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Aramis

Uma lua inspirada no ballet de Chico e Edu

Do ballet, como espetáculo, caberá aos (poucos) críticos especialistas - que estão vindo assisti-lo, a convite oficial - registrar suas opiniões profissionais. Para o público que lotou, a estréia na noite de quinta-feira, 21, houve deslumbramento e aplausos. O espetáculo é bonito. Colorido, formas e sons num encantamento que faz com que o Ballet Guaíra seja, ainda, o único grupo da arte paranaense com algumas condições de não fazer feio em suas apresentações fora dos limites estaduais. Musicalmente - o que é fundamental - o espetáculo tem força e harmonia. São 19 temas, nove dos quais letrados por Chico Buarque, dentro de um roteiro que o poeta maranhense Ferreira Gullar reescreveu por três vezes. No início seria "O Romance das Quatro Luas". Depois virou "A Casa de João de Barro" e finalmente, "Dança da Meia Lua". Se demorasse mais um pouco acabava lua minguante. Tantas modificações, como admitia Edu Lobo após a estréia, entre abraços e cumprimentos, fizeram com que o parto fosse demorado. Só nas últimas semanas, entre a tournée do espetáculo "Chico" ao Nordeste e São Paulo, Francisco Buarque de Hollanda, 44 anos, completou as letras das nove canções vocalizadas. Competência é competência, e, naturalmente são letras inspiradas, algumas das quais - como "Abandono" ou "Tablados" - podendo chegar a públicos maiores. Basicamente, a música fruto "de um ano de trabalho e mais outro de aporrinhação" - revela seu autor, Eduardo de Góis Lobo, 45 anos, comprova a solidez de um compositor que sempre se pautou por belíssimas harmonias e que se seus primeiros trabalhos na relação música-palco ("Os Azevedos e os Benevides", 1963, para a peça de Oduvaldo Viana Filho; "berço do Herói", 64, para peça de dias Gomes e, especialmente, "Arena Conta Zumbi", 65, para o espetáculo de Gianfrancesco Guarnieri) até hoje, tem frequentado, cada vez com mais intensidade, projetos em que as imagens se conjugam a criação sonora além de uma incompreendida (na época) "Missa" (1973) e trilhas sonoras de cinema ("O Crime de Zé Bigorna", de Anselmo Duarte; "Imagens do Inconsciente", o último filme de Leon Hirzman - ainda inédito em Curitiba). Portanto, voltando a trabalhar com seu amigo e parceiro Chico Buarque (com quem dividiu o ballet anterior, "O Grande Circo Místico" e o musical "O Corsário do Rei"), Edu não poderia deixar de apresentar um belo trabalho. Meticuloso, exigente e, sobretudo, lento na busca de apresentar o melhor trabalho - o que explica o altíssimo custo das produções das trilhas que participa (no caso, os 65 minutos somente para a música desta produção do Guaíra ficaram em 15 mil OTNs). Edu apresenta um resultado musicalmente sério, material para um excelente álbum - tão notável que João Araújo, godefather da Sigem, lhe prometeu, na última terça-feira, a sua edição na íntegra, no primeiro compact-disc da gravadora do grupo Globo. Se isto se concretizar, teremos não só as oito canções do ballet, mas toda a parte (belíssima) instrumental, inclusive três diferentes versões para a "Valsa Brasileira". Carlos Andrade Jr., da Master Som (e dono da etiqueta Visom) garantiu um trabalho perfeito em termos de qualidade sonora, mas a gravação ainda não está completa: "Valsa Brasileira" terá vocal de Djavan. Um dos temas, "Tororo", com Danilo Caymmi, acabou cortado na visão final do ballet, mas fará parte do elepê. A primeira das canções parece ter sido gravada por Zé Renato: o timbre de Cláudio Nucci (por sinal, parceiro e amigo maior de Zé) em "Casa de João da Rosa" lembra-o perfeitamente. Em seguida, Edu, com sua voz terna, redonda, interpreta na "Na Ilha de Lia, no braço de Rosa". Sucedem-se "Abandono" (com Leila Pinheiro), a vocalização da "Valsa Brasileira", "A Permuta dos Santos" (com o vocal de Garganta Profunda) e o eletrizante "Frevo Diabo" com Gal Costa - momento de maior empatia do espetáculo. Zizi Possi canta "Sol e Chuva" e Chico Buarque comparece com a vocalização de "Tablados". O registro em torno da música que se ouve, pela primeira vez, dentro de um espetáculo visualmente amplo (e bonito) como "Dança da Meia Lua", é arriscado - embora a primeira sensação conte bastante. A (re)visão do espetáculo e, sobretudo, a audição isolada das canções e dos temas instrumentais - com a leitura de suas letras - possibilitará melhor análise o que nos faz lamentar que o disco com a trilha não saia simultaneamente e no programa não conste as letras das canções. Também não consta do programa os créditos dos instrumentistas que fizeram a belíssima trilha. O Grupo Pau Brasil (com quem Edu acaba de fazer uma temporada em São Paulo) está perfeito, conseguindo passar a sonoridade uma verdadeira orquestra, graças aos arranjos do tecladista Nelsinho Avres ("Palpitei bastante", admite Edu), mais Paulo Belinatti (violão), Telo Cardoso (sax/flautas), Rodolfo Stroetter (contrabaixo) mais Telo Cardoso e Carlos Balla em participações especiais. Entretanto, um destaque maior: o cello de Jacques Marellembaum, perfeito, envolvente e profundamente dramático em certas passagens. A sonoridade desta "Dança da Meia Lua" se espraia em vibrações geográficas que vão do frevo ao tango, com solos jazzísticos - numa geléia geral de imagens sonoras (e também visuais, em termos de ballet), que traduzem um espetáculo rico para merecer interpretações mais profundas. É de se esperar que os especialistas em dança analisem, convenientemente, o trabalho coreográfico do mineiro Rodrigo Pederneiras e que, a parte musical, com mais vagar, seja objeto de reflexões demoradas - embora, na primeira visão, conte, em muito, a empatia e emoção que o espetáculo traduz.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/04/1988

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