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Aramis

Retrato sem retoque da outra Hollywood

Se alguém ainda insiste em dizer que o cinema é apenas a usina de ilusões como, um dia, Hollywood foi definida pelo escritor russo Ilya Ehrenburgh, um filme como "Lembranças de Hollywood" (Cine Plaza, hoje, 22 horas, pré-estréia promovida pelo jornalista Wilson Cunha, do programa "Cinemania", da Rede Manchete) é uma prova em contrário. Tantos dados reais se entrelaçam por trabalhos das cenas, que "Postcards from the Edge" parece até um documentário catártico em torno de personalidades conhecidas. Baseado num livro autobiográfico da atriz Carrie Fischer, na qual descreve seu difícil relacionamento com sua famosa mãe, Debbie Reynolds - e o seu inferno no mundo das drogas antes de uma recuperação - também na atriz que o diretor Mike Nichols buscou para interpretar sua mãe na tela, Shirley MacLaine, há reflexos das difíceis relações mãe-filha. Como admitiu há algumas semanas, em entrevista em Las Vegas (onde apresentava seu show musical, virá ao Rio, inaugurar uma nova casa de espetáculos), Shirley, 56 anos, mais de 40 filmes, um Oscar ("Laços de Ternura"), tem dificuldades com sua única filha, a atriz Sachi, 33 anos, nascida de seu curto casamento com o produtor Steve Parker, e que viveu a maior parte de sua vida com o pai, no Japão. O universo hollywoodiano, sem o cinemascope e as cores de luxo que a multidão cinéfila acostumou-se a consumir ao longo de quase um século de imagens iluminadas tem, de quando em quando, feito seus atos de "mea culpa". As relações de filhos sofredores de pais famosos chegam a depoimentos contundentes, que postumamente tem enriquecido editores, como o demolidor "Mamãezinha Querida" (Mommie Dearest), que Cristina Crawford publicou após a morte de sua mãe adotiva, a atriz Joan Crawford - já levada ao cinema (com Faye Dunaway como Joan) ou o demolidor retrato de Bing Crosby, que um de seus filhos retratou num recente livro - ainda inédito no Brasil (e no cinema). A imagem da namoradinha da América, com sua figura ingênua e virginal que encantou adolescentes e casais nas familiares sessões dos anos 50, especialmente pelo clássico "Cantando na Chuva", Debbie Reynolds, hoje aos 60 anos, tem em "Postcards from the Edge" um retrato em branco e preto bem cruel. Embora tenha ganho a solidariedade feminina mundial quando sua melhor amiga (muy amiga) Elisabeth Taylor roubou seu marido, o (medíocre) cantor-ator Eddie Fischer, nem por isto Debbie teve uma relação fácil com sua filha, Carrie. Esta, uma atriz que estreou numa ponta em "Shampoo" (1975, de Hal Ashby) e se tornou estrela como a princesa Leia na trilogia de George Lucas - "Star Wars" (Guerra nas Estrelas", "O Império Contra Ataca" e "O Retorno de Jedi"), apesar de todos os problemas não deixou cair a peteca: já fez uma dezena de filmes, e colocou no papel seus grilos de adolescência resultando em "Postcards from the Edge", um sucesso que, naturalmente, logo interessaria a Mike Nichols, diretor que alterna sua carreira no teatro (ainda recentemente, fez uma cultuada montagem de "Esperando Godot", com F. Murray Hamilton e Robin Willians) e o cinema, desde sua estréia em 1965 com transposição ao cinema da peça de Edward Albee "Quem Tem Medo de Virginia Wollf?", que valeu 5 indicações ao Oscar - inclusive o segundo prêmio para Elisabeth Taylor. Fotografado pelo mais curtido profissional europeu da nova geração, Michael Bauhahus (17 filmes com Fassbinder), aproveitando todos os sofisticados cenários de Los Angeles, mergulhando paradoxalmente no mundo high tech do consumismo californiano mas ao mesmo tempo dos conflitos familiares - o que lhe deve conferir uma empatia mundial, "Lembranças de Hollywood" tem tudo para ser um dos campeões de bilheteria deste primeiro trimestre (seu lançamento regular deve acontecer dentro de algumas semanas). Shirley MacLaine já levou a indicação de melhor atriz para o Globo de Ouro e, ao que consta, estará entre as cinco candidatas ao Oscar, junto com Meryl Streep, que interpreta a personagem Suzane - ou seja, a Carrie Fischer. Presença habitual entre as candidatas ao Oscar nos últimos 12 anos - já com os prêmios de melhor coadjuvante ("Kramer x Kramer", 1979) e melhor atriz ("A Escolha de Sofia", 1982), a loira Meryl é já favorita a ter um novo boneco dourado sobre a lareira de sua mansão. Mas o filme reúne outros bons intérpretes - Dennis Quaid, Gene Hackman, Richard Dreyffus e, num curto mas expressivo personagem, a notável atriz negra C.C.M. Pomder, que foi a revelação em "Bagda Café". A música é de Carly Simon, que pela terceira vez mostra que é muito mais do que uma cantora de voz suave, ao assinar uma sound track para um filme de Mike Nichols (com quem fez "Heartburn - A Difícil Arte de Amar" e "Uma Secretária de Futuro"). Aliás, pela primeira vez, Meryl Streep aparece cantando... e logo um clássico country, "Heartbreakers Hotel" (Shell Silverstein). Enfim, tudo faz com que "Lembranças de Hollywood" seja o próximo filme da temporada. Hoje, com a promoção "Veja antes dos críticos", do programa "Cinemania", uma sessão especial só para convidados no Cine Plaza (ingressos podem ser obtidos junto a TV Independência, até as 15 horas).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
29/01/1991

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