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Walfrido, a juventude intelectual de 87 anos

Se o empresário Jacob Mehl, novo arrendatário do Hotel-Estância Hidromineral Dorizzon (Dorizon - PR), conseguisse convencer uma das mais admiráveis personalidades de nossa vida intelectual e social a fazer um comercial para o seu empreendimento, poderia ganhar até um prêmio. É que não há melhor demonstração de que Dorizon pode ser identificada com qualidades medicinais do que o fato de ali ter nascido, há 87 anos - em 23 de abril de 1903 - o escritor, pesquisador, homem público e sobretudo grande memória do Paraná, Walfrido Piloto. Com uma extraordinária vitalidade, praticamente sem rugas, memória capaz de lembrar os mínimos detalhes e, principalmente, um dinamismo e entusiasmo que o faz transmitir uma verdadeira lição de (bem) viver, Walfrido Piloto não só está dinamizando o Centro de Letras do Paraná, como em sua atividade intelectual está a mil. Além de seus saborosos e sempre lúcidos artigos para a imprensa - nos quais não faltam citações do francês e inglês, demonstrando uma erudição rara, tem novos livros para serem editados e planos de revisar e reeditar alguns dos títulos mais importantes de sua obra - mais de 50 obras publicadas nestes últimos 60 anos cobrindo as mais diferentes áreas. xxx Um dos projetos mais acariciados de Walfrido finalmente está concluído e, às suas expensas (que falta faz uma editora mais atuante no Paraná!) deve sair, em sua primeira parte, nos próximos meses: "A estirpe apostólica de Dario Velloso". Não se trata, apenas de mais um livro sobre o fundador do Instituto Neo-Pitagórico e criador do Templo da Musas na Vila Isabel. Aluno de Dario Velloso (1869-1937) no Gymnasium Paranaense, seu amigo e admirador, Walfrido vai revelar aspectos até hoje ignorados da personalidade do mestre e poeta que marcou a Curitiba intelectual do início do século. Um dos fatos que Walfrido estará contando será o lado de maçom de Dario Velloso e também que o interventor Manoel Ribas (1873-1947) era adepto da Ordem, o que, em 1937, possibilitou que fosse resolvida uma desagradável situação na área de segurança de Estado. Delegado de polícia, Walfrido preocupava-se com prisões arbitrárias - inclusive contra judeus e líderes sindicalistas - que vinham ocorrendo, sob a tolerância do então chefe de Polícia José Mehry (25-1-1908-21/8/1963), mas como este tinha sido seu colega de turma da Faculdade de Direito (1932) e juntos haviam entrado na Polícia, não desejava denunciar o fato diretamente. Walfrido então usou de um estratagema: pediu ao jornalista Caio Machado, editor de "O Dia", que o criticasse como responsável pelas arbitrariedades cometidas. Ao mesmo tempo, solicitou ao professor Dario Velloso que fosse ao Palácio São Francisco e, como maçom, advertisse a Manoel Ribas sobre as arbitrariedades cometidas. Poucas horas depois Maneco Facão chamava Walfrido e perguntava o que estava acontecendo. Walfrido assumiu uma culpa que não era sua, mas com um objetivo maior: fazer com que o interventor determinasse a libertação dos presos imediatamente. Era o que Piloto desejava: sem se atritar com Mehry - que afinal havia sido o determinante das prisões - conseguia reparar a justiça. Mesmo ficando como aparente vilão. Neste episódio, a intervenção do professor Dario Velloso foi fundamental. xxx Histórias como estas são muitas. A longa vivência de Walfrido na Polícia - como delegado, depois diretor da Polícia Civil e do Instituto de Identificação - teve sempre um outro lado que demonstra sua grandeza humana. Em abril de 1964, por exemplo, em poucas horas evitou que 56 pessoas do Norte do Estado, presas injustamente, ficassem na Penitenciária do Ahu, já que não tinham qualquer ligação com movimentos subversivos. xxx Intelectual que desde a infância se habituou à melhor leitura, conhecendo todos os grandes clássicos, a obra de Walfrido está em mais de 50 livros, aos quais constantemente acrescenta novos títulos, grande parte deles edições do autor. A sua grande interpretação da obra de Dario Velloso comporta material para dois volumes e nasceu da sugestão de seu amigo Rozala Garzuze, genro e discípulo de Dario, para que escrevesse alguns artigos a propósito do centenário do nascimento do fundador do Instituto Neo-Pitagórico. Em pouco tempo, havia 75 artigos de fôlego, que não poderiam se perder apenas na divulgação da imprensa, levando-o, assim, a reuni-los em um livro. Outra obra inédita em livro, também surgida de uma série de artigos, é sobre o médico e líder espírita Dr. Leocádio Corrêa, à espera de editor. Já em outro aspecto, "Brasil sob o Domínio de Portugal" - reflexões sobre a política de Salazar - também está pronto para ser editado. Entre as reedições que deseja fazer de seus livros há muito esgotados - e que tiveram tiragens reduzidíssimas na época - está "Tolstoi e os caminhos da redenção", uma análise de Tolstoi - o escritor e o homem, um dos escritores que mais o entusiasma. xxx Os pais de Walfrido foram Egydio (1878-1930) e dona Luisa Scheler Piloto (1878-1960). Vários de seus irmãos também nasceram no Interior, ao longo da estrada de ferro, já que seu pai foi ferroviário toda a vida. O mais velho dos irmãos, Oswaldo, 89 anos, ex-diretor da Biblioteca Pública do Paraná e autor da única história da imprensa paranaense (além de ter uma coleção notável de números um da maioria dos jornais publicados no Paraná desde o início do século), nasceu em Ponta Grossa. Os irmãos Erasmo, Mário e Luís Piloto também se destacariam em suas áreas profissionais. Erasmo Piloto, como educador, é considerado uma das maiores personalidade nesta área, com uma obra que o iguala a Anísio Teixeira, de quem, aliás, foi grande amigo. xxx Como homem e intelectual que sempre expôs suas opiniões, defendeu suas idéias, Walfrido Piloto fez amigos e mesmo alguns inimigos. Todos, entretanto, reconhecem sua dimensão de paranaense voltado às coisas do Estado com uma preocupação universal - e que hoje, a idade é apenas uma referência cronológica. Seu vigor é tamanho que ainda na noite de quarta-feira, após ter saudado a escritora Rachel de Queiroz na tarde de autógrafos na Livraria Ypê Amarelo, na Rua Comendador Araújo, fez questão de, em companhia de seu grande amigo, o historiador Valério Hoerner Jr., ter ido jantar no Bar Palácio na Barão do Rio Branco. A pé, cruzando lépido mais de 20 quadras, com a energia que sempre o caracterizou. E no esfumaçado Bar Restaurante Palácio, que freqüenta com maior ou menor regularidade desde os anos 20 - falou durante horas sobre esta Curitiba que tão bem conhece.Aliás, ali naquele mesmo ambiente, há dois meses, seus amigos o homenagearam pelos seus 87 anos. Que, na verdade, mais parecem 27. Ou até 17, segundo alguns. LEGENDA FOTO - Walfrido Piloto aos 87 anos, uma vitalidade jovem: vai lançar agora um novo livro sobre Dario Velloso.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
03/06/1990

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