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Aramis

Um banquete para os cinéfilos com cinco estréias

Uma das reclamações mais comuns dos curitibanos que acompanham os lançamentos no circuito comercial é antiga: - "Durante semanas não há estréias. Quando chegam filmes importantes, há simultaneidade. Poucos permanecem mais de uma semana em cartaz. E não há tempo para assistir a todos". Forma-se o círculo vicioso: falta tempo (e também dinheiro, com ingressos a Cr$ 120,00) para se assistir, numa mesma semana em cartaz, cinco filmes que merecem verificação. Como, por exemplo, acontece agora. Nada menos que cinco obras inéditas, entre as quais algumas em condições de figurarem entre os melhores do ano, estão em exibição desde ontem. Há programas para todos os gostos - atraentes por diferentes razões. Uma corajosa denúncia sobre o racismo na África do sul - "Assassinato sob Custódia" (A Dry White Season), de Euzhan Palcy - que só pelos 10 minutos em que aparece Marlon Brando (que concorreu ao Oscar de melhor coadjuvante) já se torna um programa indispensável, está no Cine Lido I. Paul Newman, como um governador da Louisiana que se envolve numa complicação amorosa, está em "Blaze, o Escândalo", de Ron Shelton (Astor). A trajetória de um advogado idealista dos anos 60 e que, 20 anos depois, passa a defender traficantes de drogas é tema de "Justiça Corrupta", de Joseph Ruben, que também tem motivos para atrair um bom público (Plaza). A dramática paixão de uma jovem pelo escultor August Rodin em "Camille Claudel", em filme do estreante Bruno Neyteen, valeu a Isabelle Adjani a indicação ao Oscar de melhor atriz. Em exibição no Ritz. E finalmente, a estréia mais fascinante - e que, ironicamente, é a que corre o risco de ficar somente uma semana em exibição: o delicioso "Contos de Nova York", com skecthes de Woody Allen, Francis Coppola e Martin Scorcese. No Cine Bristol, com a transferência de "Sociedade dos Poetas Mortos" para o Cinema I. E quem ainda não viu, tem outras opções igualmente atraentes. "Além da Eternidade" (Always), de Steven Spielberg, com Richard Dreyffus e Holly Hunter, agora em exibição no Lido I. O premiado "Conduzindo Miss Daisy", de Bruce Beresford - e que valeu o Oscar de melhor atriz a Jessica Tandy - passou para o Guarani. "Pelle, o Conquistador", do dinamarquês Billie August, com Max von Sydow e o garoto Palle Ivenegaard, Oscar de melhor filme estrangeiro-88, voltou no Cine Luz. "A Caçada do Outubro Vermelho" continua em exibição no Condor. Para quem gosta de programação pesada, continuam em exibição o medíocre "Tango & Crash - Os Vingadores", de Andrei Konchalevsky, com Sylvester Stallone, Kurt Russel e Jack Palance (São João) e "Hellraiser - Renascido do Inferno", terror explícito que pela violência está virando cult para uma garotada idiotizada (Cine Palace Itália). "I Love New York" - Jack Robins e Charles H. Joff que há anos vem produzindo os filmes de Woody Allen, aceitaram em fins de 1988, uma proposta diferente do mais genial cineasta americano, surgido nestes últimos anos: a realização de um filme em três episódios com Nova Iorque, naturalmente, como cidade-tema. O resultado foi "New York Stories", que assistimos em sua semana de lançamento na Big Apple, em março de 1989, e que agora chega ao Brasil - antecedendo em Curitiba o penúltimo longa de Allen ("Crimes e Punições", no qual volta a tratar de um tema dramático). Embora dividido com dois outros excelentes diretores - Martin Scorcese ("Lições de Vida", com Nick Nolte, Patrick O'Neal e Rosanna Arquette) e Francis Coppola ("A Vida sem Zoe", com Heather McComb, Talia Shire e Giancarlo Gianini), sem duvida que é "Édipo Arrasado", o episódio mais fascinante deste novo canto de amor a Big Apple que seu mais entusiasta dos filhos volta a fazer. Reassumindo a comédia, com toques surrealistas, Woody fez uma pequena jóia, interpretada por ele, a esposa Mia Farrow, mais Mavin Cantinover e Mae Questel. Um filme tão fascinante que merece ser analisado em espaço especial. No Cine Bristol, desde ontem. "Assassinato sob Custódia" foi o filme escolhido por Ney Sroulevich para encerrar o VI FestRio, em novembro de 1989 em Fortaleza. Com isto, a diretora Euzhan Palcy, nascida na Martinica, voltou ao Brasil. Já que nos anos anteriores, no FestRio 