que, por algum tempo, havia funcionado num restaurante na Praça da Ordem, o Mouraria se transformou em uma sede mais ampla - só que a democratização na freqüência trouxe, em conseqüência, o afastamento das desquitadas de maior renda (e exigência), substituídas por solitárias viúvas, mulheres mal-amadas e mesmo solteironas suburbanas em busca de companhias nos cinzentos fins de semana. Naumir Belegardis lembra, sempre com orgulho, o número de uniões que foram legalizadas dos encontros ocorridos nos embalos de sábado à noite de seu "Clube dos Solitários", fórmula que jamais abandonaria - mesmo quando deixou a direção daquela casa, e passou para outros endereços - por um curto período na Sociedade Garibaldi e depois na Rua Comendador Araújo, com o Champagne, este até hoje funcionando, embora com outros responsáveis e outro nome. xxx O Clube Um, designação que parece não ser feliz em termos de espaço noturno tais os problemas que atrai, começou se instalando na Rua Emiliano Perneta, quase esquina com a Visconde de Nácar. Entretanto a vizinhança de pessoas influentes - militares e até um desembargador, fez com que a licença fosse cassada em pouco tempo. Transferiu-se então para o antigo Mouraria, onde acabou funcionando por muito tempo. O movimento cresceu de forma impressionante e o faturamento - com a venda de ingressos e, especialmente no movimento do bar e restaurante - fez seus responsáveis enriquecerem. O movimento de veículos, todas as noites, era impressionante, a tal ponto que uma equipe de manobristas tinha que disciplinar o estacionamento. xxx O dinheiro entrando fácil, uma freqüência democrática, com "solitários" de todos os segmentos e, especialmente um ponto para posteriores encontros sexuais mais ou menos descompromissados, fez com que o Club Um entrasse nas opções para milhares de pessoas - tanto da parte de mulheres solitárias (algumas nem tanto, com objetivos mais definidos), como a população masculina em disponibilidade. Curiosamente, o lobby que os proprietários tentaram fazer há alguns meses para conquistar a simpatia dos donos do PMDB (afinal, entre seus frequentadores estiveram sempre dezenas de políticos), não foi o sufuciente para evitar que o prefeito Roberto Requião assinasse agora a cassação definitiva do alvará. Uma semana após a vitória de Álvaro Dias, o Club Um inundou a cidade de outdoors, nos quais cumprimentava o novo governador. Só faltou dizer que compartilhava de ver a alegria de saber que um de seus amigos havia ganho as eleições. O que não é verdade, pois, ao que consta, Álvaro também nunca foi freguês do Clube Um. O mesmo, entretanto, não se pode dizer de muitos outros influentes peemedebistas, aos quais os proprietários do Club Um estão buscando agora sua intervenção junto ao feroz Requião, para que este volte atrás na cassação do alvará.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
28/02/1987

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