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Aramis

Um musical de Demy com o grande Yves Montand

Rio de Janeiro - Jacques Demy é identificado no cinema francês como uma espécie de Vicente Minelli do musical. Até o grande público lembra de "Os Guarda-Chuvas do Amor" (Les Parapluies de Cherboug), realizado há 25 anos, com um dos mais belos momentos do cinema - no qual as canções substituíram totalmente os diálogos, numa história plena de beleza. Assim, a união dos talentos de Demy com a do mais respeitado nome do entretenimento (e hoje também de atuação nos círculos políticos) Yves Montand só poderia resultar num filme da maior atração - "Três lugares para o 26", que representando a França foi reservado para o último dia da competição, exibido na sexta-feira, dia 25. Entre a realidade e a ficção, "Trois places Pour Le 26" traz Montand de volta a Marselha, onde passou sua adolescência e começou sua carreira mundial. Ali ele comove seus fãs e dentre eles a bela Marion (Mathilda May, uma nova atriz), que sonha com as luzes do palco. Sobre o palco da Ópera de Marselha, Montand encena uma revista que mostra os principais papéis de sua carreira. Nos bastidores, sonha com Myléne (Françoise Fabian), seu amor de juventude, que abandonou quando foi para Paris. Para Demy, que sempre foi um fascinado pela música, o projeto de filmar com Montand era antigo. "Há 20 anos, em 1968, em Los Angeles, já pensava neste filme. Em 72 fiz um roteiro baseado nos ensaios de uma comédia musical. Montand estava de acordo. Michel Legrand também adorou o projeto, mas não conseguimos um produtor." No ano passado, finalmente o filme pode ser viabilizado e agora, concluído, foi trazido para o FestRio. Seu lançamento comercial ainda não aconteceu nem mesmo em Paris - e portanto era natural a expectativa. No Brasil, nem há previsão de seu lançamento comercial. No II FestRio, numa mostra paralela ("Midnight Movies"), havia sido apresentado "Une Chambre En Ville", de 1982 - que a exemplo de "Les Parapluies de Cherbourg" e "Les Demoiselles de Rochefort" (1966), era totalmente cantado - com uma história de personagens simples, emotivos e apaixonantes. Apesar de todo o nível dos filmes de Demy, este cineasta francês é pouco visto no Brasil. Seus filmes "A Baía dos Anjos" (La Baie des Anges, 1962) e "La Mere et L'Enfant" (1959) nunca tiveram lançamento comercial. "Model Shop" e "Pele de Asno" (1970, um belíssimo conto de fadas) tiveram exibições obscuras - este segundo só mostrado em Curitiba no hoje desativado , no Bacacheri. A comédia "L'Evenement Le Plus Important Depuis Que L'Homme A Marche Sur La Lune" (1973) também foi desperdiçado em seu lançamento no Brasil. Além de "Trois Places Por Le 26", dois outros filmes em que a música é parte integrante da históira estiveram na mostra competitiva. "O Professor de Música" (Le Maître de Musique", produção belga, direção de Gerard Corbiau, entusiasmou a muitos. A história se passa no início do século, quando um famoso cantor lírico Joachim Dallayrac (José Van Dam), ao final de uma audição, anuncia para uma platéia consternada que vai abandonar os palcos. Passa, então, a se dedicar exclusivamente a Sophia Maurier (Anne Roussel), cuja voz admirável ele se propõe a tornar perfeita. Conhece depois um jovem delinqüente, Jean Nilson (Philippe Volter), também de voz admirável, que admite como aluno. Estes dois discípulos, no final, enfrentarão o cantor Arcas (Marc Schereiber), o discípulo do príncipe Scotti (Patrick Bauchau), mecenas e ex-cantor lírico, inimigo figadal de Joaquim Dallayrac, que o derrotou há 20 anos passados num confronto de vozes. Com belíssima fotografia de Walter Vanden Ende e brilhante trilha sonora com trechos de óperas de Mahler, Verdi, Bellini, Mozart, Offenbach, Schubert e Schumann - "Le Maître de Musique" pode lembrar até "Amadeus" no duelo musical de talentos. É um filme terno, extremamente bem regido e afinado - que poderia fazer boa carreira chegando aos circuitos comerciais. O Canadá, que há dois anos surpreendeu com o excelente "O Declínio do Império Americano", concorreu este ano com "As Portas Giratórias" (Les Portes Tournantes), de Francis Mankiewicz. É a história de uma pianista, Celeste Beaumont (Monique Spaziani), em sua trajetória desde os tempos em que ainda adolescente deixa a família pobre, de 11 irmãos, para trabalhar em Campbellsville, como pianista de um cinema mudo. Nasce sua fascinação pelo cinema e nesta primeira parte o filme é enternecedor, um verdadeiro canto de amor ao mundo das imagens. A chegada do cinema falado, em 1927, com "O Cantor de Jazz", lhe tira o universo no qual transpunha todas suas emoções e casa-se com um jovem tímido e inseguro dominado pelos pais - e que viria a morrer na II Guerra Mundial. Depois de ter que abandonar seu único filho, Braudelle (Gabriel Arcand, que em "The Decline Of The American Empire" fez um papel tão marcante pelo qual recebeu o Genie Award, no Canadá), termina seus dias como pianista de jazz em Nova Iorque. A sua vida é reconstituída através da leitura de seu diário, enviado ao filho Braudelle e lido também por seu neto, Antoine (François Méthé), dividido entre o apoio ao pai, um pintor solitário e inseguro - e a mãe, divorciada, Lauda, (Miou-Miou), uma bem sucedida técnica de som. "Les Portes Tournantes" tem admiráveis interpretações, excelente acabamento técnico e um roteiro muito bem desenvolvido - além de um criativa trilha sonora de François Doumpierre. Em matéria de trilhas sonoras, aliás, se houvesse um Tucano de Prata para esta categoria, sem dúvida que "Armadilha para Vênus", o concorrente da Alemanha Ocidental, seria o favorito: além de uma jazzística e criativa banda sonora de Peer Raben (o compositor dos filmes de Fassbinder), há duas longas citações de "Samba Triste" (Baden Powell), com solos de saxofonista Stan Getz e João Gilberto. Só isto já vale ver (ouvir) o filme. LEGENDA FOTO 1 - Françoise Fabian, a bela atriz francesa, veio ao FestRio: recebeu em nome de Jacques Demy, Prêmio Glauber Rocha / melhor direção - O Tucano de Prata, pelo filme "Trois Place Pour 26", belo musical sobre Yves Montand. LEGENDA FOTO 2 - Philippe Volter e Anne Roussel em "Le Maître de Musique", do belga Gerard Corbiau: ganhou o prêmio especial do júri no FestRio. LEGENDA FOTO 3 - Ao menos na tela, Montand esteve presente: o musical semibiográfico "Trois Places Pour Le 26", é um belo filme. Mas não tem previsão de lançamento comercial no Brasil.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
02/12/1988

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