Login do usuário

Aramis

Uma bela gringa (em forma) na batalha das entrevistas

Foi uma maratona. Poderia-se dizer, em linguagem mais popular, uma tourada. Mais de 50 entrevistas - entre coletivas e exclusivas, falando para mais de 200 jornalistas em quatro dias - o primeiro (13) em São Paulo, no Caesar's Park, três outros (14/15/16) no Rio de Janeiro, saindo de sua suíte presidencial no 8º andar do Rio Palace Hotel apenas pela manhã, para fazer o seu indispensável cooper, um dos motivos que a conserva, aos 51 anos (52 a serem completados no dia 21 de dezembro) uma mulher belíssima, longe de parecer uma cinqüentona. Profissional acima de tudo, sempre elegante, Jane Fonda foi a personagem da semana. Iniciando uma tournée por três países - na sexta-feira viajou para Buenos Aires, de onde irá para o México - acompanhada do diretor argentino Luiz Puenzo, mais o maquiador Wayne Massarelli, o cabeleireiro Baron Matalon, o secretário Steven Ners e um amigo, Bob Scheer, jornalista que escreve para a "Playboy" americana (e que alguns viram como seu novo namorado), a grande estrela do cinema americano - tão admirada quanto polêmica por suas nem sempre comportadas (ao estabilishment) posições - decidiu usar toda sua energia para ajudar a carreira de "Gringo Velho" (estréia nacional no dia 28 de agosto: em Curitiba lançamento no Cine Astor). Num esquema organizado profissionalmente pela Columbia Pictures, coordenado pela assessora de imprensa Telma Gadioli (agora assumindo outro setor na multinacional), que conseguiu equilibrar um puxadíssimo esquema de entrevistas, com repórteres de jornais e revistas, mais gravação para muitos programas de televisão - de forma que o espaço nacional garantido pela passagem de Jane Fonda ao Brasil, nesta semana, deverá se traduzir num reforço as bilheterias desta superprodução (US$ 25 milhões) na qual, pela sexta vez, investiu parte de uma considerável fortuna feita ao longo de 29 anos de carreira (estreou em 1959, como a June Ryder em "Até os Fortes Vacilam / Tall Story", dirigido por seu padrinho Joshua Logan). Desde terça-feira, as televisões - e os jornais a partir do dia seguinte - começaram a divulgar a passagem de Jane pelo Brasil. Não foi preciso muito esforço para que a imprensa nacional se interessasse em lhe abrir espaços. Afinal, além de excelente atriz (dois Oscars: "Klute - O Passado Condena", 1972; "Amargo Regresso", 1973), filha de um dos maiores atores do cinema americano - Henry Fonda (1905-1982), irmã de um ator-diretor rebelde dos anos 60, Peter - 49 anos, ex-mulher do cineasta francês Roger Vadim (que a colocou como sex-symbol em filmes sofisticados como "A Ronda", 1965; "O Jogo Perigoso do Amor", e, especialmente, "Barbarella", 1967), depois de ter feito ingênuas comédias no início de carreira ("Contramarcha Nupcial / Period of Adjustmente", 1962; "Um Domingo em Nova Iorque", 1964), Jane se firmaria como mulher de posições firmes e decididas: engajou-se contra a participação dos EUA na guerra do Vietnã (chegou a viajar a Hanói, em 72, no auge da escalada da guerra), feminista, desafiando o FBI, criou sua produtora, a partir de "Amargo Regresso" e paralelamente desenvolveu outra revolução - a do próprio corpo. Seu "workout", já com onze vídeos diferentes, vendeu milhões de cópias difundindo a ginástica aeróbica em todo mundo. Enfim, uma mulher fascinante, tema de livros como os de Fred Lawrence Guilhes e Thomas Kerna, editados no Brasil (mas que abomina) Jane não se cansou de falar com os jornalistas. Sempre esbanjando classe, personalidade e elegância, profissionalmente objetiva, enfrentou duas tumultuadas entrevistas coletivas no Rio e São Paulo e, nas suítes do Caesar's Park e Rio Palace Hotel, atendeu, por 30 minutos cada, veículos nacionais e de alguns Estados. Não se importou de repetir respostas, evitando falar de sua vida pessoal (recém divorciada do senador Tom Haydem, com quem esteve casada por 17 anos, e de quem tem um filho, Troy, de 15 anos - sendo mãe também de Vanessa, 21, de sua união com Vadim), mas também sem deixar as perguntas sem respostas - abordando política, seu método de ginástica, suas posições