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Aramis

Quando o bar entra na boa literatura

O cartunista Dante Mendonça é um dos maiores apologistas do bar como espaço cultural. Bar, botequim, bodega, espelunca - não importa - é um território neutro (nem sempre), no qual se concentram pessoas à procura de um encontro, de um papo, de um amigo. Já se disse que pela história dos bares de uma cidade se pode contar a história de sua população e, contraditoriamente, raros bares tem sua História (com H maiúsculo) documentada. Abrem, vivem e morrem sem terem a glória de merecerem registros. Nem todos, é claro. Alguns se tornam pontos de referência em contos, novelas, romances. Ernest Hemingway, um grande frequentador de bares, tornou famosos vários bares do mundo que mereciam sua freqüência, enquanto, mais modestamente, a turma do Pasquim, nos bons tempos da Ipanema festiva, fez a fama de muitos ambientes da Zona Sul. Em Curitiba, com exceção do veterano Luiz Renato Ribas, pioneiro da crônica da madrugada com seu "Ecos da Noite" publicada na "Tribuna do Paraná" em seus verdes anos (1957/59) - e felizmente resgatados do limbo dos arquivos e transformados num belo livro, graças ao entusiasmo de outro bodegueiro, o publicitário Sérgio Mercer - os nossos bares tem sido poucas crônicas, Jamil Snege documentou a trajetória inicial da "Velha Adega", há 20 anos passados, como pano-de-fundo de sua inesquecível novela, "Tempo Sujo". Aliás, a "Velha Adega" é um dos bares mais resistentes da cidade - entra agora em seu 20º ano, motivo para o seu atual proprietário, o compositor João Gilberto Tatara comemorar condignamente. Os bares e restaurantes de Curitiba aguardam ainda a sua crônica organizada - o que é um pouco contraditório, pois falar da noite não pode ter muita disciplina. Sérgio Mercer, quando presidente da Fundação Cultural ao editar "Ecos da Noite", pretendia iniciar um resgate mais amplo deste aspecto da cidade - mas o projeto acabou sendo interrompido pelos homens que o sucederam na FCC. A presença do bar na literatura brasileira pode até ser tema para uma jovem e ociosa estudante de Letras ou Sociologia na busca de algum (inútil?) assunto para sua dissertação de mestrado. Luiz Vilela, o premiado escritor mineiro, revelado no I Concurso Nacional de Contos, nos bons tempos em que a Fundepar tinha diretoria que se preocupava mais com a cultura do que com favorecimentos familiares, intitulou um de seus primeiros livros de, simplesmente: "No Bar". Já Antônio Callado, num dos romances mais importantes dos anos 70, documentando a frustração de uma geração oprimida pelo AI-5, situou no imaginário "Bar Dom Juan" personagens refletindo gente muito conhecida. Em termos cinematográficos, para só lembrar um exemplo. Hugo Carvana, grande botiqueneiro carioca, conseguiu fazer em "Bar Esperança" um suave panorama visual de uma época do Rio de Janeiro. Portanto, o tema é amplo e fascinante. Assim, o editor Caio Graco da Brasiliense não teve dúvidas em reunir 7 escritores paulistas (ou radicados em São Paulo) para divagarem em forma de conto sobre um dos ambientes mais badalados daquela Capital - Spazio Pirandello fundado há 5 anos e que passou por diversas transformações, mas até hoje permanece como um ponto referencial da vida paulistana. Se é chic, cafona, careta, pré-romântico, pós-moderno, nacionalista, PMDB, PT, Olimpo de cabeças falantes etc., não importa. Nesses cinco anos, o lugar espelhou e propiciou a agitação cultural que parte da população viveu (ou deixou de viver, conforme sopraram os ares). O resultado é que "Contos Pirandellianos - 7 autores à procura de um bar" (Brasiliense, 128 páginas, Cr$ 8 mil, capa de Carlos Matuck) é um delicioso livro de contos com um ponto em comum: o bar. Os autores são nomes conhecidos - alguns mais famosos e competentes, outros menos - mas todos etilicamente identificados com a proposta: Mário Prata, Joyce Cavalcante, Ignácio de Loyola Brandão, Caio Fernando Abreu, Luiz Roncari, José Márcio Penido e Reinaldo Moraes. Antônio Maschio e Wladimir Soares, os donos do Spazio Pirandello, ganham, assim, uma importante contribuição a sua casa. E a literatura boêmia um exercício descontraído - que mereceria ser imitado em outras cidades. Afinal, qual é a cidade brasileira que não possui o seu bar repleto de estórias?
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Leitura
27
10/02/1985

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