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Aramis

Quando a mulher vira no diabo

Mais uma vez dois filmes de especial interesse estão em exibição, com fraquíssimas rendas e condenados a serem substituídos na próxima sexta-feira de forma que se justifica chamar atenção dos espectadores que ainda não estejam totalmente atingidos pelo comodismo do vídeo e que se dispõe a ver, na tela ampla, obras que justifiquem os Cr$ 100,00 do ingresso (de segunda a quinta-feira). Falamos da comédia "Ela é o Diabo" (cine Astor, 5 sessões) e do enternecedor "Stanley e Iris" de Martin Ritt (Condor, 5 sessões) - que pela sua importância fica para registro amplo na coluna de amanhã. Dizer que "She-Devil" foi um sucesso em seu lançamento, no último trimestre de 1989, nos Estados Unidos, seria exagerar. Entretanto teve uma boa repercussão e surpreendeu especialmente por mostrar uma nova Meryl Streep. Premiado duas vezes com o Oscar (melhor coadjuvante por "Kramer x Kramer", 1979, de Robert Benton), e atriz principal em "A Escolha de Sofia" (82, de Alan Pakula), seis outras indicações e vários prêmios paralelos, Meryl vinha se caracterizando como atriz densamente dramática, em filmes de personagens sofredores, numa linha notável como trabalho mas que a impediam de mostrar um outro lado de sua personalidade. Assim, quando leu o roteiro de Barry Srugatz e Mark Burns a partir do best-seller "The Life and Loves of e She-Devil" de Rayl Weldon, aceitou fazer o personagem: uma escritora de livros medíocres - mas de sucesso - em que misturando fantasias sexuais e aventuras para donas de casa frustradas (numa espécie de caricatura de Judy Collins, e irmã de Joan Collins, com seus best-sellers), cuja vida se complica ao assumir um relacionamento com um contador, que por ela abandona a esposa. Só que Ruth (Roseanne Barr, popular na tevê americana em seu primeiro filme), e gorda esposa repudiada - fisicamente lembrando um pouco até a alemã Marianne Sagebrecht, de "Café Bagdá" -, vai à luta e após entregar os incomodativos filhos Nicolette (Elisabeth Peters) e Andy (Bryan Larkin) para a outra cuidar, inicia sua vingança diabólica, que inclui a destruição física (por incêndio) da casa, o fim da família, do trabalho e até a liberdade do cônjuge infiel. Poderia ser uma simples comédia pastelão, de ritmo repetitivo se não fossem alguns fatores importantes. De princípio, é claro, a esplêndida atuação de Meryl Streep. Como a sofisticada, vazia e mentirosa escritora Mary Fischer, Meryl Streep mostra mais uma vez porque é hoje uma das três ou quatro melhores atrizes do mundo. Seu charme é irresistível e o humor que passa é inteligente, vindo da própria criação do personagem numa verdadeira aula que nossas candidatas a atrizes que fazem papelões em produções do TCP e outras produções deveriam assistir. Ed Begley Jr., o apalermado contador Bob Platchett, é ideal para o papel: sem nenhum charme, cara de idiota, só faz com que aumente a pergunta: "como pode um sujeito como este encantar uma mulher rica e bonita?" Mas o castigo vem a cavalo, ou melhor, pela cama... Sem dúvida, a revelação é Roseanne Barr, a vítima-vilã do filme, que consegue ser simpática e arrancar até sorrisos de cumplicidades das espectadoras - tantas que, por certo, em idênticas situações gostariam de fazer o mesmo em relação aos cônjuges infelizes. Como a Ruth, Roseanne é também uma dona de casa, mãe de três filhos e que começou a se apresentar como comediante em bares, depois de ter sido garçonete. Começou a aparecer em programas de TV e acabou até tendo um destaque na abertura de uma turnê de Julio Iglesias pelos EUA - o que, afinal, não é grande curriculum. Mas a série "Roseanne", na televisão, acabaria valendo o convite da parte da diretora Susan Seidelman, 37 anos, que se revelou uma boa condutora de comédias em "Procura-se Susan Desesperadamente" (Desperately Seeking Susan, 85), que trouxe também Madonna como comediante. Formada em cinema pela Universidade de Nova York, já com outros longas realizados ("Making Mr. Right", 87; "Cookie", 88, inéditos comercialmente no Brasil), Susan Seidelman sem queimar soutians de celulóide é, de sua maneira, uma feminista nas imagens. E com humor fez deste "Ela é o Diabo" um filme crítico a literatura de consumo, as infidelidades conjugais e, sobretudo, a hipocrisia da sociedade contemporânea. Para tornar mais agradável a história, decidiu rodar exteriores em Manhattan, com a 5ª Avenida, o Times Square, o Central Park, aproveitando o magnífico cenário circular do Geggenheim - um dos mais interessantes museus de arte do mundo. Como mansão da escritora Mary Fischer, a opção foi por uma casa construída no início do século, com projeto de um dos mais famosos arquitetos americanos, Stanford White, assassinado em 25 de junho de 1906, aos 47 anos, por Harry K. Thaw, um playboy enciumado com o fato do arquiteto, rico, famoso e solteiro, ser amante da mulher que ele amava. Esta tragédia já inspirou, inclusive, dois filmes - "O Escândalo do Século" (The Girl on the Red Velvet Swing, 1957, de Richard Fleischer) e "Na Época do Ragtime" (Ragtime, 81, de Milos Forman). Só que a mansão - pintada em cor-de-rosa, lembrando um kitsch "bolo-de-noiva", não foi, absolutamente, a melhor das obras projetadas por White, autor do antigo Madison Square Garden e vários edifícios que existem até hoje no centro de Manhattan. A informação vai como uma curiosidade a mais sobre o filme. Outro detalhe que merece atenção: a participação, em papéis marcantes, de duas excelentes atrizes. A anãzinha Linda Hunt - premiada com o Oscar de melhor coadjuvante em "O Ano em que Vivemos Perigosamente" (82), no qual interpretava um fotógrafo, como a enfermeira Hooper, que após trabalhar 30 anos no asilo de velhos no qual estava internada a idosa Sra. Fischer, redescobre a alegria de viver graças a Ruth. A Sra. Fischer - mãe da escritora Mary, por ela internada num asilo, possibilita a inglesa Sarah Miles uma interpretação deliciosa, lembrando as duas injustiças que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood lhe fez ao negar o Oscar nos anos em que obteve indicação - por "Perdidos na Noite" e "O Último dos Valentões". LEGENDA FOTO - Ruth (Roseanne Barr), a esposa desprezada em "Ela é o Diabo", uma comédia interessante em exibição no Astor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
26/06/1990

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