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Aramis

A vitória dos Anjos e a morte de Santos

Teria sido uma grande festa do cinema paulista. Afinal, a supremacia dos filmes realizados em São Paulo e que participaram do XV Festival do Cinema Brasileiro de Gramado foi evidente - e referendada pelas premiações distribuídas: onze dos treze Kikitos na categoria de longa-metragem foram para "Anjos da Noite" (6), "Anjos do Arrabalde" (3) e "Besame Mucho" (2) - todas produções realizadas em São Paulo. Infelizmente, a vida imita a ficção e o final foi trágico: ao desembarcar no aeroporto de Cumbica, o cineasta Roberto Santos, 59 anos, teve um ataque cardíaco e morreu quando era conduzido, à caminho do hospital. Roberto Santos, paulista, realizador pelo menos de dois clássicos do cinema brasileiro ("O Grande Momento", 1958; "A Hora e a Vez de Augusto Matraga",1966), tinha sofrido a maior frustração profissional: "Quincas Borba", exibido na noite de sexta-feira, 1 , foi recebido com frieza e mesmo alguns risos da platéia. Na tarde de sábado, 2, no anfiteatro Lupicínio Rodrigues, no Hotel Serrano, o debate com o público que lotava as 400 poltronas e espalhava-se pelos corredores, foi cruel. Críticas ferozes à adaptação que Roberto Santos fez do romance que Machado de Assis (1839-1908) publicou em 1891 - transpondo para São Paulo de 1987 a história da paixão de Rubião (Helbert Rangel) pela bela Sofia (Brigitte Broder), manipulada pelo seu marido Palha (Fúlvio Stefanini). A morte de Roberto Santos emociona a comunidade cinematográfica, saindo do Festival de Gramado, que em sua 15ª edição foi o grande evento cinematográfico, com mais de 1.200 participantes diretos e uma consolidação definitiva como o maior encontro do cinema brasileiro. Roberto Santos, que vinha já de uma outra frustração cinematográfica - "Nasce Uma Mulher" (1983), não resistiu à frieza e críticas, muito maldosas, com que o seu filme foi recebido. Ironicamente, tal como acontecia com o diretor Felix Farmer em "S.O.B." (1981, de Black Edwards), cuja trágica morte faz o seu filme transformar-se num sucesso de bilheteria - , a morte de Roberto Santos, menos de 24 horas após o encerramento do Festival de Gramado, motivou que, desde a noite de domingo, os noticiários nacionais - televisões e jornais - , estejam dando um espaço que, normalmente seria negado, se ele tivesse resistido à tristeza e frustração desta derrota. xxx No amanhecer de domingo, quando apanhávamos o ônibus em Gramado para Porto Alegre, dois dos oito integrantes do júri - o professor e pesquisador José Tavares de Barros e o músico David Tygell, comentavam conosco a tristeza de que tinham sido tomados por não ter havido nenhuma premiação ao filme de Roberto Barros, presidente do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro, lamentava que o filme de Farias não tivesse ensejado alguma chance de premiação, "pelo muito que Roberto merece de respeito no cinema brasileiro". Acrescentava, entretanto, que o júri havia sido absolutamente criterioso em suas escolhas, examinando exaustivamente os nove longas em competição e evitando, ao máximo a concessão de "prêmios de consolação" - ou seja, menções especiais honrosas, que apenas enfraquecem o valor da premiação oficial. Claro, que a premiação foi questionada quando, no palco do cine Embaixador, chamados pelos apresentadores Tania Gonçalves e Clóvis Duarte, nomes famosos do cinema e teatro iam anunciando os vitoriosos em diferentes categoria. Entretanto, reclamações e críticas ao júri sempre acontecem - especialmente por parte dos perdedores. Alguns, inclusive, se manifestaram em rodas, após a festa no cinema. Roberto Santos, entretanto, discreto, ao lado de sua esposa, não fez nenhum comentário. Mostrava-se, entretanto, desde a tarde de sábado, abatido - diferente do esperançoso e otimista cineasta que chegou na terça-feira, 28, quando com ele jantamos no Hotel Serra Azul, registrando informalmente uma entrevista que publicaremos amanhã. Se Roberto Santos, aos 59 anos, não resistiu à frustração de ver mal recebido o seu filme - investimento de mais de Cz$ 4 milhões, 70% com recursos próprios - outro cineasta paulista, Francisco Ramalho Jr., 46 anos, também mostrava-se frustrado com o fato de seu belíssimo e emocionante "Besame Mucho", ter ficado com apenas dois Kikitos: roteiro e guarda-roupa. Às vésperas do lançamento comercial de "Besame Mucho", produção