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Aramis

A vida das enceradeiras e mistérios de Pedro Cobra

Aos que apreciam contos, dois lançamentos expressivos, nas livrarias: "Corações de Cristal ou a vida secreta das enceradeiras" de Bernadete Lyra e "Pedro Cobra" de Umberto Peregrino, ambas publicações da Livraria José Olympio Editora. Bernadete Lyra é uma escritora inovadora a partir do próprio título deste seu livro (84 páginas, capa de Willy, Cr$ 11.200,00), que abre com a citação do poeta Frank Wedekind ("O caminho é como se fosse um tapete de pelúcia - não pedras nem espinhos -/Os meus pés nem tocam o chão.../ Oh, como eu dormi de noite!"). Capixaba de Conceição da Barra, cidade do extremo norte do Espírito Santo, Bernadete estudou no Colégio do Carmo em Vitória. Graduada em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo, com Mestrado em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, atualmente completa o Pós-Graduação, fazendo doutoramento na Escola de Comunicações e Artes da USP, em São Paulo. Muito cedo começou a escrever para o suplemento literário do jornal "A Gazeta". Participou de antologias. Publicou em revistas e jornais de seu Estado natal, Rio e São Paulo. Ganhou vários prêmios literários, inclusive o primeiro lugar no 3º Concurso Nacional de Contos do Paraná, quando a Fundepar promovia este evento. Seu livro "As Contas do Canto", publicado em 1981 pela Fundação Ceciliano Abel de Almeida, obteve menção especial no Prêmio Nacional Fernando Chinaglia. Pela mesma editora publicou "O Jardim das Delícias", no ano passado. É uma escritora que, como diz Muniz Sodré no prefácio de "Corações de Cristal" possui o dom do conto. E isto sentimos em todas as páginas deste seu pequeno (grande) livro. Os contos de Bernadete são baseados em dramas humanos e irônicos e, por isso mesmo, superficialmente alegres. O conteúdo de suas histórias nos mostra os dramas do cotidiano, com seus desenlaces surpreendentes, sua forma radical. "Corações de Cristal" diverte e ao mesmo tempo nos faz pensar na condição da mulher. Dessa mulher frágil, "Coração de Cristal": da mulher "enceradeira", dona de casa. O erotismo direto e cru que por muitas vezes aparece nos contos de Bernadete Lyra não chega a chorar, quando percebemos que ele está no universo do nosso dia a dia, que convive conosco, às vezes ironicamente como em suas histórias, que são curtas, na maioria três páginas, e profundamente humanas. "Corações de Cristal" está dividido em três partes: Primavera, Insetos e Mel, o que dá a temática do livro, sobre a mulher, e a sutileza no tratamento do texto. xxx Voltando a publicar pela José Olympio, Umberto Peregrino nos traz em "Pedro Cobra e Outros Acontecidos" (80 páginas, capa de Cyro, Cr$ 7.300,00) dez contos rápidos, modernos, por vezes satíricos e que nos mostram recortes da vida comum. A narrativa prende o leitor conduzindo-o ansioso ao seu desfecho, muitas vezes surpreendente: esta é a técnica essencial no contista e que Umberto Peregrino tão bem domina. Umberto Peregrino (Seara Fagundes, Natal, RN, 3/11/1911), fez carreira militar e como capitão ingressou no quadro do magistério militar lecionando História do Brasil no Colégio Militar do Rio de Janeiro. Chegou a exercer funções executivas - diretor do antigo SAPS (Serviço de Alimentação da Previdência Social), Biblioteca do Exército e Instituto Nacional do Livro. Fundador e mantenedor da Casa de Cultura São Saruê (Rua Leopoldo Fróes, 83, Santa Teresa, RJ), ali procura preservar a cultura popular. Em 1941 publicou seu primeiro livro de contos "Desencontros", José Olympio), gênero ao qual se tornaria 18 anos depois ("3 Mulheres", 1959) e agora, com este "Pedro Cobra". São histórias em que transparece a intenção de recortar alguns quadros da vida comum. Por vezes Peregrino exercita a sátira, como nos casos do "homem perdido" e do outro que se empenhou na busca de felicidade, e a encontrou... nesse "acontecido" se oferece mesmo, através da narrativa, uma verdadeira definição do homem em face de alguns problemas fundamentais da vida: religião, arte, amor. E não foi possível, no manipular com sinceridade essa temática, evitar o desencanto. Mas o conto é todo ele tecido com um sorriso um tanto machadiano, além de que não é possível tratar sempre a sério os casos da vida. Mas há também as histórias da infância. Estas não contêm nenhuma trave, são tecidas com delicados fios de doces ilusões e esperanças ingênuas. O conto que fecha o volume é uma narrativa singular quanto ao cenário e ao conteúdo. Refere a marcha de um Esquadrão de Cavalaria que se retira da frente de combate aos revolucionários da Coluna Prestes. São heróis consagrados nos combates da véspera, cuja contagem entretanto não resistirá a um perigo imprevisto, o de contágio com uma família de leprosos. E eis o acampamento açodadamente levantado e a coluna de novo em marcha pela noite adentro. Mas há uma exceção, há um soldado humilde que permanece indiferente ao perigo que afugentou tantos heróis? O conto é a sua história. "Pedro Cobra", conto que dá título ao livro, possui o sabor das coisas do interior do Brasil e do modo especial de falar de sua gente. Mas fica para se tornar a de um drama interior com um personagem de riquíssimo conteúdo, e quase ingênuo. A variedade de temas torna "Pedro Cobra e outros acontecidos" um livro de leitura agradável e leve, sem ser superficial.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Leitura
27
10/02/1985

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