Tchaikowsky & outros russos com suas obras maravilhosas
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de outubro de 1991
Ensina o musicólogo Ferdind Sachs que Stravinsky, um admirador de Piotr Ilych Tchaikowsky (1843-1893), comentou certa vez com entusiasmo, o fato de seu grande compatriota haver admitido que escrevia música como um sapateiro faz seus sapatos, com o trabalho cotidiano e frequentemente sob encomenda. A declaração batia com o ideal do próprio autor de "A Sagração da Primavera", do "artista-artesão", o homo faber.
Essas encomendas que Tchaikowsky aceitava pelo dinheiro ou para aumentar sua reputação (nenhum dos quais realmente necessitava), ele geralmente executava com um certo cinismo. Em 22 de outubro de 1880, ele escreveu à sua mecenas, a senhora Von Meck: "Pensa, minha querida amiga, que minha musa tem estado tão propícia ultimamente que escrevi com a maior rapidez duas obras, uma grande "Abertura Festiva" e uma "Serenata para Cordas". A Abertura será muito barulhenta e estrondosa, sem possuir qualquer valor artístico, já que a fiz sem calor nem carinho".
Tchaikowsky compôs a Abertura solene 1812 a pedido de seu amigo Nicoli Rubinstein, diretor do Conservatório de Moscou, e sua estréia aconteceu em um concerto sinfônico quando da "Exposição de arte e da indústria de todas as Rússias".
Qualitativamente mais convincente é a Marcha Eslava, contribuição nacional de Tchaikowsky à guerra da Sérvia contra os turcos, iniciada no verão de 1876 e na qual a Rússia se viu envolvida. A música explicita o apoio fraternal eslavo. Na Marcha russo-soviética como especificava o título originalmente em sua forma mais correta, o conclusivo hino tzarista russo segue-se aos temas folclóricos sérvios. De qualquer maneira, Tchaikowsky evitou adotar tons excessivamente triunfais e toda a primeira parte é uma marcha fúnebre, como que antecipando os sofrimentos da guerra. Em tais circunstâncias, a estréia, em novembro de 1876, desencadeou "uma autêntica tempestade de exaltação patriótica", como escreveria o compositor à sua irmã.
Alexander Borodin (1833-1887), que era também professor de química em São Petersburgo, escreveu "Nas Estepes da Ásia Central" ao mesmo tempo em que Tchaikowsky compunha sua "Abertura 1812" e igualmente por encomenda para uma iniciativa estatal: destinava-se às festividades do 25º aniversário do reinado do tzar Alexander II e a música de Borodin serviu como acompanhamento de um "quadro vivo" no Teatro de Maria de São Petersburgo. Portanto a inclusão desta peça na mesma gravação com a Gothenburg Symphony Orchestra, regida por Neeme Jarvi, fica apropriadíssima. Em seguida, também de Borodin temos outra de suas importantes composições, as chamadas "Danças Polovitsianas", que aqui tem os textos (em russo) cantados pelo baixo Torgny Sporsen.
Nikolai Rimsky-Korzakov (1844-1908) foi o compositor mais famoso do denominado "Grupo dos Cinco", de orientação nacionalista da Rússia do final do século. Em seu posto de professor do Conservatório de São Petersburgo e com a riqueza de sua paleta orquestral, Rimski-Korsakov exerceu uma grande influência sobre os compositores mais jovens como Stravinsky, que foi aluno. Uma obra como a Cappricio espangol última peça desta gravação datada de 1887, demonstra até que ponto o colorido orquestral é algo substancial para a sua obra. Por ocasião de sua estréia, o compositor escreveu em suas memórias: "A opinião do público e crítica de que se trata de uma peça magnificamente orquestrada não é correta: o Cappricio é uma magnífica peça para orquestra".
Antecedendo esta peça, temos a abertura de "A Grande Páscoa Russa", obra de que Rinsky compôs em 1888 e dedicou à memória de Mussorgsky e Borodin.
Temos assim seis peças - duas de cada autor (Tchaikowsky, Borodin e Rinsky-Korsakov) neste magnífico CD, que teve patrocínio da Volvo sueca, já que sua gravação se deu em Gottenburgo, sede mundial da dupla multinacional.
Tchaikowsky merece também outro belíssimo CD lançado simultaneamente pela Deutsch Grammophon/Polygram: as suas suítes de ballet "A Bela Adormecida", "O Lago dos Cisnes" e "O Quebra-Nozes", na execução da Filarmônica de Berlim sob regência do maestro Herbert von Karajan (1901-1989), em produção desenvolvida entre 67/71, mas remasterizada agora pelo processo digital.
O musicólogo Thomas Kohlhase define a importância destas suítes em poucas palavras: "Com seus três grandes bailados - "O Lago dos Cisnes" (1875/61), "A Bela Adormecida" (1888-89) e "O Quebra Nozes" (1891/2), Tchaikowsky reescreveu a história da dança cênica. Os temas de contos-de-fada já trazem em si o material do drama, moldados pelo brilhante mestre-de-balé de São Patersburgo, Marion Petipa, em libretos e programas de dança altamente originais. A contribuição de Tchaikowsky foi não somente traduzir meticulosamente esse material pela música, mas também dedicar sua habilidade sinfônica e dramática à criação de dramas reais da dança. No entanto, a despeito da força de suas estruturas dramáticas, "O Lago dos Cisnes" e "A Bela Adormecida" foram fontes reiteradas de pot-pourris e suítes, onde as cenas dramáticas, o caráter vivo das danças, os famosos pas-de-deux, valsas populares e brilhantes "quadros sinfônicos" sucederam-se um ao outro em sua ampla variedade. A suíte "Quebra-Nozes" é a única compilada pelo próprio Tchaikowsky.
Existem, obviamente, outros registros destas peças - mas a perfeição do CD realçando a Filarmônica de Berlim faz desta edição definitiva - e mais uma obra póstuma de von Karajan.
LEGENDA FOTO - Tchaikowsky: dois CDs com sinfonias e suites.
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