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Aramis

Uma "Noiva" que a cidade esperou dez anos para ver

Dez anos depois, finalmente, a chance de assistir um cult-movie, brasileiro, que apesar de realizado por um dos mais respeitados críticos, cineastas e pesquisadores, o lendário Alex Viany, nunca teve distribuição regular. Filmado em 1975, concluído no ano seguinte, "A Noiva da Cidade", que Viany realizou em homenagem ao grande pioneiro Humberto Mauro - autor da história original e filmado em Minas Gerais - é o exemplo de tantos filmes brasileiros de importância cultural, mas que foram vítimas (e muitos continuam sendo) da perversidade de um esquema de distribuição desestruturado e, naturalmente, também da falta de exibidores mais sensíveis. No caso, grande parte da culpa cabe a Embrafilmes. Afinal, há mais de quatro anos que estamos aqui cobrando a exibição de "A Noiva da Cidade". Francisco Alves dos Santos, coordenador de atividades cinematográficas da Fundação Cultural, respeitado junto a estatal de cinema, quebrou lanças, encontrou resistências e só agora conseguiu a liberação de uma cópia deste filme considerado antológico - belo, simples, emocionante. Afora modestos lançamentos no Rio e São Paulo, a última projeção pública que tivemos conhecimento de "A Noiva da Cidade" foi no encerramento do Festival de Brasília, há quatro anos. Desde ontem, caso não tenha havido surpresa de última hora (afinal tudo pode acontecer), "A Noiva da Cidade" está em exibição no Groff. Previsto para uma semana, pois no próximo dia 7 ali estréia "Filme Demência", que, no ano passado, no Festival de Gramado, valeu a Carlos Reichenbach o Kikito de melhor diretor e a Emílio Di Biase o de melhor ator coadjuvante (dividido com Paulo São Thiago, por "Fulaninha"). Nesta semana, no 15º Festival de Gramado, Reichenbach concorre novamente na categoria de longa-metragem com o seu "Anjos de Arrabalde", já apelidado de "O Filme das Professorinhas", que já representou o Brasil no festival de cinema de Roterdam - na terceira vez que Carlão ali participa. Tributo a Mauro Crítico de cinema desde 1932, quando ainda era incipiente a nossa produção cinematográfica, Alex Viany (Rio de Janeiro, 1918) é detentor de um ciclópico arquivo, seja em documentos, seja em memória, que remonta aos primórdios de sua vivência de cinéfilo, passando pelos quatro anos de experiência em Hollywood (onde descobriu o cinema brasileiro), até os dias/filmes de hoje. Foi ao longo desse percurso que veio se configurando a imagem daquele que inventou o cinema e a linguagem fílmica no Brasil: Humberto Mauro ( Volta Grande, MG - 1897-1983). Genial, simples e mineiro, assim se pode definir o autor de "Ganga Bruta" (1933), hoje reconhecido como um dos mais importantes filmes do cinema mundial; "Tesouro Perdido" (1927), "Sangue Mineiro" (1930), "Favela dos Meus Amores" (1935) e "O Conto da Saudade" (1952), entre 250 outros. Um monumento. E, em seu reconhecimento, Alex Viany, em 1975, sem fazer filmes há mais de 15 anos (desde "Sol Sobre a Lama", rodado na Bahia), teceu aquela que é a maior homenagem já prestada a Humberto Mauro. Partindo de um pequeno roteiro escrito por Mauro em 1952, e abandonado, dadas asdificuldades de realização, Viany se lançou na elaboração de um roteiro em minúcias, em uma produção difícil, com mais de 40 atores encabeçados por Elke Maravilha (Elke Georgienna Granupp, Leningrado, 1945), em um papel especial ao seu tipo - numa viagem até Volta Grande, cidade natal de Humberto Mauro. O resultado foi um filme nostálgico, um sonho, um poema de natureza - "A Noiva da Cidade", que só agora pode ser visto em Curitiba. Fala, Alex De uma entrevista de Alex Viany, por ocasião do lançamento de "A Noiva da Cidade", no Rio de Janeiro, alguns trechos que valem como documentação sobre este cult-movie agora, finalmente, em projeção no Groff. Diz Viany: - "Em