A quinta essência dos anos de ouro de Billie Holiday
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 20 de outubro de 1991
Arnaldo Fontana (1945-1982), inesquecível amigo, cinéfilo e grande apaixonado pelo melhor jazz, quando a CBS lançou no Brasil o primeiro elepê de Billie Holiday, comentava conosco:
"Rezo para que este disco venda o suficiente que estimule a CBS a editar toda a obra de Lady Day!"
Conhecendo há anos a dimensão da cantora - cujos discos trazia de suas regulares viagens a Europa e Estados Unidos - Arnaldo, infelizmente, não viveu para ver o seu desejo se tornar realidade. Passaram-se muitos anos para que houvesse um mercado justificando comercialmente a edição de parte dos muitos discos que Billie Holiday (1915-1959) gravou durante sua sofrida, perseguida mas fulgurante vida musical.
Hoje, quem aprecia aquela que continua sendo, em nosso entendimento a maior de todas as cantoras de jazz em todos os tempos, não precisa mais recorrer exclusivamente aos catálogos internacionais. Não só o melhor do que registrou na CBS - gravadora na qual esteve ligada durante a maior parte de sua carreira - ao menos em seus anos dourados - mas também outras etiquetas que possuem registros eventuais de Lady Day - incluindo audições ao vivo ou produções já de sua fase final, na qual a bebida e as drogas prejudicavam vocalmente (mas não lhe retiravam sua notável dramaticidade, muito pelo contrário) tem aparecido regularmente em nosso mercado. A pequena (e brava) Imagem, de Jonas Silva, tem vários títulos de Billie Holiday, de fases diversas, mas obviamente é a Sony - que adquiriu a CBS - que desfruta da maior parte de seus registros. A série "The Quintessencial", já no oitavo volume, se encontra a disposição em CD, fita cromo e vinil, oferecendo momentos maiores de sua carreira. Assim, após o volume seis - totalmente dedicado a gravações feitas em 1938 - ano riquíssimo, em que lançou canções como "April In My Heart", "Say My Heart", "I Can't Get Started" e "Everybody's Laughing", tivemos já no volume sete o período que cobriu ainda parte de 1938 e alguma das gravações feitas em 1939, como "That's All Ask of You", "What Shall I Say", "You-re Too Lovely To Last", "Long Gone Blues" e o dolente "Our Love Is Different".
No mais recente volume da série - o de número 8 - temos ainda gravações de 1939 - como a série "Them There Eyes", "Swing Brother, Swing", "Night And Day", "The Man I Love", "You're Just a No Account", "You're a Lucky Guy", nas quais, basicamente, sua orquestra contava com músicos como Charlie Shavers no pistão; Tab Smith, nos saxes alto/soprano; Kenneth Hollan, Stanley Poppe, no sax-tenores; John Williams no baixo e Eddie Daugherty na bateria.
Em 1940, a formação sofreria mudanças - com Roy Eldridge, pistonista, assumindo a liderança do grupo, no qual se incorporariam três outros, então jovens saxofonistas - Jimmy Powell, Carlo Freye e Kermit Scott; Lawrence Willies no piano, mas Williams mantendo-se na guitarra. Com esta extraordinária formação, em 29 de fevereiro de 1940 - um ano bissexto, numa única noite, Billie imortalizaria "Ghost of Yesterday", "What Is This Going To Get Us?", e, especialmente, dois standards "Body and Soul" e "Falling In Love Again". Quatro meses depois, numa outra sessão em que ao piano estava Teddy Wilson, Freddie Green na guitarra e William Page no baixo, outra seleção magnífica, com "I'm Pullint Through", "Tell me More And More, And The Some", "Time On My Hands" e, ironicamente, "Laughing At Life" - numa época em que Billie ainda sorria para a vida. Na sessão de 12 de setembro - com John Collins na guitarra e Kenny Clark na bateria - Lady Day registraria "I'm All For You", "I Hear Music", "The Same Old Story" e "Practice Makes Perfect".
Ouvindo-se estas preciosidades - prova de que passados 50 anos, nada melhor se fez em jazz vocal/instrumental - é de se lembrar o inesquecível Arnaldo Fontana e ampliar o seu pensamento:
"Que a Sony continue lançando a santa essência da arte de Billie, de tudo aquilo que divinamente deixou registrada nos antigos 78 rpm da velha CBS".
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