sempre avançadas e, naturalmente, cinema e a importância do filme "Gringo Velho". Aqui, uma primeira parte sobre o que Jane Fonda nos falou na quarta-feira, no Rio de Janeiro. Na próxima semana, traremos uma entrevista com o diretor do filme - e um comentário sobre "Old Gringo", baseado em romance de Carlos Puentes, misturando ficção e realidade (os últimos meses da vida do jornalista Ambrose Bierce (1842/1914?) - que, cansado com o jornalismo que fez por anos na cadeia de William Randolph Hearst (1863-1951), o magnata da imprensa americana que inspirou o "Cidadão Kane", de Orson Welles, 1940), foi para o México, engajando-se junto as tropas do general Pancho Villa. Jane interpreta Harriet Winslow, uma americana solteirona, 51 anos, virgem, que no meio da revolução mexicana, desperta paixões do velho jornalista (magnífica interpretação de Gregory Peck) mas acaba se tornando amante do general Tomas Arroyo (Jimmy Smiths). Almanaque - Depois de "Gringo Velho", você vai produzir e interpretar o papel central de uma versão americana de "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos". Porque refilmar esta comédia de Pedro Almodóvar (nota do editor: exibida por 3 semanas no Ritz, há pouco tempo)? Jane - Eu gostei muito do filme. Apesar de ter sido indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro neste ano (perdeu para "Pelle, o Conquistador", do dinamarquês Belle August) não foi um sucesso de público nos EUA, onde os filmes estrangeiros, com legendas, não são bem aceitos. Eu gostei, especialmente, da visão que Almodóvar tem da mulher, numa forma de comédia. E tenho conversado muito com ele a respeito, embora a versão a ser feita tenha que ter um diretor americano. Pensei em Herbert Ross ("Momento de Decisão", "A Garota do Adeus", etc.), mas ele está ocupado - vai fazer dois filmes. E eu quero ver "Mulheres..." em produção em breve. Acho importante existir um intercâmbio de argumentos e cineastas de vários países - como aconteceu com Luiz Puenzo, que convidei para dirigir "Gringo Velho". Almanaque - A pergunta de sempre, numa linha de aproximação latina, que tem um projeto na América do Sul, no Brasil mesmo... Jane - Sim, se houvesse algo realmente importante, e não seria pelo dinheiro... aliás, nem me arriscaria em pensar nisto (risos) ... ah!, esta não seria a resposta conveniente... Muitas vezes eu já trabalhei sem nada receber. Sempre que há um projeto difícil de fazer, com dificuldades financeiras, sou eu que digo: "Está bem, reduzam o meu salário". Almanaque - Você nunca pensou em, vencendo como atriz e produtora, também se tornar diretora? Jane - Não. Não tenho nenhum interesse em me tornar diretora. Não acho que tenho talento para tanto. O que eu tenho são idéias e assim busco diretores que possam realizá-las. Eu temo que se fosse tentar dirigi-las, num filme, não conseguiria. E elas são importantes demais para se perderem. Almanaque - Você, passando dos 50, vê dificuldades como atriz? Jane - Os papéis disponíveis para mulheres, em geral, são poucos. E depois de uma certa idade as coisas tornam-se mais difíceis ainda. É por isto que eu crio os meus próprios personagens. Hoje, ao contrário de uma fase polêmica, anterior, busco dar uma visão cultural a personagens femininas amadurecidas. Afinal, a mulher a partir da meia idade é vista sem sensualidade - aparecendo mais como avós, mães enfadonhas e não mais aquela imagem mais humana, romântica. E eu discordo e tal como os franceses, penso que as mulheres, como o vinho, só melhoram com a idade. Almanaque - Se embarcasse numa máquina do tempo e voltasse às décadas de 60/70, repetiria as posições políticas que a marcaram em sua juventude? Jane - Eu faria tudo de novo. Talvez com uma ou duas modificações. Acho justamente que me tornei uma pessoa mais interessante justamente por causa dos riscos que tomei ao assumir posições polêmicas e arriscadas. Almanaque - Há relativamente pouco tempo, você pediu desculpa aos veteranos do Vietnã. Arrependimento? Jane - Eu não pedi desculpas por ter sido contra a guerra do Vietnã. Eu tenho orgulho de minhas posições ao combater o envolvimento dos EUA naquele