de Cz$ 550 mil, com quatro grandes nomes no elenco - Antonio Fagundes, Christiane Torloni, Glória Pires e José Wilker (todos eram fortes candidatos a atriz/ator), ganharia muito com uma premiação de melhor filme em Gramado -, o que hoje já pode ajudar a carreira, desde que tenha lançamento imediato ( o que, entretanto, não ocorreu nos últimos três anos, quando os grandes vencedores "O Baiano Fantasma", "A Marvada Carne" e "O Homem da Capa Preta" levaram 6 a 15 meses para entrarem nos circuitos comerciais). Se houve concordância em que "Anjos da Noite", filme de estréia de Wilson de Barros, 39 anos, traz mostra de talento de um novo realizador, criativo e bem humorado - e "Anjos do Arrabalde", que foi escolhido o melhor filme (recebendo também dois troféus extras - a "Manchete", que significa uma ótima mídia promocional e o Troféu Embratur), é um trabalho vigoroso e marcante, em relação a outros ítens houve discordâncias do público. O jornalista Rubens Ewald Filho, do "Jornal da Tarde", nem bem os resultados foram anunciados, discutiu com sua querida amiga, a atriz Irene Ravache - integrante do júri -, "o absurdo de se dividir a premiação de atriz entre Betty Faria e Marília Pêra". Rubens, como muitos outros, acha que a overrepresentation de Marília Pêra em "Anjos da Noite", merecia um prêmio especial - jamais o de melhor atriz principal. - Estou arrependida. Se estivesse no júri, teria brigado por resultados diferentes... No Festival de Cinema Brasileiro de Brasília, o veterano Wilson Grey, mais de 200 filmes como coadjuvante, não perdoou o fato de sua atuação principal - a primeira vez em 36 anos de carreira -, na "Dança dos Bonecos" não fosse reconhecida como a melhor. Grey ficou tão chocado que se recusou a ir a Gramado, onde, o júri acabou lhe fazendo tardiamente justiça: ganhou o Kikito de melhor ator, derrotando favoritos como Antonio Fagundes ("Anjos da Noite" e "Besame Mucho"). O jovem Guilherme Leme, interpretando "Teddy", principal personagem masculino de "Anjos da Noite", ganhou como melhor coadjuvante - outro ponto de reclamações. O Kikito de melhor atriz coadjuvante foi para uma novata, a interessante Vanessa Alves, que Carlos Reichenbach lançou em "Filme Demência" (em cartaz no cine Groff, a partir de quinta-feira) e que tem sua chance em "Anjos do Arrabalde", como a personagem Aninha, que conduz a história sobre quatro mulheres que vivem na zona Norte de São Paulo. Apesar do tradicional lobby, especialmente jornalístico, a favor do cinema carioca, desta vez não havia mesmo condições de defender os filmes que vieram do Rio: tanto "Baixo Gávea ", de Haroldo Marinho Barbosa (que nem esperou o festival acabar para voltar ao Rio), como "A Fonte da Saudade", de Marco Altberg - já reconhecido de festivais anteriores (Brasília e FestRio, respectivamente) não conseguiram maiores destaques. "Fonte da Saudade" levou apenas os Kikitos de som (John Howard) e trilha sonora original -, de Antonio Carlos Jobim (irmão da escritora Helena Jobim, autora da "Trilogia do Assombro", no qual o filme foi baseado). E esta premiação também é questionável: Tom aproveitou temas já conhecidos, especialmente de seu álbum "Terra Brasilis" (WEA, 1980). Rogério Sganzerla, um dos dois catarinenses mais antipáticos e pretensiosos presentes ao festival, depois de reclamar muito para aparecer, só saiu com dois Kikitos: música adaptada e montagem de Severino Dadá e Denise Fontoura para o seu já envelhecido "Nem Tudo é Verdade" (apresentado há 2 anos no FestRio e premiado em Caxambú). Em compensação, o simpático e competente mineiro Helvécio Ratton acrescentou aos prêmios já conseguidos por seu "A Dança dos Bonecos", mais dois: o do júri popular e uma menção especial do júri oficial, além do troféu de melhor ator a Wilson Grey. Agora, finalmente, este filme infantil, com muita magia, vai entrar em circuito comercial, impulsionado por uma boa carreira de festivais. LEGENDA FOTO 1 - Carlos Reichenbach repetiu a premiação: em 86, com "Filme Demência" (em exibição no Groff, a partir de quinta-feira) era escolhido melhor diretor. Este ano, seu "Anjos do Arrabalde", foi reconhecido como melhor filme do 15º Festival de Gramado. LEGENDA FOTO 2 - Betty Faria - melhor atriz em Gramado -, e Clarice Abuzamra em "Anjos do Arrabalde", melhor filme.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
05/05/1987

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