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Aramis

E terminou no Guaíra o grande encontro musical

Quem esteve no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto na noite de domingo assistiu não apenas a um dos mais belos espetáculos da música brasileira já visto em Curitiba. Viu, sem saber, também a despedida do grupo que desde o início do ano vem apresentando momentos de virtuosismo instrumental a propósito de um novo show que seria apenas mais um na longa listagem dos que Ney Matogrosso vem fazendo desde que deixou o grupo Secos e Molhados há 13 anos. Isto porque apesar de estar ganhando US$ 5 mil por apresentação, o pianista Arthur Moreira Lima, 48 anos, deixa agora o grupo, assim como o saxofonista Paulo Moura, 56 anos, que também não acompanhará mais a excursão prevista para a cidade do Nordeste e, possivelmente no segundo semestre, em Buenos Aires. No lugar de Arthur estará o pianista João Carlos Assis Brasil, 42 anos, irmão gêmeo do falecido saxofonista e jazzista Victor Assis Brasil (1945-81). Substituindo Paulo Moura, o jovem (34 anos) saxofonista Roberto Sion, paulista, que deixa por algum tempo o grupo Pau Brasil do qual fez parte. Rafael Rebello, 24 anos, virtuose do violão e o percussionista Chacal (Paulo D'Aquino, Rio de Janeiro, 7/5/1941) continuarão trabalhando com Ney Matogrosso. xxx Dede que o espetáculo "Pescador de Pérolas" estreou no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro, no início do ano, uma coisa ficou clara: embora Ney Matogrosso (Ney de Souza Pereira, Bela Vista, MT, 1941) seja o superstar, único dos três integrantes do grupo Secos & Molhados (os outros eram João Ricardo Teixeira Pinto, 38 anos, e Gerson Conrado, 37 anos) a sobreviver a separação do conjunto (que apareceu em 1973, com uma incrível força musical e promocional), o espetáculo não era dele "acompanhado" por outros músicos. Nem poderia ser: Arthur Moreira Lima fez carreira como concertista, considerado um dos melhores executantes de Chopin e no mundo embora trocando o erudito pelo popular ( a partir de suas gravações de peças de Ernesto Nazareth) continua como grande nome internacional. Anteriormente, já havia participado de outro projeto inusitado: o "Consertão", com o notável Elomar Figueira, baiano de Vitória da Conquista, autor de uma obra personalíssima em termos de MPB; o violonista Heraldo do Monte (ex-Quarteto Novo) e Paulo Moura. Paulo Mora, eclético e genial - do clássico ao jazz - é o grande saxofonista e clarinetista brasileiro, inúmeras gravações e respeito nacional como instrumentista. Rafael Rebello, apesar de sua pouca idade, é o grande violonista brasileiro, único grande executante do violão de 7 cordas (que por sinal não toca no espetáculo), com carreira das mais promissoras. O menos conhecido do grupo é Chacal, percussionista de muitos méritos, também em carreira ascendente. Assim, nos palcos do teatro Carlos Gomes, depois do Anhembi em São Paulo e no Palácio da Artes, em Belo Horizonte - e finalmente em Curitiba, no último fim de semana, o que houve foi um encontro de cinco grandes talentos, eventualmente tocando juntos, em trio ou duo - mas cada um fazendo seu trabalho marcante. Todos levando o público ao maior entusiasmo, pelo virtuosismo apresentado. Agora, na temporada do Norte/ Nordeste (Salvador/ Recife/ Fortaleza/ Belém/ Manaus), Arthur e Paulo já não estarão no grupo. Substituídos por músicos à altura, de qualquer forma o espetáculo perde a sua estrutura original, que os curitibanos tiveram a oportunidade de aplaudir, por três noites, no Guaíra. xxx O espetáculo não foi apenas um dos mais perfeitos, em termos musicais, já apresentados em Curitiba. Foi também uma das mais caras produções já vistas. Apesar da equipe técnica (10 pessoas) ser o dobro da artística, o custo é altíssimo e o empresário Manoel Poladiam comprou o pacote de apresentações, a preço fixo. Calculado em dólares - só Arthur Moreira Lima recebe US$ 5 mil por apresentação, Ney Matogrosso não fica por menos - o show chegou a ser oferecido, há tempos, ao Clube Curitibano, por Cz$ 900 mil. Claro que apesar de sua riqueza, o clube não topou a proposta - e poucas entidades do Brasil tem cacife para tanto. Em teatro, com ingressos entre Cz$ 400,00 a Cz$ 200,00 - e casas lotadas, apesar do frio, no último fim de semana - é possível equilibrar custos e despesas. Mas o próprio Rafael Rebello, acostumado com a realidade brasileira, na qual nem sempre há público para espetáculos de alto nível musical, surpreendia-se com o sucesso que a produção vem tendo em toda a temporada. xxx Tinha razão Ney Matogrosso ao insistir com a CBS em que todo espetáculo fosse editado em elepê. Infelizmente, por razões industriais - nesta época, não seria conveniente o lançamento de um álbum duplo - o disco "Pescador de Pérolas" não contém a íntegra do espetáculo, embora preserve essencialmente alguns dos melhores momentos. Ficaram de fora, por exemplo, as ternas "Cirandas", de Villa-Lobos, na qual com refrões e quadrinhas de infância, há um mergulho no tempo. Outro momento magnífico que faltou na gravação - e que no espetáculo é uma oportunidade para Rafael mostrar todo o seu virtuosismo ao violão, em dueto com a percussão de Chacal: o choro "Lamentos do Morro", uma das mais belas composições de Garoto (Aníbal Augusto Sardinha, 1915-1955), e das menos conhecidas de seu repertório, até hoje com apenas duas gravações (Geraldo Ribeiro e Paulo Belinatti). Aliás, após o "Batuque" (Nazareth), é com "Duas Contas" de Garoto, no duo piano-violão que abre o espetáculo, seguindo-se dois clássicos de Cartola - "As Rosas Não Falam" e "O Mundo é Um Moinho", desta com Ney entrando e mostrando toda a beleza de sua voz, em duo com o sax de Paulo Moura - seguindo-se "Segredo" (Herivelto Martins) e "Tristezas do Jeca" (Angelino de Oliveira) - que, imaginaria, fosse tão valorizada numa interpretação despojada e emocional, assim como "A Luz Girou" e a modinha "Quem Sabe" (Carlos Gomes)! Cada momento do espetáculo "Pescador de Pérola" é completo sonoramente, com o instrumento acústico rendendo o máximo, num trabalho perfeito de som, méritos que cabem ao inglês Vance Anderson, ex-técnico da equipe do guitarrista espanhol Paco De Lucia, agora morando no Brasil. Espetáculos como "Pescador de Pérolas", em sua perfeição musical, lavam a alma do espectador que aprecia a boa música. Acústico, sem parafernálias e dispensando mesmo uma direção pretensiosa (o trabalho foi todo concebido em equipe) - com luz e som perfeitos, um momento mágico que, infelizmente, jamais se repetirá no palco do Guaíra.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
20/05/1987

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