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Aramis

Um concerto que não haverá e o romantismo de Mercedes

Quem esperava assistir amanhã à noite o guitarrista Paco De Lucia, considerado o melhor intérprete de flamenco da atualidade, terá uma decepção. Apesar dos anúncios de página inteira em publicações como "Bizz" e notícias em revistas nacionais ("Veja", "Isto É"), dando o Teatro Guaíra como palco para uma única apresentação de Paco, dentro do roteiro nacional que o guitarrista espanhol faz no Brasil, realmente a direção da Fundação Teatro Guaíra foi o marido enganado da história. Ou seja: não há data reservada para Paco no palco do auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. As alunas do Curso de Danças Clássicas estarão ensaiando amanhã à noite. O empresário Manoel Poladiam, responsável pela temporada de Paco De Lucia, parece que se enganou na marcação de datas. Um de seus assessores telefonou para Marlene Montenegro, diretora de arte e programação da FTG e solicitou a data de 15 de outubro. A resposta foi negativa mas o atrapalhado assessor não entendeu. Resultado: está sendo anunciado um concerto que não acontecerá. A não ser que Poladiam pretenda que Paco De Lucia faça o show defronte ao teatro. O que, aliás, não seria má idéia... xxx Em compensação, graças à boa organização da elétrica Verinha Walflor, a apresentação de hoje à noite da cantora argentina Mercedes Sosa deverá repetir o êxito de suas duas anteriores passagens pela cidade - a última delas em maio de 1982. Até ontem à tarde, 90% dos ingressos já haviam sido vendidos e, a julgar pelo interesse, os cambistas estarão fazendo bons negócios hoje à noite, antes do espetáculo - elevando a entrada de Cz$ 300,00 para até Cz$ 500,00. Mercedes Sosa tem um bom público no Brasil. Seu carisma de cantora de protesto, perseguida pelo regime militar argentino até a redemocratização, suas ligações com músicos e compositores brasileiros (especialmente Milton Nascimento), a tornaram um nome popularíssimo e carismático, fazendo com que seus discos passasem a ter ótima vendagem. Coincidindo com a temporada, iniciada dia 7, no Projeto SP, em São Paulo, a Polygram está lançando o terceiro elepê de Mercedes, somente neste ano, no Brasil. Em maio, saiu "Vengo a Oferecer mi Corazón", que já mostrava uma mudança de estilo - com o romantismo em substituição à irritação e agressividade de sua fase (necessária) anterior. Há três meses, "Corazón Americano", trazia os momentos mais emocionantes do El Gran Concierto, que Mercedes, Milton Nascimento e León Gieco fizeram em 21 de dezembro de 1984 para 30 mil pessoas no estádio Velez Sarsfield, em Buenos Aires. Aquela gravação ao vivo trouxe todo o calor de um espetáculo extremamente emocionante onde, ao lado de Mercedes e Milton, participou um compositor-intérprete ainda desconhecido, León Gieco, 35 anos e que pertence, junto a Charly Garcia, Nito Mestre e Raul Porchetto (todos inéditos no Brasil) à chamada "vanguarda acústica" da música argentina. Ao contrário de Gieco, que nunca teve qualquer de seus nove LPs lançados aqui, Mercedes soma uma dezena de discos brasileiros, entre coletâneas, homenagens e repertórios como os de Ataulpa Yupanqui e Violeta Parra. Também num caminho inverso ao de Gieco, que a crítica argentina sente estar de volta às raízes do campo, Mercedes urbaniza-se. Seu disco "Vengo a Oferecer Mi Corazón", há cinco meses no mercado, "é quase o de uma cantora exclusivamente romântica", como acentuou o crítico Tarik de Souza. Esta suavidade e romantismo sente-se também agora em "Mercedes Sosa - 86" (Polygram/Philips, outubro/86), que abrindo com um poema de Pablo Neruda ("Galopa Murrieta"), a traz acompanhada por Markama, que volta a se ouvir em "Canción y Huayno" (M. Nunez). Não há standards neste novo disco - ao contrário canções inéditas e envolventes, mostrando uma salutar e necessária renovação de repertório desta argentina de Tucumã, 51 anos, que proibida de entrar e cantar na Argentina a partir de 1975 (no governo de Isabelita Perón), só voltou a fazer as pazes com o governo argentino com a chegada de Raúl Alfonsin à Casa Rosada. Possivelmente, no espetáculo de hoje à noite, Mercedes incluirá basicamente as músicas conhecidas de seu repertório - aqueles standards que, facilmente, estabelecem uma identificação com a platéia. Mas, para sentir que por trás da (aparente) agressividade política de Mercedes Sosa, la negra, está a suave e envolvente romântica, convém ouvir seu novo disco, com canções como "Azul y Blanco em Mi Corazón" (V. Heredia), "El Corazón Al Suer" (E. Blazquez) - na qual há um belíssimo solo de bandoneon (Leopoldo Federico), "Aguita Demorada" (Hnos/Nunez), "Quando Se Muere un Cristiano" (Costello), "Bajo El Azote Del Solo" (A.N. Casto/G. Loguizamon), "Somos Hoy" (O. Avena/H.Negro), "La Mazamorra" (Aguerro/Carabajal) e, especialmente, a belíssima criação "Solito y sin flor" com a inclusão do poema de Pancho Cabral. LEGENDA FOTO - Mercedes Sosa, agora em fase romântica. Hoje, única apresentação no Guaíra.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
14/10/1986

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