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Aramis

Spitzner, um homem e as suas pesquisas

Antes mesmo de iniciar o depoimento, veio a solicitação, quase uma imposição para autorizar o registro: - "Prefiro falar do meu trabalho. E o mínimo sobre a minha pessoa. Respeito a imprensa, mas não gosto de nada que pareça promoção pessoal." Uma modéstia característica dos grandes homens. Um pedido justo mas difícil de ser atendido integralmente. Como resistir de fazer, mesmo que sucintamente, o registro sobre um de nossos grandes pesquisadores, professores e especialistas em química, hoje com um trabalho reconhecido internacionalmente, mas que poucos conhecem, fora de sua área? Reinaldo Spitzner, mestre aposentado da Universidade Federal do Paraná, autor de muitos trabalhos científicos, e que ao lado do campo da pesquisa e do ensino sempre desenvolveu importantes trabalhos na iniciativa privada - por 23 anos na Klabin, desde 1972 na Busch - poderosa indústria química, com sede em Joinville, e para qual implantou uma unidade pioneira no Brasil para a retirada do cloreto de magnésio, utilizando água do mar, inaugurada há seis anos na Barra do Sul, Litoral catarinense - e hoje liderando o fornecimento deste produto no Brasil e também subindo nas exportações. xxx No amplo perfil do professo Spitzner, que se não fosse sua modéstia já teria merecido cobertura nacional (e mesmo internacional, pois não falta quem o procure) convive o técnico, o pesquisador e o humanista - de formação kardecista, sempre preocupado com o povo, com a tecnologia e a ciência voltada para o bem-estar de todas as camadas. De uma família tão modesta que seu velho pai, um sapateiro alemão, imigrante do século passado, foi obrigado a vender a velha radiola, um dos poucos bens que possuía para pagar a sua matrícula no antigo Instituto Paranaense, na década de 20 - ficou o exemplo da honestidade e retidão. Quando sentiu que seu pai não poderia custear os seus estudos - "eram gastos pequenos, mas impossíveis para serem cobertos com o pouco que ganhava em seu ofício" - o menino Reinaldo não teve dúvidas: uma manhã foi ao Palácio da Liberdade (agora sede do Museu da Imagem e do Som), ocupado pelo interventor Manoel Ribas e pediu para falar ao governador. Sua decisão e simpatia venceram as desconfianças do Maneco Falcão, homem brabo e rigoroso, mas que em seus 13 anos de intervenção ajudou garotos de valor (Poty nas artes plásticas; Wilson Martins na literatura; Artur Nísio e Theodoro de Bonna nas artes plásticas) que lhe prometeu: - Vou mandar investir o seu pedido. Se for verdade, terá uma bolsa de estudos. A comissão nem precisou entrar na modesta casa da família Spitzner e o garoto Reinaldo seria o melhor aluno nos cursos ginasial e científico, repetindo o destaque no curso de química da Universidade Federal do Paraná, pela qual se formou em 1933. Antes mesmo de receber o diploma já era querido e admirado pelos mestres e assim teve condições imediatas de começar a trabalhar. Ao lado do ensino em química - então apenas um curso dentro da escola de engenharia, Reinaldo seria um dos fundadores do Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas do Paraná, centro aglutinador de uma geração de pesquisadores e técnicos cuja contribuição ao Paraná, em vários setores foi fundamental. Motivo pelo qual, todos os seus remanescentes - entre os quais o professor Reinaldo Spitzner - estão sendo entrevistados dentro do Projeto Memória Paranaense, patrocinado pelo Bamerindus. xxx A trajetória de Reinaldo Spitzner está ligada a alguns dos projetos mais importantes do desenvolvimento no Paraná, inclusive na área da agricultura. Foi ele, por exemplo, que ajudou a provar as imensas possibilidades da utilização do calcário para o enriquecimento das terras destinadas à produção. Aquilo que, era visto com reservas pelos produtores rurais hoje chega ao exagero, com a utilização em excesso do calcário - trazendo outros tipos de problemas. Quando, nos anos 50, Spitzner desenvolvia as suas primeiras experiências - mostrando os resultados práticos, que chegaram a impressionar o ministro de agricultura (Daniel Carvalho) na época (numa mesma área enriquecida com calcário a produção foi de 500 toneladas de trigo; em outra, no mesmo tamanho, vizinha, mas sem tratamento, não se teve mais do que 70 toneladas) - o calcário, como fertilizante, era praticamente ignorado - não só no Paraná, mas em outros Estados. O maior desafio profissional que enfrentou foi desenvolver a unidade capaz de transformar a água do mar em cloreto de magnésio. Dominada até a década de 70 por apenas seis grandes multinacionais - que forneciam, naturalmente, o produto com exclusividade, a decisão de Spitzner em criar um know-how capaz de resultar na produção do cloreto de magnésio competitivo com o importado - capaz de suprir as múltiplas necessidades do mercado, exigiu milhares de horas de pesquisas e testes. O acesso às informações sempre foi restrito, por razões táticas, que fazem da indústria química uma das mais visadas pela espionagem (e mesmo sabotagem) industrial. Só devido a amizade com uma personalidade muito especial, o indiano Dara Sekedan, engenheiro que em sua juventude trabalhou nas Indústrias Klabin, em Monte Alegre (hoje um dos empresários mais bem sucedidos da Inglaterra) foi que conseguiu conhecer uma empresa concorrente. Uma visita rápida, superficial e supervigiada. Só autorizada porque um dos filhos de Sakedan havia sido colega de bancos escolares do Príncipe Charles, que pessoalmente avalizou a visita. Dara Sekedan é, aliás, uma personalidade notável - merecedor de um perfil internacional. Viveu no Brasil alguns anos, mas usava as suas férias para participar de produções cinematográficas na Europa e EUA. Às vezes atrasava em seu retorno e só não era demitido porque Spitzner, reconhecendo sua competência, intercedia em seu favor junto à Klabin. Dara acabou se fixando na Inglaterra, construiu um grande conglomerado e hoje recebe ao seu antigo patrão e amigo com "honras devidas a um monarca". Em sua modéstia, Spitzner assusta-se com o poder e a glória. Já recusou ser sócio da empresa que praticamente idealizou e implantou, na qual trabalham seus dois filhos, também engenheiros químicos, um deles, Ronald, 39 anos, diretor industrial. Reinaldo prefere "ser um simples assalariado, para poder continuar a trabalhar tranqüilamente". Definindo o setor que atua como uma "área de segredos", justifica sua modéstia e decisão de pouco falar sobre desenvolvimento de projetos. Numa frase, entretanto, mostra uma relação poética para com o mar, de onde busca a matéria-prima - mas sem a poluição, preocupado que é há mais de 30 anos com a ecologia. - "O mar tem alma e vida. Temos que ser amigos para sobrevivermos." LEGENDA FOTO - Spitzner: tirando recursos do mar.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
17/03/1989

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