Login do usuário

Aramis

Uma ode à amizade

"Navio bastante grande para levar duas pessoas com tempo bom, mas uma com tempo ruim". (Ambroise Bierce (1842-1914?), "Dicionário do Diabo"). A amizade, eis um tema que, até hoje, proporcionou poucos filmes, peças e livros. Entretanto, eis uma temática para ser desenvolvida sempre com emoção, ternura, sinceridade. Seis anos após Arthur Penn ter realizado um dos mais belos hinos a respeito - "Amigos para Sempre" Four Friends ou Georgia's Friends, 1982), um novo filme, com título (no Brasil) apenas colocado no feminino e reduzindo-se os quatro amigos da obra de Penn para um dupla feminina, resulta em outro exemplo de emoção: "Amigas para Sempre" (cine Bristol, 5 sessões, até amanhã). Como aconteceu com "Georgia's Friends", também este "Forever Friends" foi mal entendido pela crítica e resultou num aparente fracasso de público. Entretanto, a quem busca o cinema com (e de) sentimentos a trajetória de CC Bloom e Hillary Witney, desde que se conhecem, aos 11 anos, numa tarde de verão, no balneário de Atlantic City, juntas passam bons e maus momentos, envolvem-se amorosamente com outras pessoas e no final há a trágica separação pela morte (o que não acontecia com os personagens de Penn), "Amigas para Sempre" transcende o dramalhão e fica na categoria das histórias com emoção. Revelando um novo e seguro diretor, Garry Marshall, que soube trabalhar os múltiplos personagens do romance de Iris Rainer Dart (claramente com toques autobiográficos), roteirizado competentemente por outra mulher, Mary Agnes Donoghue, "Forever Friends" consegue passar toda a força, garra e personalidade de duas mulheres - separadas por muitas coisas mas unidas por um profundo afeto. Como dizia Calústrio (86?-35 a.C.), Querer a mesma coisa e não querer a mesma coisa, eis, afinal, a verdadeira amizade. Como em "Momentos de Decisão" (The Turning Point,7), de Herbert Ross, a carreira artística que separa uma bailarina (Anne Bancroft) de sua amiga de infância, envolvida com o casamento e a maternidade (Shirley McLaine), provocando uma rivalidade, não chega a matar, entretanto, a amizade maior entre elas. Aqui, a abilolada, esvoaçante mas talentosa cantriz CC Bloom (Bette Midler), em sua carreira de altos e baixos, forma uma personalidade oposta a da recatada Hillary Witney (barbara Hersey, de "A Última Tentação de Cristo, filha de família rica, advogada, mãe apaixonada - mas os laços fraternos estabelecidos num rápido encontro na infância - e alimentados por um afetiva correspondência - fazem com que exista uma amizade real, profundamente honesta mesmo em suas diferenças. Ao longo de três décadas, CC e Hillary tem amores e desamores, sofrem decepções e alegrias, buscam, cada uma ao seu modo, uma realização profissional. Gente como a gente - ou aquelas que conhecemos e também (aprendemos a amar (amamos), o que dá uma empatia natural aos personagens, as cenas - conduzida com humor-humor fino ou a dramaticidade quando necessária sem forçar a barra. Numa feliz escolha de elenco, Bette Midler - provando que é tão boa comediante como atriz dramática - não só deu uma perfeita interpretação a CC Bloom, como associou-se a produção. E a escolha da menina para o seu personagem, aos 11 anos (Mayim Bialik) é perfeita. Barbara Hersey, com sua suavidade e ternura, também dá um envolvimento total na dramática personagem de Hillary, seus medos, ansiedades e realização. Um ótimo elenco de suporte, sem nomes conhecidos (ao menos no Brasil), a fotografia esmerada de Dante Spinotti e uma montagem em dois tempos contribuem para fazer de "Forever Friends" um dos bons filmes da temporada. Sem contar a trilha do francês Georges Delerue, com temas incidentais e originais, compondo todo o painel sonoro de uma época. Um filme como nos bons tempos, convencional talvez para quem busca modismos, mas que faz o espectador deixar a sala refletindo e recordar o poema de Samuel Johnson (1709-1884). Amizade, favor particular do Céu/Delícias e orgulhos de nobres mentes/Só concedida a homens e anjos/Negado a todo o mundo inferior. LEGENDA FOTO - CC Boom (Betty Midler) e Hillary Witney (Barbara Hershey): a amizade ao longo de uma vida - num filme emocionante e terno. "Amigas para Sempre" em exibição no Astor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
17/10/1989

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br