87, havia participado de uma mostra paralela, com seu primeiro longa "Rue Cases Negres", inédito comercialmente no Brasil mas que em cópia da Aliança Francesa tem sido apresentado no circuito paralelo. Os elogios recebidos por "Rue Cases Negres" foram tamanhos que Ezhan Palcy - uma morena belíssima, simpática e sensual - teve financiamento da MGM para seu segundo projeto, corajosa denúncia sobre o apartheid na África do Sul, baseado num romance de Andre Brink. Como "Um Grito de Liberdade", de Richard Attenborough, "A Dry White Season" é daqueles filmes que faz o público conscientizar-se (e chocar-se) com a violência que continua a se praticar na África do Sul contra os negros. Embora tendo merecido algumas críticas irracionais, é uma obra vigorosa, com excelente timing e valorizada por interpretações seguras. Marlon Brando, 66 anos, que há anos estava ausente do cinema, gostou tanto do roteiro que aceitou fazer o papel do advogado McKenzie recebendo apenas US$ 14 mil (na mesma época, ele atuou numa produção canadense, "The Freshmen", sobre a qual disse cobras e lagartos). Uma atuação tão extraordinária que apesar de ficar menos de 10 minutos na tela recebeu indicação ao Oscar de melhor coadjuvante (perdeu para Washington Jr., por "Glory", já visto em Curitiba). Donald Stherland, Janet Suzmann, Susan Sarandon e dois atores menos conhecidos no Brasil, mas excelentes - Jurge Prochnow e Zarke Mocae - estão no elenco desta visão indispensável. Três diretores estreantes - ou praticamente desconhecidos no Brasil, assinam outros filmes importantes que estão nas telas nesta semana. Ron Shelton foi buscar no melancólico final de vida de um dos mais populares governadores de Louisiana, Earl K. Long, que há 30 anos envolveu-se num escândalo sexual com uma garota, a estrela Blaze Starr (Lolita Davidovich), o argumento para "Blaze, o Escândalo". Paul Newmann, cada vez melhor ator, vive o político de Louisiana, num filme de atualidade permanente: afinal, escândalos sexuais sempre ameaçaram figuras públicas. No elenco, afora Newmann, não há outros nomes conhecidos: Lolita Davidovich é um lançamento e estão Jerry Hardin, Gailrd Sartain e Jeffey DeMunn. A fotografia é de um dos mestres das imagens do cinema americano, várias vezes premiado e também documentarista: Haskel Wexler. Não precisa se acrescentar nada mais: um programa também indispensável. De Joseph Ruben, diretor de "Justiça Corrupta", não se sabe muito. Entretanto, trabalhando com um roteiro interessante realizou um filme que aborda a desilusão de um jovem advogado, Eddie Dodd (James Woods), que nos turbulentos anos 60 defendia os direitos civis mas que, na década de 60, tem clientes do submundo nova-iorquino. "True Beliver", igualmente com elenco de gente desconhecida no Brasil (Robert Downey Jr., Margaret Collin, Yuji Okumoto, Kurtwood Smith), merece atenção. Finalmente, "Camille Claudel", elogiadíssimo desde sua estréia da França, há mais de um ano, e que valeu a Isabelle Adjani a indicação ao Oscar de melhor atriz-90. Em 172 minutos, o filme conta a dramática paixão da escultora Camille Claudel - sobrinha do poeta Paul Claudel - por August Rodin, o mais famoso escultor francês, de quem foi aluna, assistente e amante. Ao ser abandonada por Rodin, entregou-se à bebida e passou mais de 30 anos internada num hospício, onde morreu. Adjani, que foi a produtora do filme, convidou seu ex-marido, Bruno Nuyteen (pai de seu filho Barnabé e fotógrafo famoso na França) para dirigir o filme e convenceu seu amigo Gerard Depardieu, um dos maiores astros do cinema europeu, a interpretar Rodin. Levantou US$ 16 milhões e realizou este projeto fascinante: um filme bonito, histórico e intensamente amoroso - no qual Isabelle, que já havia sido a dramática "Adele M." no filme de François Truffaut (sobre a paixão de uma jovem, filha de Victor Hugo, que chega à loucura) novamente se entrega ao papel de uma mulher que tudo arrisca, tudo perde, pelo grande amor de sua vida. Em exibição no Cine Ritz, com previsão de permanecer no mínimo 3 semanas em cartaz. A não ser a que estupidez dos programadores da sala leve a uma interrupção na carreira deste filme de primeira categoria.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
8
18/05/1990

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