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Serrat, o canto na defesa do catalão

Com muita razão há uma comparação entre o espanhol Juan Manuel Serrat e o brasileiro Chico Buarque de Hollanda. Aos 43 anos - a serem completados a 27 de dezembro - este catalão de Poble Sec (Pueblo Seco), bairro popular de Barcelona, tem sido um dos artistas mais conscientes e politicamente ativos na Península Ibérica. Um de seus biógrafos, Lluis Bonet Mojica, lembra que pelo menos a metade de sua vida tem sido na luta contra ditaduras - não só na Espanha de Franco (que, a exemplo dos governos militares em relação a Chico Buarque, o tinha como inimigo figadal), mas também em outros países - como no Chile e Argentina, onde, por várias vezes, sofreu censura e proibições. A grande participação de Serrat tem sido em defesa do idioma catalão, já que desde 1964 integrou-se à Nova Canço Catalana, reivindicando o catalão como elemento de cultura popular. A Nova Canço faz parte dos movimentos que buscam a identidade nacional de uma ampla região da Península Ibérica, negada pelos vencedores da Guerra Civil e esta ofensiva idiomático-patriótica tem suas raízes em 26 de janeiro de 1939 quando as tropas do general Franco entraram em Barcelona e estabeleceram um domínio político-cultural - cuja resistência arrasta-se até os dias de hoje. Sangue de lutador corre nas veias de Serrat: seu pai foi membro da Confederação Nacional de Trabalho, central sindical que resistiu às tropas de Franco e nada menos que 32 parentes diretos de Juan Manuel morreram na cruenta Guerra Civil (1936-1939). Identificada ao movimento da Canção Catalã (originalmente chamado "Els Steze Jutges"), e ligado politicamente às forças mais liberais, Serrat chegou a se recusar a representar a Espanha no Festival da Eurovision, em Londres, a 25 de março de 1968, por não admitirem que cantasse no idioma catalão. Gravando discos em catalão - e com isto limitando, assumidamente, o seu público - Serrat manteve, entretanto, uma atitude da maior dignidade política e pessoal - que o fez crescer internacionalmente. Em vinte anos de carreira, a partir de sua primeira gravação ("Una Guitarra"), sua discografia tem se dividido entre os idiomas catalão e castelhano, intercalando canções políticas e obras inspiradas em poetas da maior dimensão da Espanha como Antonio Machado (1875-1939) e Miguel Hernandez (1942). Paralelamente ao trabalho musical, atuou em quatro filmes - todos inéditos no Brasil: "Palabras de amor", 1968, de Antoni Ribas; "La larga agonia de los peces", 1970, de Francesc Revira Beletta; "Mi profesora particular", 1972, de Jaime Camino e "La ciutat cremada", 1975/76, de Antoni Ribas. De seus quase trinta elepês, apenas alguns - nos quais canta em espanhol - chegaram ao Brasil o que o faz ainda um artista pouco conhecido entre nós. Além do mais suas posições políticas, inimigos das ditaduras, também o impediam uma aproximação maior, inclusive em termos artísticos. Só em 1983, veio ao Rio de Janeiro, fazendo um show no Hotel Nacional, quando, naturalmente, encontrou-se com Chico Buarque de Hollanda. Agora, como aumenta o interesse de uma faixa específica de público pela obra de autores espanhóis - prova disto foi o êxito do belíssimo álbum que Raimundo Fagner gravou na Espanha, há 3 anos, sobre os poemas de Rafael Alberti, com a participação de Paco de Lucia e Mercedes Sosa, a RCA animou-se a editar um álbum de Serrat de grande consistência: "El Sur También Existe" (Ariola, março/86). Construído a partir de letras do poeta e escritor Mário Benedetti, trata-se de uma gravação que a exemplo do lp de Fagner/Aberti, exige cuidadosa audição. Intimista/camerístico - em muitas faixas o acompanhamento se restringe a um esplêndido piano (Richard Miralles, também responsável pelos arranjos e regências musicais), este disco, cantado em espanhol, traz uma imensa beleza poética. Serrat tem uma voz intensa e agradável, mais de autor (como Chico Buarque) do que simplesmente vocalista. E, na poética de Benedetti - em faixas como "El Sur También Existe", "De Arbol a Arbol", "Testamento de Miercoles", "Los Formales Y El Frio", "Defensa de La Alegria" ou a suavíssima "Una Mujer Desnuda Y En Lo Escuro", mergulhamos num universo fascinante. Longe do monocórdico e cansativo som guerrilheiro da música dos Andes, Serrat traz poesia da melhor qualidade - e nos faz desejar que algum amigo consiga, em terras espanholas, os álbuns que fez com poemas de Antonio Machado (um dos autores favoritos do arquiteto Jaime Lerner) e Miguel Hernandez, produção que, infelizmente, jamais será lançada comercialmente no Brasil. LEGENDA FOTO - Serrat: contra as ditaduras, em favor do canto livre.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
2
11/05/1986

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