meados da década de 30, a crítica de cinema ainda era incipiente no Brasil. Revistas, havia a "Cena Muda" e "Cinearte", de Adhemar Gonzaga, esta a primeira publicação realmente voltada para o cinema brasileiro. Por volta de 1934, ainda morando em Cascadura, comecei a escrever pequenas crônicas de cinema no "Diário da Noite", sob o incentivo de Pedro Lima. Passei a colaborar na revista "Carioca", que me deu muita cancha porque, além das crônicas, fazia uma seção de colsultas dos fãs de cinema, onde respondia a tudo. Tinha memória prodigiosa e me lembrava de qualquer filmografia. Em Hollywood, entre 1945/48, fui correspondente de "O Cruzeiro". Voltando ao Brasil em fins de 1948, comecei a freqüentar estúdios, a fazer roteiros frustrados, e tinha idéia de escrever um livro sobre o cinema brasileiro, mas ele só apareceu 10 anos depois, "Introdução ao Cinema Brasileiro". Hoje que sou considerado membro efetivo da família Mauro - não sei se irmão mais moço ou filho mais velho - eu me envergonho de, cinemaníaco como sempre fui, não ter me aproximado mais cedo desse mundo maureano. Mas antes dos quase quatro anos que passei em Hollywood, o cinema brasileiro praticamente não existia para mim, ainda que me lembre de visitas à Cinédia e a Brasil Vita Filmes. Meu processo de desalienação em relação ao cinema brasileiro foi muito lento e tortuoso - e talvez demorasse mais ainda se eu não tivesse chegado a Hollywood acreditando piamente nos Estados Unidos do Cinema. Quanto à "Noiva da Cidade", de repente descobri que seria importante a tentativa de voltar às raízes, de tentar recapitular um pouco o universo do Mauro. Acho que há muitos caminhos soltos no cinema brasileiro, caminhos que foram abandonados e podem realmente ser retomados. Humberto Mauro talvez seja um dos caminhos mais ricos do cinema brasileiro e, para mim, era importante fazer essa experiência, mais do que qualquer projeto que tivesse." A Noiva da Cidade O elenco inicial de "A Noiva da Cidade" teria Dina Sfat e o Chico Buarque. Recorda Viany, que os papéis foram feitos para eles e o Chico chegou a participar da elaboração do roteiro, "pouquíssima coisa, mas importante". O Chico (que havia feito antes "Quando o Carnaval Chegar", de Cacá Diégues, com Maria Bethânia e Nara Leão), acabou desistindo de atuar e Dina ficou grávida. Então, Viany os substituiu por Elke Maravilha e Jorge Gomes. No elenco, estão ainda Grande Otelo, Paulo Porto, Zé Rodrix e Betina Viany, filha de Alex - entre os nomes mais conhecidos. Chico fez, entretanto, a trilha sonora. Se em "Sol Sobre a Lama", Viany conseguiu aproximar Pixinguinha (pela primeira vez compondo para o cinema) e Vinicius de Moraes (do que surgiram canções antológicas) para "A Noiva da Cidade", Chico e Francis Hime firmaram a parceria (até então haviam feito apenas uma música). Diz Viany: - "A escolha de Chico para a música não é arbitrária. O noivo, aliás, seria ele próprio. Para mim, o personagem masculino principal, Beto, tinha muito dele. Uma mistura de Chico com Humberto Mauro. Não quis fazer o papel mas fez a música. E seu tipo de música, sobretudo da primeira fase, tinha muito a ver com o universo maureano, lírico e um tanto ingênuo. O simples fato de Chico ter criado essas músicas para o filme já o justificaria, pois nenhuma delas existiria, na medida em que foram feitas para "A Noiva da Cidade": "Passaredo", "A Noiva da Cidade", "Desembolada" e "Quadrilha". Além disso, há dois temas de marcante em suas três aparições no filme; "Lindalva", ganhou excelente letra de Paulo Cesar Pinheiro, quando Chico, cansado, negou fogo". LEGENDA FOTO 1 - Elke Maravilha, a atriz principal de "A Noiva da Cidade". LEGENDA FOTO 2 - Alex Viany, o lendário, homenageia Humberto Mauro, o pioneiro.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Seção de Cinema
14
01/05/1987

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