Login do usuário

Aramis

Um conselho familiar traz Costa diferente

O atraso de cinco anos com que "Conselho de Cinema [Família]" (Cine Luz, 5 sessões) chega até nós não invalida este filme diferente na obra do grego-francês Constantino Costa Gavras. Rodado em 1985 e tendo estreado em Paris em 19 de março de 1986, "Conseil de Famille" surpreendeu aos que esperavam mais um ensaio político, dentro da linha de cinema denúncia que o transformou, desde 1968 - quando realizou "Z" - num verdadeiro cineasta de utilidade pública, pela coragem com que sempre abordou assuntos incômodos. Num thrilling muito mais próximo a François Truffaut - e não seria por acaso que convidaria para o principal papel a última esposa do cineasta de "Os Incompreendidos" - Fany Ardant - Costa-Gavras realizou um filme extremamente agradável, com toque de bom humor, valorizando os cenários de Paris e do Interior da França (uma fotografia primorosa de Robert Alazraki), embalada por uma deliciosa trilha sonora do mestre Georges Delerue, com um tema central - de Manos Hadjakis - de ritmo grego, o que ganharia as paradas se tivesse sido editado em disco no Brasil (atenção colecionadores, tentem conseguir a trilha sonora quando forem à França!). A história é simples, excelentemente bem roteirizada por Gavras a partir de um romance de Francis Ryck: começa com a voz em off de François recordando o dia em que seu pai (o cantor/ator Johnny Halyday, lembrando fisicamente o jovem Richard Burton) e seu maior amigo, Maximilien Faucont (Guy Marchand) saem da prisão e reiniciam uma vida de assaltos. Arrombadores de cofres, buscando golpes certos, são obrigados a aceitar a participação do menino François - sob ameaça de denunciá-los às autoridades. O tempo passa e a família enriquece: a mãe - Fanny Ardant está deliciosa, como a prosaica esposa viciada em álcool e remédios, que divide sua solidão com os sonhos de se tornar uma grande violoncelista - vê os dois filhos crescerem - François e sua irmã, Marine - de uma menina esperta e encantadora (Juliette Rennes) a uma ninfeta rebelde (Caroline Pochon). De um trabalho independente, a dupla de ladrões adquire prestígio para ser escolhida pela Máfia para organizar a ação criminosa numa região da França, com planos para fazer de François um executivo do crime, treinado em Nova Iorque. Só que nestas alturas ele já havia descoberto sua real vocação: a marcenaria e o desejo de casar com uma bonita colega de trabalho, Sophie (Ann Gisel Glass). O que o leva a optar por uma solução que não deixa de ser uma forma de castigar o crime - mas que o deixa na incômoda posição de delator. Gavras narra a história com mão leve, fazendo a história passar por temas diversos como a autoridade paterna, a religião, a sociedade de consumo, o consumo, o abuso de medicamentos etc. Aos 57 anos, Gavras tem uma filmografia invejável - na qual denunciou o nazismo ("Um Homem a Mais", 66), as ditaduras de direita ("Z", 68; "Estado de Sítio", 73; "Desaparecido, Um Grande Mistério", 82); o stalinismo ("A Confissão", 70); o colaboracionismo na França ocupada ("Seção Especial da Justiça", 75), a questão palestina ("Hanna K", 83), a Ku-Klux-Klan ("Atraiçoado", 88) - sempre em obras do maior vigor. Entretanto, provou também sua sensibilidade ao fazer um dos mais emotivos dramas de (in)comunicabilidade humana, com um casal em crise (Yves Montand/Romy Schneider) descendo aos infernos de uma noite de angústia em "Um Homem, Uma Mulher, Uma Noite" (Clair de Lune, 1979), um dos melhores filmes da década passada - pouco visto em Curitiba mas que em São Paulo permaneceu mais de um ano em exibição ininterrupta. Portanto, ao levar à tela o romance de Francis Ryck, com toques de cinismo numa linguagem bem humorada, tratando o crime até de uma forma complacente, acrescentou mais um bom momento em sua obra: "Conseil de Famille" é um filme delicioso, inteligente e que tem aquele charme que só se encontra no cinema francês. Em seu último filme - "Muito Mais do que um Crime" (The Music Box), premiado este ano no Festival de Berlim, Costa-Gavras retoma a linha política, numa revisão do nazismo. Ainda inédito em Curitiba (mas já lançado no Rio-São Paulo), "The Music Box" permitirá uma comparação a este Gavras mais descontraído de "Conselho de Família", que merece ser visto hoje ou sexta-feira. Amanhã, as sessões da noite do Luz serão suspensas para a pré-estréia do curta "Vamos Juntos Comer Defunto?", de Eloi Pires Ferreira.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
31/10/1990

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br