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Aramis

Rurbanos

Enquanto de um lado os esforços de marketing de consumo das multinacionais fonográficas se concentram na imposição de um (falso) country & western e, de outro, a música não urbana (erroneamente chamada "caipira" ou "sertaneja") sofre também distorções: temos da parte de alguns jovens compositores uma válida preocupação em reencontrar, mesmo que superficialmente a simplicidade, a ternura e o encanto das canções capazes de nos desenvolver um pouco de nosso País. Podemos sentir isto perfeitamente nos novos discos de Renato Teixeira e Ruy Maurity e, numa agradável surpresa diz Eustáquio Senna. Paulista de Santos, 35 anos, tendo passado sua infância em Ubatatuba e Taubaté, Renato Teixeira (de Oliveira) só em 1967 chegou transferiu-se para São Paulo onde naquele ano, com "Dadá Maria" concorria no III Festival de MPB da TV- Record. Não foi classificado, mas sua música teria, posteriormente gravações de Silvio César, Clara Nunes e Gal Costa. Começaria então, uma longa luta em tentar mostrar uma música menos comprometida com o sucesso: em 1968, voltava ao FMPB com "Madrasta" (parceria com Beto Rusehel), que apesar de defendida por Roberto Carlos também pouco se destacaria. Em 1972, no VII FIC, no Rio, classificou "Marinheiro". Marcos Pereira, em 71, lhe dedicou a metade de um álbum-brinde e, posteriormente, o aproveitou, em seu estilo de interprete sincero às raízes, num dos volumes da coleção "Música do Centro Oeste". Na Polygram, faria em 1973, o primeiro elepe, que passou desapercebido. Mas quando Elis Regina, há 6 anos, gravou "Romaria", o nome de Renato Teixeira passou a ser destacado e em breve a RCA o contratava. O público "descobria" então um compositor-intérprete com canções de grande força, falando das coisas da terra. "Garapa" (RCA, 1030359) dá sequência nos seus trabalhos anteriores onde, o próprio interprete diz prosseguir "uma atualização de linguagem e de levantamento da problemática do homem do campo". "Iluminação", faixa que abre o lado A, foi mais uma tentativa de Renato em concorrer num festival, no caso o MPB-80, da Rede Globo". Renato a define como "uma espécie de valsa e foi feita em homenagem à minha mulher, Sandra, numa época em que a gente havia se conhecido. Fora desta esfera pessoal, é uma música que fala do encontro de duas pessoas". Uma das faixas mais fortes, em termos de comunicação, é "Rio Abaixo", de Geraldo Roca/Paulo Simões. Do próprio Renato, são novas e líricas composições como "Garapa", "Amor Divino", "Nau Sertaneja", "Vida Malvada", "Cantor", "Rural", "Invernada" e "Os Direitos do Povo". Fluminense de Paraíba do Sul. Rui Maurity (de Paula Afonso), 31 anos, filho de uma violinista da Sinfônica do Municipal do Rio de Janeiro e irmão do compositor e pianista Antonio Adolfo (o "inventor" do disco-alternativo), teve uma formação urbana: estudou no ginásio anglo-americano, trabalhou como escriturário e suas primeiras parcerias (com José Jorge Miquinioty), "Arruaça" e "Milminas" foram dentro de um esquema comum, embora a primeira já em 1968, tivesse sido defendida por Maria Odete, num festival universitário. Com "Passarinhada", em 1969, classificava-se em sexto lugar no II Festival Universitário e, em parceria com Cesar Costa Filho e Ronaldo Monteiro de Sousa. "Visão Geral" obtinha terceiro lugar na parte nacional do IV FIC. Há 10 anos fazia o primeiro lp, mas seria em 1973, com "Serafim e seus filhos", que se voltaria aquilo que se pode chamar de "linha contry". Nos anos seguintes, (1974/75) viriam músicas para telenovelas ("Fogo sobre Terra". "A Escalada") e após participar do lp-coletivo "Safra 74", em 1974 faria um novo lp, "Em busca do ouro" (Sigla/Som Livre). A integração urbano-rural teve em Ruy (e seu parceiro José Jorge) um interprete sincero, embora até hoje pouco compreendido. Por isso, justifica-se parte do release promocional de seu último lp ("Natureza", Sigla, maio/80) que diz: "Nestes tempos de novas safras e colheitas, muitos já podendo mostrar o que fazem ou vinham fazendo (estão aí as aves de arribação e os migrantes humanos), Ruy Mauruty se mantém como um mourão firme de cancela, uma ponte nesta fronteira sutíl entre a cidade o campo, com sua fala rítmica de marcante pronúncia brasileira e sua simplicidade". Curiosamente, foi Ezequiel Neves, arauto do rock/pop internacional através de suas colunas na imprensa paulista, que destacou o trabalho de Ruy Maurity, estimulando-o a seguir a linha de "Serafim e seus filhos". E nesta linha, carreiras pelo interior paulista nasceu "Intriga Municipal", "Pé-de-Menino" e "Contra-Dança", que estão neste lp apropriadamente intitulado "Natureza", onde há também uma livre versão de uma canção de Bob Dylan ("Man Gave Name To All The Animals") que recebeu o nome de "Batismo dos Sonhos" e que propõe, curiosamente, uma revisão da serpente, não mais como o pecado original, mas como a semente do mundo. A música-título do lp é de Zé Vicente da Paraíba/Passarinho do Norte e anteriormente tinha sido desperdiçado na voz de Marília Pera. Já "Samba-Nativo" é toada que fecha o disco e fala do sufoco, que é nem sempre poder bater no próprio peito. "Cantile de Joana Magra" e "Casamento de São Jorge" comungam um cordel lírico onde o herói percorre seu destino às avessas. Os arranjos foram para o mano Antonio Adolfo e o resultado é um elepe que se ouve com satisfação. Para um nome que identificava a produção de lps de interpretes como Jair Rodrigues, Ronnie Von, Paulo Sérgio o falecido Evaldo Braga e o artificial Marcos Pitter, "Cauoromi" (CBS, junho/80) é uma grata revelação. É bem verdade que Eustáquio Senna foi também produtor de "Sonho 70", segundo (e magnifico) lp de Egberto Gismonti e realizou alguns discos do MPB-1. Mas sua carreira de produtor, na Philips e a partir de 1971, na Som Livre (71/76) e RCA (76/79) retardaram a sua presença como compositor e intérprete. Felizmente "Cauorimi" o traz como um honesto intérprete das raízes da terra onde nasceu (Jequitinhinha, Minas Gerais), com a mensagem campestre na sua forma mais pura e original. O verde, os pássaros, as montanhas e os rios estão presentes na sua poesia e a música é simples, misturando a toada, guarania, moda de viola, num caldeamento bem brasileiro. O título, um tanto estranho, é explicado por Senna como Símbolo de uma terra de fantasia, que abriga tudo o que diz o disco, é como a "Terra do Nunca", um lugar de magia, de sonho, de beleza. Coisas vistas como fantasia, mas que a verdade são pura realidade".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal da Música
9
03/08/1980

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