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Aramis

Quem bom que o documentário de Lúcia esteja em exibição

"Que bom te ver viva", em nossa opinião o mais importante, oportuno (e não oportunista) e sincero filme brasileiro - disparado o melhor de 1989 e um dos 10 mais importantes da década - chegou ontem à tela do cine Ritz (5 sessões, previsão de ao menos duas semanas em cartaz). Premiado no XXII Festival do Cinema Brasileiro de Gramado e no recém-encerrado VI Festival Internacional de Cinema Vídeo e Televisão (Fortaleza, 23 de novembro a 2 de dezembro) este documentário de Lúcia Murat, 44 anos, carioca - mas de origens paranaenses - seu pai, o médico Miguel Vasconcelos (1906-1980) nasceu em Palmas e ela tem muitos parentes em Curitiba - vale por mil discursos. Seu lançamento em várias capitais neste político final de ano não poderia ser mais oportuno. Os depoimentos de 8 mulheres que sofreram prisão e tortura nos anos mais violentos da repressão - entremeados de uma pujante atuação de Irene Ravache (alter-ego da própria Lúcia Murat, também presa e torturada por sua atuação na luta armada), fazem de "Que bom te ver viva" um exemplo maior de cinema de utilidade pública, ou seja um filme que independente de seus méritos artísticos (que são grandes) já valeria pela sua importância de trazer as palavras de brasileiras, idealistas, sinceras em seus posicionamentos, que nos anos mais duros da prepotência militar souberam ir à luta - mas pagando caro por isto. Desde a primeira exibição pública de "Que bom te ver viva", hors concours, em Gramado, só uma palavra já define este filme maior: emoção. É impossível assistir o documentário de Lúcia Murat sem um nó na garganta, as lágrimas escorrem e a sensação incômoda de se ver um documento que, direta ou indiretamente, é uma cobrança de uma história recente. Não nos cansaremos de destacar a importância deste filme - premiado com o Candango de melhor longa-metragem, melhor atriz (Irene Ravache), melhor montagem (Vera Freire) e mais os prêmios do júri popular e da imprensa no Festival de Brasília, no início de novembro. Sábado, dia 2, em Fortaleza, no cine São Luiz, no encerramento do VI FestRio, Lúcia Murat, elegantemente num vestido branco, com a simpatia que a caracteriza, subiu várias vezes ao palco para receber os prêmios. Começou com o troféu "Samburá", criado pelo jornal "O Povo" e que refletindo a opinião da crítica cearense, considerou "Que bom te ver viva" o melhor dos 19 longa-metragens na competição. O júri oficial concedeu um prêmio especial "por seu testemunho da violência e da tortura na história recente do país". A Organização Católica Internacional de Cinema, com o júri presidido por Dom Helder Câmara, ao mesmo tempo que premiava "Romero", de John Hulgan ("que representa a indignação da Igreja Católica de El Salvador frente à repressão, a violência e às injustiças sociais"), dava menção especial a "Que bom...", porque "estes dois filmes testemunham situações históricas e atuais da realidade latino-americana, caracterizada pelo desrespeito aos direitos humanos". O júri da Ocic destacou ainda que o filme de Lúcia Murat "nos conscientiza sobre o fato de que a tortura jamais deverá ser esquecida". O júri da Fiprasci (Federação Internacional da Crítica Cinematográfica) também destacou o filme de Lúcia. Enfim, o reconhecimento aos méritos de "Que bom te ver viva" são unânimes. Lúcia estará em Curitiba para, às 18h desta terça-feira, no cine Ritz, debater seu filme com representantes de instituições ligadas às mulheres e direitos humanos. Lamentavelmente, a atriz Irene Ravache não poderá acompanhá-la: interrompendo a temporada da peça "Uma Relação Tão Delicada", ela estará embarcando para os Estados Unidos. O Cinema Político - Mais uma (lamentável) demonstração do desligamento do público curitibano em relação a filmes importantíssimos. "O Poder" (Power), 1986, de Sidney Lumet ("12 Homens e uma Sentença", "O Homem do Prego", "Equus", "Network-Rede de Intrigras") passou desapercebido no cine Itália. Trata-se, entretanto, de um filme dos mais interessantes em termos de atualidade: Pete St. John (Richard Gere) é um especialista em criar campanhas políticas cujos serviços (a preços caríssimos) são requisitados por políticos de várias partes dos Estados Unidos e mesmo um presidenciável da América Latina. Trazendo um retrato sincero dos bastidores da política - especialmente dos técnicos (sic) que build up as imagens de políticos, "O Poder" é um filme que deveria ter sido exibido a todas as lideranças políticas, publicitários, assessores e demais pessoas envolvidas na campanha presidencial. Passados três anos de sua realização - e a ação centrada nos Estados Unidos - há inúmeras semelhanças do que se vê na tela aos fatos que ocorrem neste Brasil às vésperas das eleições. Lamentavelmente, pouquíssimos espectadores levaram à substituição de "O Poder" por "Cyborg - O Dragão do Futuro" que estava em exibição no Palace-Itália, onde estreou um dos filmes mais importantes do ano: "A Insustentável Leveza do Ser". Elogiadíssima trasnposição à tela do best-seller de Milan Kundera, esta produção de primeira categoria, sucesso internacional, realizado por Philip Kaufman, merece ser anotado como um filme de visão obrigatória - e a propósito do qual voltaremos a falar nos próximos dias. Outras Opções - Afora "Que bom te ver viva" e "A insustentável leveza do ser", nesta semana não haverá outras grandes estréias - preparando-se os lançamentos nacionais para o próximo dia 14. "Os Trapalhões na terra dos monstros" enfrentam "Os Caça-Fantasmas 2", na busca do público infanto-juvenil. No Bristol, estreou "Momento do Destino", de Georgory Nava, que tem como atrações William Hurt e Timothy Hutton no elenco e música de Morricone. No Lido I, mais um dispensável filme na linha Kung-Fu - "Guerreiro Ninja", enquanto relançamentos nacionais acontecem nas salas da Fucucu: "Noites do Sertão", de Carlos Alberto Prates Correa no Groff (cujo fechamento para reformas foi erroneamente divulgado na semana passada); "A faca de dois gumes", de Murillo Salles, nos cines Guarani e Luz. No Plaza retorna "O prisioneiro do sexo", de Walter Hugo Khouri - como sempre com um time de belas mulheres - Sandra Bréa, Maria Rosa, Kate Lyra e Aldine Mueller. E no Cinema I, um "Festival Loucademia de Polícia", com o que há de mais medíocre nesta linha de cinema pastelão: hoje e amanhã, o "Loucademia de Polícia 3"; sábado e domingo, a comédia de número 4; no dia 11, a "Loucademia de Polícia 5" e, finalmente, no dia 13, "Loucademia de Polícia 6". LEGENDA FOTO - Irene Ravache: atuação na melhor estréia da semana.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
8
08/12/1989

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