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Aramis

Solidão em Família (I)

"Só há uma questão realmente séria na vida: o suicídio". Alberto Camus (1913-1960) Desde a seqüência de abertura de "Noite de Desamor" (Lido II, 5 sessões), Jessie Eates prepara-se para o suicídio. Separa suas roupas e objetos, limpa as gavetas, toma todas as providências. Logo depois que sua mãe, Thelma, chega, comunica de sua decisão de se suicidar dentro de duas horas, usando o revólver deixado por seu pai - que vai buscar (após indagar a mãe onde estava) no empoeirado sótão. Até o dramático final, mãe e filha discutem bastante. Fazem um retrospecto da vida, relacionam os sentimentos afetivos, os problemas enfrentados. Jessie Eates, abandonada pelo marido Cecil, um filho adolescente e marginal, Ricky, que não vê há meses, epiléptica, sofrendo de problemas de saúde, não vê razões par continuar a viver. Sua mãe, uma mulher desligada dos problemas do dia-a-dia, desespera-se com a decisão da filha, mas fica até uma dúvida ao espectador: será pela morte ou porque perderá a pessoa que administra tão bem a sua casa, cuida para que tudo esteja em ordem? xxx Babe Magrath é uma mulher insatisfeita com a vida, o marido, o marasmo de uma pequena cidade, Hazelhurst, Mississipi. Sentindo-se abandonada pelo marido, o senador Zackery Botrelle, acaba envolvendo-se sexualmente com um garoto de 15 anos, Willie Jay, negro - e quando o marido quase pega os amantes em flagrante, ela apanha o revólver e decide matá-lo. "Mirei o coração mas só acertei no estômago", explicaria, mais tarde, às irmãs Lenny e Meg, que a amparam nos momentos dramáticos, após sair da prisão. Lenny, Meg e Babe - assim como a filha Jessie e a mãe Thelma em "Night, Mother" falam muito. Dissecam o passado, discutem relações afetivas, analisam a solidão de cada uma. Ao final, Babe, ao ser ameaçada pelo marido Zackery, de que seria internada num asilo, tenta o suicídio. Assim como sua mãe fizera, pensa em enforcar-se. Apanha uma corda e busca como ponto de apoio um velho lustre no segundo andar da casa. Acontece o que é previsível: o lustre não resiste e ela, com a corda no pescoço, arrastando o lustre, desce as escadas para atender um telefonema. O riso substitui a tensão. Em "Noite de Desamor", após o suicídio de Jessie, sua mãe, ao telefone, informa ao filho Dawson da tragédia. Em "Crimes do Coração", a tentativa de suicídio acaba em (quase) comédia. E, na seqüência seguinte, as três irmãs, juntas, ensejam um happy end. xxx São muitos os pontos que permitem uma aproximação entre "Noite de Desamor" e "Crimes do Coração" (Cine Itália, 5 sessões), coincidentemente em exibição na mesma semana. Ambos tem origens teatrais e a linguagem do teatro-filmado foi propositalmente mantida pelos diretores Tom Moore ("Night, Mother") e Bruce Berensford ("Crimes of Heart"). Uma mesma - e excelente - atriz - interpreta as personagens Jessie Eates e Babe Magrath: Sissy Spacek. Em ambos, há um clima opressivo, angustiante - mesmo quando Berensford seguindo a idéia do texto de Beth Henley, procura dourar a pílula de "Crimes do Coração", como comédia. A ação no Old South, com seus preconceitos, sua carga repressiva de intolerância racial e sexual, as construções pesadas, fazem de "Crimes do Coração" ter o clima das mais densas estórias de William Faulkner (1897-1962). Tanto Marsha Norman como Beth Henley roteirizaram suas próprias peças "Night, Mother" e "Crimes of Heart", respectivamente (a primeira, aliás, foi encenada - e um fracasso - em São Paulo, na temporada de 1986). Portanto, a visão cinematográfica sobre estes textos, dado tanto pelo desconhecido Tom Moore como pelo australiano Bruce Berensford (que realizou há 4 anos o ótimo "A Força do Carinho / Tender Mercies", que valeu o Oscar de melhor ator a Robert Duvall) restringiram-se, basicamente, a uma técnica de direção - pouco interferindo no processo narrativo. Os dois filmes não pretendem vôos maiores: são transposições convencionais de dois textos teatrais que falam de angústias e solidão humana. Dois textos, entretanto, excelentes, profundos, e que dignificam a pessoa, mesmo em seus momentos de desespero. O clima claustrofóbico, amargo e torturante de "Noite de Desamor" (não foi sem razão que, na noite de sábado, 26, dos 20 espectadores na primeira sessão da noite no Lido II, apenas 10 permanecessem até o final) tinha que ser amparado mesmo em duas excelentes atrizes - Sissy Spacek como Jessie e Anne Brancroft como sua mãe, Thelma. Igualmente, "Crimes do Coração" - mesmo com um tratamento de comédia (o público ri muito, mesmo em seqüências dramáticas) também tem um excepcional elenco central - Sissy Spacek (Babe), Jessica Lange (Meg), e Diane Keaton (Lenny), as três já premiadas com o Oscar (Sissy foi indicada ao Oscar de melhor atriz-87, por este papel). Dois filmes indispensáveis de serem vistos e que merecem uma análise mais prolongada - pelo muito que oferecem de reflexão ao espectador. LEGENDA FOTO - Sissy Spacek e Anne Brancroft: um duelo de sentimentos em "Noite de Desamor" (Lido II).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
30/09/1987

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