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Aramis

Um prato bem confeitado

Como um produto comercial deve obedecer algumas regras para obter boa aceitação no competitivo mercado de arte, também um espetáculo pode merecer um prévio cuidado de marketing para alcançar seus objetivos. Esqueça-se, apenas, o lado artístico e imagine-se um entretenimento que necessita comunicar-se com o (grande) público. Apanhe-se dois nomes populares graças à muitos anos de carreira, escolha-se um texto limpo, bem elaborado, com toques de suspense que não envergonhariam Hitchcook, adicione-se bonitos vestidos para a personagem feminina, um cenário com certa sofisticação, coloque-se uma música agradabilíssima (Frank Sinatra) e, com um bom mestre-cuca, que conhece o segredo dos molhos e temperos teatrais, obtém-se um prato para ninguém botar defeito. Serve-se todas as noites! Isso poderia ser a receita de "Golpe Sujo" (auditório Salvador de Ferrante, hoje e amanhã), grande êxito de bilheteria do teatro brasileiro em 1975, uma peça no esquema que a classe média adora: intérpretes conhecidos, um texto com início, meio e fim (intervalo, no momento de maior impacto) e, sobretudo, uma habilidosa direção. É impossível negar os méritos desta peça do italiano Mario Fratti: uma trama bem urdida, apenas 3 personagens (4, se considerarmos o morto, desde o início da peça) e diálogos ágeis, que podem levar o espectador a entremear o relativo suspense com algumas (nervosas) gargalhadas. José Renato, homem de boa ficha como diretor teatral, que já encenou Brecht ("O Círculo do Giz Caucassiano") e teve uma experiência no Paraná, dirigindo o TCP ("Escola de Mulheres", 1967), é um diretor competente. Seguro, que sabe criar timing exato para um espetáculo - seja um de proposições amplas, como Brecht - ou uma simples e bem urdida trama de amor & desamor/traição & morte, como este "The Vixtim", que Fratti, hoje radicado nos Estados Unidos, escreveu há 8 anos e que deve ter [contribuído], bastante, para robustecer a sua conta bancária. É importante que existam espetáculos como "Golpe Sujo". Afinal, o público tradicional gosta de peças bem armadas, com gente limpa e bem apessoada no teatro, numa linguagem requintada e com um pouco de erotismo bem colocado. Tudo isso é servido na pela de Fratti, traduzida por Marisa Murray que, com bom senso, não fez as famosas "adaptações" que já assassinaram tantos e bons textos policiais. Ao contrário, os diálogos são rápidos e a ação é mantida na ambientação original - uma cidade próxima a Nova York, no decorrer de algumas horas. No elenco, "monstros sagrados" do teatro brasileiro neste último quarto do século - Maria Della Costa (bela e sensualíssima, apesar da idade, confirmando no palco suas formas perfeitas, exibidas generosamente em reportagem colorida no último número da "Revista do Homem") e Jardel Filho, este hoje um nome de maior prestígio graças a seu trabalho na televisão. Sem o mesmo vedetismo, em termos de público, mas também um ator experiente, Hélio Ary completa o elenco, aparecendo apenas no segundo ato - mas com muita força. O início de "The Victim" é uma espécie de jogo do gato & do rato, entre um estranho e uma mulher insatisfeita - numa trama que explode com violência no segundo ato. Tudo feito sobre medida, para oferecer ao público classe média, um espetáculo que embora possa ter intenções maiores (uma análise de violência contemporânea, do egoísmo e individualismo de cada um etc.) se oferece, na realidade, duas horas de bom entretenimento, com dois intérpretes famosos, num espetáculo bem confeitado. LEGENDA FOTO - Maria Della Costa e Jardel Filho
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
11/10/1975

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