conflito. Nem me arrependo de ter ido a Hanói e gravado entrevistas criticando os EUA. Apenas é que algumas declarações que fiz machucaram os americanos que lutaram no Vietnã. Eu nunca tive intenção de magoá-los. Por isto pedi desculpas, pois acho importante reconhecer quando erramos. Eu fiz então algo muito difícil: mesmo tendo orgulho de minhas posições políticas, lamentei ter sido mal interpretada e disse aos ex-combatentes: "Não sou eu o inimigo mas, sim, o governo (americano) que mandou-os para o campo de batalha. O governo é que deveria se desculpar". Almanaque - E o Vietnã merece novos enfoques, passados 11 anos do fim do conflito? Jane - Justamente acabo de comprar os direitos de um romance sem ficção que, acredito, dará um exato painel do que foi a guerra: "The Bright Shing Lie", de Neil Shenn, prêmio Pulitzer. Serei apenas produtora e não atriz. O livro é fascinante e explica porque os EUA perderam a guerra. Está em fase de pré-pré produção, com Christopher Hampton, Oscar 89, como melhor roteirista por "Ligações Perigosas", fazendo o primeiro tratamento do script. Como será um filme caro, acredito que só venha a ser realizado daqui dois ou três anos. Almanaque - Não há um excesso de filmes sobre o Vietnã? Jane - Ainda não vimos a coisa por inteiro. Assistimos filmes que oferecem pedaços - pontos de vista dos soldados, dos oficiais que lutaram sua dimensão. E a do Vietnã faz com que façamos reflexões sobre o envolvimento dos EUA em tantos conflitos. Por exemplo, a interferência dos EUA, sempre do lado errado, na América Latina, faz com que tenhamos necessidade de aprender a ver e ouvir - de forma aberta, com sensibilidade - porque povos que lutam, com idealismo e coragem, pela independência e, autonomia, devem ser respeitados por nós, americanos, que há 200 anos brigamos pela nossa independência. Almanaque - E já que o Vietnã tem motivado tantos filmes, quais os que você considera importantes? Jane - (Um longo silêncio; aliás, em todas as entrevistas, Jane refletia antes de dar cada resposta). Há três: "Platoon", "Nascido para Matar" e "Bom Dia, Vietnã". De uma forma especial, acho o terceiro, "Good Morning, Vietnã", o mais importante. Almanaque - Duas biografias suas saíram no Brasil - "A Mulher de Nosso Tempo", de Thomas Kerna (Difel, 83, 335 páginas) e "Jane Fonda", de Fred Lawrence Gilhes (Francisco Alves Editora, 83, 350 páginas), que foram lançadas nos EUA em 81/82. Qual a sua opinião sobre estes livros? Jane - Eu nunca leria nenhum deles. Eles, realmente, me dão enjôo. Almanaque - Porque? São desonestos? Jane - Yes (bem alto). Almanaque - Então não há nenhuma biografia sua autorizada? Jane - Não. Sinto muito... Almanaque - Como é envelhecer? Jane - (rindo) Muito interessante porque aos 51 anos, eu sofri mas aprendi muito - adquirindo uma grande experiência num processo de aprendizado. Assim, mais do que nunca, me sinto hoje mais feliz - e superotimista, entrando numa fase totalmente nova de minha vida. Eu não sei o que vai acontecer mas eu sei que será diferente. (Encerrando a entrevista, Jane Fonda dirige-se à janela do terraço da suíte presidencial do 8º andar do Rio Palace Hotel, abre a porta e diz: - "Olha que coisa mais linda este pôr de sol. (Eram 18h de quarta-feira, 16, e o sol se punha sobre a Baía de Guanabara. LEGENDA FOTO 1 - Interpretando uma solteirona virgem, Harriet Winslow, que vai ao México e acaba se tornando amante de um general revolucionário, Jane Fonda cria mais uma notável personagem em sua carreira. Para ela, este foi um dos mais difíceis papéis que já fez em seus 30 anos de cinema. LEGENDA FOTO 2 - Entre dois amores: Harriet (Jane Fonda), chega ao México revolucionário, em 1913, e seu coração balança entre o velho gringo (o jornalista Ambrose Bierce, interpretado por Gregory Peck) e o guapo general Arroyo (Jimmy Smiths, um novo ator em ascensão). LEGENDA FOTO 3 - Aos 72 anos, Gregory Peck interpreta um personagem real em "Gringo Velho" (estréia no Cine Astor, dia 28): o jornalista americano Ambrose Bierce.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
6
20/08/1989

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br