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Texto de Artaud abre novo espaço cultural

Retornando de São Paulo, onde foi reciclar-se criativamente assistindo as vanguardistas encenações que o seu maior amigo João Cândido Galvão, curador da 21ª Bienal, trouxe na área do teatro - a "Trilogia Antiga", o "Suz/O/Suz" e "When We Dead, Awaken" (com direção do lendário Bob Wilson), Marcelo Marchioro, após a campestre encenação de "Sonhos de uma Noite de Verão" (Centro de Criatividade, até dezembro) sonha com um projeto mais audacioso: montar no espaço do Solar dos Leões, um espetáculo que assistiu em sua última temporada nova-iorquina e que faz com que um pequeno público participe, acompanhando o elemento em diferentes cenários e até jantando com os artistas dentro de uma função dramática. Aliás, na Mansão dos Leões já houve um espetáculo também circulante, inspirado livremente em Shakespeare, trazido por um grupo carioca. Mas a proposta de Marchioro - com base no que viu na Broadway - é mais audaciosa. Bem mais modesto - mas igualmente criativo - é Lúcio Marcelo Christsem, 21 anos completados no último dia 19 de setembro, que estréia amanhã no novo (e improvisado) espaço cultural: o chamado "Teatro da Fábrika", utilizando cerca de 100 metros da antiga Fábrica de Fitas e Bandeiras (que já ganhou até um livro de fotografias de Orlando Azevedo) e que agora abriga instituições como o Goethe Institut e a Aliança Francesa. Numa área ainda não restaurada - mas que o Cebel deverá aproveitar em 1992, e atualmente alugada por uma academia de ginástica, Lúcio encontrou o espaço ideal para uma proposta de "um teatro participativo, em que os espectadores em cada sessão se integram no universo cênico" como explica: "O Duplo", fundamentando-se em leituras do teórico francês Antonin Artaud (*), terá 12 apresentações em fins de semana (21 horas, ingressos, a Cr$ 2 mil, reservas pelo fone 335-1263) numa proposta inovadora. Filho do jornalista Levi Mulford - com quem aprendeu a gostar de bom cinema, Lúcio formou-se no ano passado em desenho industrial pelo Cefet mas sua paixão é o teatro. Participou de duas montagens do Grupo Lusco Fusco e fundando o grupo Fluxo, montou "O Visionário", inspirado na correspondência entre o pintor Vicente Van Gogh e seu irmão Theo, encenada no ano passado em temporadas nos auditórios do Cefet e da Reitoria. Assistente de direção de Marcelo Marchioro na montagem de "Sonho de uma Noite de Verão", Lúcio acabou desistindo deste trabalho - quando a produção sofreu atrasos - para se dedicar ao seu próprio projeto, que pensava inicialmente em apresentar no Paiol. Entretanto, como as datas que havia solicitado foram dadas pela diretora da Fucucu para espetáculos musicais de artistas de outras cidades, Lúcio procurou um espaço alternativo, encontrando o ideal na chamada "Fábrica" (Rua Ubaldino do Amaral, 883) - que, apesar de não ter nenhum recurso cênico - obrigando-o inclusive a improvisar lugares para o público e instalação de iluminação - "oferece o clima para o espetáculo que pretendo mostrar". Dividindo a apresentação com um amigo, César Stati, 20 anos, que anteriormente participou de sua montagem de "O Visionário", em "O Duplo", Lúcio Marcelo mergulha no clima onírico da época das cruzadas, "onde dois cavaleiros duelam com determinação e conduzem a platéia numa instigante movimentação pelo espaço" explica, acrescentando o seu entusiasmo pelas idéias de Artaud, "considerado por muitos como louco e alienado, mas que na verdade foi um lúcido que revelou-nos um teatro radicalmente sincero e verdadeiro". Com o idealismo dos jovens que se lançam em saudáveis projetos teatrais, buscando novas formas de comunicação, Lúcio retirou de suas economias os recursos para esta montagem - que com garra e vontade vem dedicando-se nas últimas semanas. Como se destina a uma platéia reduzida (apenas 20 pessoas por sessão) terá, proporcionalmente maior sucesso do que dispendiosas encenações oficiais que consomem milhões de cruzeiros e nada acrescentam culturalmente a nossa medíocre atividade teatral. Nota (*) Antonin Artaud (Marselha, 1896 - Ivry-sobre-o-Sena, 1948), poeta e dramaturgo francês, desenvolveu o chamado teatro da crueldade. Com problemas mentais desde os 16 anos - o que levou a vários internamentos em hospícios - realizou entretanto uma obra original, fundando em 1926 o Teatro Alfredo Jarry, no qual encenou obras de vanguarda - mas cujo fracasso o levou ao México, onde viveu durante anos entre os índios Tarahumaras. De seus textos, "Le Théatre et son Double" foi o que inspirou a Lúcio Marcelo a fazer a encenação que estréia amanhã.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
10/10/1991

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