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Aramis

Solução final da questão judaica num documentário

Rio de Janeiro - Além dos 22 filmes em competição, dos hors concours - todos atraentes e inéditos - e das centenas de fitas nas mostras paralelas, o FestRio, nesta sua quarta edição, traz ainda filmes, tapes e mesmo programas de televisão (em VHS/Betamax) que não estavam inicialmente programados, mas que por seu interesse, são encaixados nas possíveis brechas das salas de exibição ou de vídeo. Assim, é natural que na sala de imprensa, nos corredores do Hotel Nacional - sede do Festival - e mesmo em avisos de última-hora, cartazes improvisados procuram atrair o público para os trabalhos em exibição, a maioria dos quais dificilmente terão outras projeções - a não ser que obtenham aquilo que seus produtores/realizadores sonham: conseguir comercialização dos mesmos para distribuição nacional. Mas a julgar pela maioria dos filmes e tapes que vieram nas três edições anteriores do FestRio, menos de 10 % conseguem deixar o ineditismo e conseguir exibição normal. O advanced exigido pelos produtores, custos de legendagem e reprodução, desanimam qualquer investimento em filmes que não tenham retorno garantido - e, infelizmente, apesar do valor dos trabalhos mostrados, poucos são os que podem conquistar o público numa época de crise de bilheterias. Revisão do Nazismo - Entre os filmes fora da programação que se constituem em atração extra no FestRio está "A Conferência de Wansee" (Die Wannseekonferenz), produção e Manfred Korytowski, um empresário de Munique, RFA, que através de um sobrinho que reside no Brasil, Robert Alexander, executivo do grupo Oddebrecht, enviou uma cópia ao Brasil (inclusive transposição para o vídeo em Betamax) e graças a colaboração do jornalista José Haroldo Pereira, da revista "Manchete", um bom material sobre este filme realizado em 1984 motiva o interesse não só de jornalistas, mas também de personalidades ligadas a comunidade israelita. Há dois anos, foi no domingo que se seguiu ao encerramento do FestRio, que houve a primeira exibição pública de "Shoah!", documentário de nove horas, realizado pelo jornalista judeu-francês Claude Lanzman, sobre o genocídio do povo judeu - e que sem mostrar cenas de campos de concentração - é considerado o filme definitivo a respeito. Há alguns meses, o Cine-Clube Estação Botafogo lançou este longo documentário, com relativo sucesso - e há entendimentos para levá-lo a outros Estados, inclusive no Paraná, através das comunidades israelitas. É pensando neste mercado alternativo que o empresário Robert Alexander com ajuda de seu amigo José Haroldo Pereira, vê a única chance de fazer com que "A Conferência de Wansee" (filme selecionado para o Festival dos Festivais, não competitivo, realizado em setembro último, em Toronto) possa ser visto também no Brasil. "Die Wannseekonferenz" reconstitui um evento histórico dos bastidores da II Guerra Mundial: no dia 20 de janeiro de 1942, quinze nazistas se reuniram numa mansão em Wansee, tranqüilo subúrbio de Berlim, atendendo a convocação de Reinhard Heydrich, chefe de Polícia de Segurança e do Serviço Secreto do III Reich. O objetivo do encontro era coordenar a implantação da chamada Solução Final da Questão Judaica. "O Documentendrama" - isto é, reconstituindo com atores os fatos tais como se passaram - o filme, a exemplo de clássicos como "Punhos de Campeão" (The Set Up,1949, de Robert Wise) ou "Matar ou Morrer" (High Noon,1952, de Fred Zinnemann) tem a mesma duração na tela dos fatos que narra: são 87 minutos nos quais o diretor Heinz Schirk, 56 anos, alemão de Dantzig, vindo da televisão, reconstitui um fato real, no qual quatorze altos funcionários nazistas atendendo ao convite de Reinhard Heydrich, chefe da Polícia de Segurança e do Serviço Secreto do Terceiro Reich (e considerado por muitos o preferido de Hitler para seu sucessor), durante 85 minutos discutiram a questão judia. Em janeiro de 1942, campos de concentração já existiam e execuções já eram feitas na Alemanha, mas o extermínio total dos judeus na Europa (a "Solução Final" somente se tornou política oficial no Reich justamente a partir da Conferência de Wansee, cuja finalidade era coordenar a ação dos diversos ministérios e departamentos das SS e do SD (Serviço de Segurança), envolvidos na questão. Três participantes da reunião ainda viviam na Alemanha na época das filmagens (um deles, o general SS Gerhard Klopfer morreu em janeiro de 1987, aos 81 anos de idade). Korytowski tentou entrevistá-los, inclusive a secretária, mas se recusaram a falar. As cenas exteriores foram tomadas no próprio local onde teve lugar a conferência e na qual funciona hoje um jardim de infância. Os interiores foram filmados em estúdios. Das roupas aos relógios de pulso, tudo foi reconstituído, exatamente como no evento original. Os atores são muito conhecidos na Alemanha (mas desconhecidos no Brasil), e muitos guardam notável semelhança física com seus antigos participantes. Parcialmente financiado pela televisão alemã, "A Conferência de Wansee" foi exibido, na República Federal da Alemanha, primeiramente nos cinemas. Já foi visto em salas de projeções de 27 países. Somente depois que começou a conquistar prêmios no exterior é que a TV alemã resolveu programar o filme. Manfred Korytowski, produtor de muitos dramas, comerciais e documentários para televisão - e mais conhecido como produtor da série "Pumuckl" (o programa infantil de maior sucesso na história da tv alemã), nascido na Prússia em 1936 (sua família mudou-se para o Brasil em 1937, onde ele viveu 16 anos), em 1953 foi para Israel, onde passou dois anos no exército. Em 1958, voltou para a Alemanha. Em 1962, logo depois do julgamento de Eichman, em Israel, Manfred pretendia realizar um filme sobre o caso, entrevistando testemunhas do processo. Quando pesquisava nos Yad Vashem, os Arquivos do Holocausto em Jerusalém, leu alguma coisa sobre a Conferência de Wansee. Foi o suficiente para iniciar seis anos de pesquisa sobre o assunto. Korytowski encontrou nos arquivos as anotações originais da secretária da reunião (interpretada no filme pela atriz Anita Mally), que junto com as cartas de Himmler e Georing, o depoimento de Eichmann, entrevistas com os participantes do julgamento de 62 e documentos obtidos de Kempner, um dos promotores americanos do Julgamento de Nuremberg (que, no cinema, motivou em 1961 o filme de Stanley Kramer), serviram de base para o roteiro. Sobre a decisão de fazer este filme, tão importante de ser visto - e sobre o qual, até agora, praticamente, nada foi noticiado na imprensa brasileira, Manfred Korytowski diz: - "Minha intenção ao produzi-lo foi criar um documento para o futuro. Não quero que o passado seja esquecido". LEGENDA FOTO: Um documento-drama reconstitui a conferência de Wansee, em 20 de janeiro de 1942, quando os nazistas decidiram a "Solução Final"para a questão judaica, um filme inesperado mostrado paralelamente no FestRio.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
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26/11/1987

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