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Aramis

Tim Maia e os baianos ao som de muito reggae

Na hora em que for escrita a história da fonografia brasileira, a Continental ocupará um espaço muito especial pois há mais de quatro décadas que a fábrica da família Byghton vem atravessando altos e baixos, resistindo bravamente como empresa brasileira - e enfrentando épocas de vacas magras para períodos de pujança. Atualmente, a Continental está em fase ascendente, com um elenco em crescimento - numa política diversa da adotada por multinacionais (como a CBS) que concentram em poucos artistas, de grandes possibilidades de vendas em todo o país, o seu poder de fogo. A Continental, ao contrário, busca artistas regionais, capazes de garantirem em determinados Estados as vendas que compensem os investimentos - acertando em muitos casos, fracassando em outros. A experiência que Wilson Souto Jr. (O Gordo), adquiriu nos tempos em que dirigia o Lira Paulistano está sendo valiosa na Continental, da qual hoje é diretor artístico. Assim é que o elenco desta fábrica está se diversificando cada vez mais - procurando dar oportunidade a novos artistas ao mesmo tempo que traz também aqueles intérpretes-compositores, instrumentistas e mesmo grupos que estavam esquecidos fonograficamente. Por exemplo, Tim Maia (Sebastião Rodrigues Maia), 45 anos de idade, 33 de vida profissional ("comecei a cantar aos 12 e nunca mais parei"), 17 álbuns gravados, já passou por todas as gravadoras e, invariavelmente, brigou em todas. Irascível, temperamental, é um artista difícil, mas pelo visto Souto Neto está conseguindo conviver com suas manias, tanto é que os dois últimos de seus 17 discos ali foram feitos: "Pudera", em 1986 e, agora, "Somos América", cujas gravações estenderam-se de fevereiro a setembro de 1987. Com vivência nos EUA, de onde trouxe o soul que o caracteriza desde seu primeiro elepê ("Azul da Cor do Mar", Polydor, 1970), Tim é dono de uma voz belíssima e como compositor adotou um estilo de forte personalidade. Por exemplo, na faixa título deste seu novo disco prega a união entre os povos pan-americanos. Explica que "Dá uma chamada no Ronald Reagan" (na parte que reclama dos que mexem sem perguntar - referindo-se a invasão da Granada e às agressões à Nicarágua), fala do Brasil, na frase "ninguém me convidou para votar" e faz uma alusão a uma guerra que poucos enxergam além dos conflitos políticos, econômicos e religiosos de praxe, "é a guerra da cultura", explica. Enquanto Tim Maia é um intérprete que Tarik de Souza define como "o grão-mestre do "Soulcesso" - e neste seu novo disco traz um punhado de canções novas, a mesma Continental está investindo firme naquilo que se poderia chamar de Novos Baianos: intérpretes, compositores, grupos musicais que estão surgindo com grande força. Numa argamassa de influências, fundindo a cultura brasil-afro com ritmos caribenhos - reggae, funk, eletrificando cordas e modificando mesmo a percussão, são compositores intérpretes como Luís Caldas e Gerônimo, que estouraram nos carnavais de Salvador dos últimos três anos e buscam se manter na crista da onda. Gerônimo, que apareceu em 1986 com "Eu Sou Negão", está na praça com novo lp ("Dandá"), com novas composições descontraídas, sempre com parceiros (Ricardo Luedy, Luís Queiroz, Bego, Pescário, etc.): "Esse Galo", "Lambada de Delícia", "Abecedário", "Namoro", "Era Tambor", além de homenagem a Jorge Amado ("Jubiabá") e um "Tributo a Bob Marley" (este de autoria de Mug-Rubi Confeti). O grupo Olodum, também de fortíssimas raízes africanas, com muito embalo em "Egito/Madagascar" traz um som vibrante, amparado num apoio de onze percussionistas e mais um vocal de três afinadas vozes - e naturalmente com repertório próprio. A foto que ilustra o encarte - mostrando a concentração de público no Pelourinho, em Salvador, numa das apresentações do grupo, prova sua popularidade. Nesta fase de lançamentos de novos artistas, a Continental traz Bena Roberto, compositor e intérprete, que define suas composições como "reggae meio bolero romântico" ("Cara Lavada"), "Frevo Brega", ("Troca a Pilha do Rádio"), "Funk Sensual" ("Boca em Boca"), "Reggae Solidão" ("Não Vou Não"), "Bang Bang, Sexo e Rock and Roll" ("Sexo em Beirute"), um "Funk Chegado ao Reggae" ("Onde eu te Conheci"), e até um "Ponto de Macumba Tecnopop" ("Viva Oxossi, Viva"). Como se vê, uma geléia geral, com muito molho comercial - e que mostra, mais uma vez, as indefinições musicais e as influências internacionais sobre a nossa produção musical.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
31/01/1988

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