Proença e a arte de administrar e tocar
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de abril de 1988
Entre os muitos projetos que Maria Amélia, presidente do Pró-Música tem para os próximos meses está a de convidar o pianista Miguel Proença não só para fazer um recital mas, especialmente falar sobre administração cultural. Afinal, poucos artistas tem mostrado tanto dinamismo como animador cultural como este gaúcho de Uruguaiana, 49 anos, atual secretário da Cultura do Rio de Janeiro, em equilibrar as atividades administrativas com uma intensa vida artística. Ainda agora, Miguel prepara-se para viajar à União Soviética, integrando um grupo de artistas brasileiros, dentro do projeto de aproximação cultural que os ventos da Glastone estão estimulando cada vez mais.
Como Arthur Moreira Lima e, especialmente, João Carlos Martins - seus colegas de teclados, Miguel Proença é um administrador eficientíssimo. Tanto é que há anos criou uma empresa para autoproduzir seus discos, graças ao que já conta com uma ampla discografia. Partindo de patrocínios para as primeiras edições - geralmente realizadas como disco-brindes para importantes empresas - Proença guarda os direitos de reeditá-los, de forma que agora, assinando um contrato com a 3M, pode oferecer matrizes prontas para nada menos que sete álbuns, todos do mais alto nível e colocados ao alcance de um público interessado que, obviamente, não havia sido atingido quando dos lançamentos originalmente feitos apenas para os felizes cadastrados dos mecenas que o patrocinaram.
Quatro dos discos foram produzidos em volta da obra de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), compositor maior que antes mesmo do boom de gravações provocadas pelas comemorações de seu centenário de nascimento já mereceria a atenção de Proença.
As 16 Cirandas de Villa-Lobos, escritas entre 1925/26, tiveram uma primeira edição pela Aersis, com capa dupla (uma bela ilustração da pintora Silvia) e agora são reeditadas, proporcionando que se possa apreciar estas singelas peças que primam pela inventividade rítmica e harmônica, nas quais Villa-Lobos buscou os temas puros da infância - "Teresinha de Jesus", "O Cravo Brigou com a Rosa", "Passa, Passa, Passa, Gavião", "A Canoa Virou..."
Outra homenagem ao grande Villa foi a gravação de sua "Impressões Seresteiras" (nº II do Ciclo Brasileiro), Os Choros nº 5 ("Alma Brasileira"), o Poema singelo, a Lenda do Caboclo, além da homenagem à Chopin e o Guia Prático para Piano nº 1. As Bachianas Brasileiras ocupam outro álbum, este dividido também com quatro peças de Alberto Nepomuceno (1864-1920), compositor cearense do qual Miguel Proença tem sido um dos maiores divulgadores, tendo gravado em junho de 1983 nada menos que três elepês, patrocinados pelo grupo Edson Queiroz, de Fortaleza (oferecida numa luxuosa caixa, como brinde: posteriormente relançados avulsamente). A "Valsa Improptu" e quatro peças líricas de Nepomuceno ocupam também espaço no lado A de "O Piano Brasileiro", no qual Proença juntou composições de Camargo Guarnieri, Lorenzo Fernandes, Villa-Lobos ("Festa no Sertão") e Fructuoso Vianna, já esta uma produção mais recente supervisionada diretamente por Moacyr Machado. Admirador de Fructuoso Vianna (1896-1976), compositor mineiro que teve uma revalorização a partir de seus registros, Proença revela oito outras de suas composições num novo elepê, dividido com a obra de um contemporâneo, Edino Krieger, 60 anos, catarinense de Brusque, diretor do Instituo Nacional de Música/Funarte há mais de 8 anos.
Finalmente, em "Brasiliana", Proença aproxima três outros autores: de L. M. Gottschalk (1828-1969), a sua "Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro"; de Ernesto Nazareth (1863-1934), quatro jóias enternecedoras: "Confidências", "Gaúcho", "Elegantíssima" e "Fon-Fon".
O lado B foi dedicado a sinfonia "Brasiliana nº 4, de seu conterrâneo Radamés Gnatalli (1906-1988), nos movimentos "Prenda Minha", "Samba Canção", "Desafio" e "Marcha de Rancho". Completando, 10 curtas valsas (com duração de 14,46 minutos) que mostram mais um pouco do talento do lado erudito de Gnatalli, falecido há poucos meses.
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Outro instrumentista erudito que no ano passado se voltou a gravação de ao menos uma peça de Villa-Lobos - a Bachiana Brasileira nº 5, foi o violoncelista Perez Dworecki, que num enternecedor álbum ("Doces lembranças", Philips/Polygram), acompanhando por Kennedy Moretti no piano, registrou também peças de outros importantes autores - não só como Villa e Camargo Guarnieri (81 anos, forte e rijo como mostrou ao vir a Curitiba, para a homenagem que Norton Morozowicz, a frente da Orquestra de Câmara de Blumenau lhe prestou), mas também de compositores como Bela Bártok, Ravel, Mendelssohn, Tchaikovsky, Enrique Granados (uma de suas "Cance Espagnole", com a participação de Edelton Gloeden ao violão), Franz Von Vecsey, Gabriel Fauré e Fritz Kreisler.
LEGENDA FOTO 1 - Proença, divulgando Villa
LEGENDA FOTO 2 - Henriqueta, homenageada
LEGENDA FOTO 3 - Maria Leonor, solando a "Truta"
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