Login do usuário

Aramis

Talvez com a Lei Sarney apareçam nossos mecenas

Nunca um projeto de lei teve tamanha unanimidade e representou tanta esperança para a cultura brasileira quanto a chamada Lei Sarney que concede incentivos fiscais à aplicação de recursos na área cultural. Desde o dia 4 de junho, quando aconteceu a solenidade no Palácio da Alvorada, em que o presidente José Sarney oficiou o envio do projeto ao Congresso Nacional - numa festa perante alguns dos nomes mais expressivos da cultura brasileira, sendo saudado pelo dramaturgo Dias Gomes e atriz Dina Sfat - que o assunto vem merecendo a maior cobertura nacional. Com sua possível aprovação durante o "novo esforço concentrado" que a liderança governista está convocando para os dias 23 e 24 deste mês, a Lei Sarney representa, nas palavras de seu próprio idealizador, o então senador José Sarney, "Criar um renascimento cultural no Brasil, que se intensificará nos próximos anos". E se nestes últimos dez anos o mecenato cultural, mesmo sem o estímulo de uma lei que beneficie as pessoas físicas e jurídicas que auxiliam as artes no Brasil, tem tido positivos exemplos - que vão desde caríssimos projetos de reconstrução de prédios históricos até edições de livros, discos, álbuns, circuitos musicais, etc. - no Paraná até agora, a insensibilidade empresarial para esta área tem sido total. Nenhuma das grandes empresas aqui sediadas - sem falar nos bancos ou outras instituições - mostrou qualquer boa vontade com projetos culturais, quando muito liberando "auxílios" quase ridículos - assim mesmo mais por pressões dos interessados do que por uma filosofia cultural. O Bamerindus, que durante anos editava um disco histórico, com uma síntese do que de mais importante acontecia em cada ano, através do "Informativo JB", da Rádio Jornal do Brasil, desistiu há tempos deste patrocínio. A Volvo, com todo seu poderio econômico, nunca considerou sequer a possibilidade de se unir a algum projeto cultural - apesar de o presidente de seu conselho de administração, o ex-ministro Karlos Rischbietter, violinista amador, ter sido, quando presidente da Caixa Econômica e, posteriormente, no Banco do Brasil, o idealizador na produção de belos lps de música erudita brasileira que a Kuarup realizou com patrocínio daquelas instituições. De empresas menores, então nem é bom pensar. Nossos empresários fogem de qualquer projeto cultural e o único caso conhecido de uma loja que, nestes últimos anos, se dispôs a financiar a edição de um livro foi a Tok-Stok, mas pertencente a um grupo franco-carioca, que ao inaugurar sua filial de Curitiba, no ano passado, patrocinou dois livros do engenheiro e humorista amador Luis Groff. Só que esses livros foram pessimamente distribuídos, sem qualquer repercussão maior - o que deve também ter desestimulado o patrocinador a qualquer nova aplicação na área. xxx Uma demonstração clara de falta de sensibilidade do empresariado paranaense em relação a aplicações na área cultural está na própria Fundação Cultural de Curitiba. Ingenuamente, o então prefeito Jaime Lerner ao idealizar a criação da FCC, há 15 anos passados, imaginava que haveria - a exemplo do que acontece na Europa e, especialmente Estados Unidos - participação da iniciativa privada. Engano total! Durante os 10 primeiros anos, praticamente a FCC não teve uma única contribuição vinda da iniciativa privada para os seus projetos e, nos últimos três anos, somadas todas as doações, observa-se que o total fica em apenas Cz$ 115.278,00. Mesmo fazendo-se a correção monetária e considerando a inflação no período 1983/95, não deixa de ser uma contribuição ínfima para uma instituição que hoje com 330 funcionários, mais de 40 unidades (só em prédios próprios, 22) tem um orçamento previsto para 86 de Cz$ 16.000.000,00 - sujeito a reforço orçamentário. Em 1986, nestes cinco primeiros meses, a Fundação Cultural teve doações no valor de Cz$ 66.000,00, dos quais Cz$ 17 mil destinados ao Coral (Bamerindus colaborou com Cz$ 15 mil; Arte e Talento, loja de pianos, com Cz$ 3 mil; Auto Motor Ltda. com Cz$ 2 mil e Citiplast com Cz$ 1 mil. O Banestado colaborou com Cz$10 mil, repassados pela FCC para o cineasta Sérgio Bianchi enfrentar as despesas de produção de "O Romance", filme que veio rodar em Curitiba e a Philip Morris fez a doação mais substancial - Cz$ 35 mil, para o Salão da Gravura. xxx Em 1983, as doações recebidas pela FCC foram de Cr$ 8.585.000,00 (cruzeiros), que subiu em 1984 para Cr$ 12.813.000,00 e atingindo a Cr$ 27.880.000,00 no ano passado. Do total de doações, 33 foram para a Camerata Antique - grupo que tem conseguido sobreviver (e fazer LPs) em parte graças a ajuda que recebe de alguns empresários - dos quais o mais regular colaborador é o grupo Trombini, que em janeiro de 1983 já fazia a doação de Cr$ 50.000,00 - que manteria fixa até o final daquele ano, aumentando posteriormente em 1984/85. Outras doações tem sido contabilizadas - mas a rigor, são insignificantes frente ao custo total dos projetos culturais. A arquiteta Jussara Valemtim, diretora administrativa da Fundação Cultural, reconhece também como "positivas" as contribuições que empresas como a IBM, Brahma, Labra, Petrobrás, Batistela, etc., tem feito a algumas festas promovidas pelo município - especialmente, o Carnaval, enquanto que dois hotéis - Caravelle e San Diego - tem concedido descontos generosíssimos sempre que a FCC necessita. Há ainda os investimento da C&A e Citibank que possibilitaram a cidade ganhar por 20 anos os cines Ritz e Luz, respectivamente. Mas isto já dentro de um outro projeto, com estímulos diferentes do que o simples mecenato cultural. xxx Agora, com os estímulos que a Lei Sarney trará para aplicação em projetos culturais - dentro de uma regulamentação que terá que ser rígida, para evitar descaracterização do espírito do projeto - espera-se que as coisas melhorem no Paraná. E que nossos empresários, tão unhas-de-fome em liberarem recursos para o que se relaciona a arte e cultura deixem a mesquinhez de lado e, ao menos estimulados pela possibilidade de descontarem no Imposto de Renda o que vier a aplicar, transformem-se em mecenas culturais. Entre o Leão e as Artes, a opção não é difícil.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
20/06/1986

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br