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Aramis

Pio, meio século de saúde para crianças

Ele é um dos raríssimos homens que pode dizer, sem estar mentindo, que conhece os bumbuns de várias gerações das mais ilustres curitibanas (e curitibanos). Não só viu nomes dos mais tradicionais da sociedade paranaense nuzinhos como os apalpou em suas partes mais íntimas. Nem por isto, quando os encontra, há constrangimento. Ao contrário, sorrisos e abraços, pois todos que ficaram nus em sua frente lhe são gratos, pois, muitas vezes, se não fosse a sua presença, talvez nem estivessem vivos. Ele é o Dr. Pio Taborda Veiga, 77 anos (a serem completados no dia 24 de julho), um dos mais respeitados e estimados pediatras da cidade. Profissional dos mais competentes, formado há 53 anos, mais de meio século de clínica, não conseguiu aposentar-se. Tentou, é verdade. - Entretanto as mães e avós, que foram minhas clientes, não me deixavam sossegado e viviam procurando-me em meu apartamento, em busca de consultas para seus filhos, e até bisnetos. Assim, meu consultório continua funcionando. Hora marcada, preços para um público exclusivo, mas que tem que funcionar. Uma das pessoas mais bem humoradas e conhecendo tudo sobre a cidade, "dos 70 pra baixo" - referindo-se ao fato de que a partir dos anos 70, o crescimentos imenso de Curitiba fez com que se perdesse o controle de amizades e conhecimentos personalizados, Pio Taborda Veiga entende o boom desenvolvimentista mas não deixa de lamentar que hoje já não se encontrem "conhecidos a cada esquina, que se passe até horas na rua sem aparecer algum amigo de muitos anos". O jornalista Renato Schaitza, que, naturalmente também foi seu cliente até os 4 anos, ao chegar ao edifício Canadá, para a gravação da entrevista de Pio na série Memória Histórica do Paraná, dentro do projeto realizado pelo Bamerindus, estranhou que o médico estivesse usando uma gravata tradicional, com um brilhante de muitos quilates como pregador. - E a gravata borboleta, Dr. Pio? Ela sempre foi o seu logotipo! Realmente, na Curitiba dos anos 40 e 60, o uso de gravatas borboletas, sempre foi uma característica no elegante Pio. - Eu sempre achei-as práticas e confortáveis. Suo muito e elas permitem maior liberdade no pescoço - explica Pio, contando que antes de aderir a este hábito, outro colega, também pediatra, Waldemar Monastier, já as usava. Hoje, Pio tem adotado as gravatas convencionais, tanto é que deu várias de suas "borboletas" - muitas trazidas de Paris - (cidade que visita no mínimo de dois em dois anos) - para seu amigo Moyses Paciornik, este sim, fidelíssimo a butterfly. É de Renatinho, sempre inteligente e arguto em suas observações, também um trocadilho que define Pio: - No Paraná não houve a puericultura e sim a Pioericultura... Pio sorri mas, modestamente, agradece o elogio bem humorado. Embora não possa deixar de admitir que foi ele, a partir de 1947, quando a convite ("melhor dizendo, intimação") de seu amigo e compadre Moyses Lupion, assumiu o Departamento Estadual da Criança, implantou mais de 80 postos de puericultura em todos os municípios do Estado na época. Só isto já lhe faria merecer todas as homenagens como um dos profissionais da medicina que mais trabalhou pela pediatria entre nós. Entretanto, como professor por 36 anos da Universidade Federal do Paraná, em sua clínica particular, na previdência social - Caixa dos Ferroviários, depois IAPFESP (cujo serviço médico chefiou por anos), e, por último no Samcil - pioneiro serviço de seguro-saúde, que fundou há 22 anos, Pio sempre preocupou-se com a medicina social, voltando-se para a pediatria e puericultura. Entre seus orgulhos está o de ter sido o fundador do primeiro Banco de Leite Humano na maternidade Victor Amaral, em 1948, que funcionou por 32 anos, "até que não sei porque razões foi desativado pela Secretaria da Saúde". Irritou-se, com toda razão, quando foi anunciado, com estardalhaço, que a atriz Elisabeth Savalla, madrinha da campanha de aleitamento materno, viria a Curitiba para inaugurar o Banco de Leite Materno, junto ao Hospital das Clínicas. - Até o nome está errado. Banco de leite materno é a mãe, com todo respeito! Isto é, o leite da mãe. O certo é banco de leite humano. Pio entende do assunto. Quando diretor do Departamento Estadual de Estatística sabia buscar recursos junto ao governo federal para implantar postos de puericultura do Estado e também para a LBA, presidida então por dona Hermínia Lupion e com sua direção técnica. Em 1949, o governo americano doou 113.800 quilos de leite em pó, cuja distribuição acompanhou desde a chegada em Paranaguá, "impedindo seu aproveitamento político". Organizado, faz o cálculo e lembra que com este produto puderam serem alimentadas 10 mil crianças durante cinco meses. Pio não deixa de ser irônico quando vê o demagógico slogan do governo Sarney falando na campanha da distribuição do leite. - É bem intencionado mas fora da realidade. Para fornecer leite a todas as crianças só em Curitiba não haveria matéria prima por parte da bacia leiteira. Sem querer ser crítico, Pio é forçado a reconhecer que a situação da mortalidade infantil é hoje mais grave do que há 40 anos passados. - A taxa que o Paraná apresentava era de pouco mais de 80% (por mil) em mortalidade infantil, contra até 450% do Piauí. Hoje, embora não tenha dados exatos, sei que esta taxa passa dos 100%, quando deveria ter sido reduzida. As várias funções que ocupou tanto no plano estadual como no federal, sempre ligado a saúde, nunca tiraram de Pio o espirito inquieto de pesquisador e estudioso, que o fez, entre os 44 alunos de sua turma na universidade do Paraná, em 1934, a ser o único a apresentar uma defesa de tese, com grande repercussão. Anos depois, voltaria a fazer novas teses em sua carreira universitária. Vários cursos no Exterior (especialmente na França), participação em inúmeros congressos, cursos, seminários, mas, no fundo, a paixão pelas coisas simples, a começar por sua cidade natal, Antonina. - Para mim, aliás, só há duas cidades no mundo: Antonina e Paris. Curitiba, é claro, fica como hor concours, pois aqui ele chegou com nove anos e a conheceu em seus tempos de imensos terrenos baldios, do Smart, Mignom e América exibindo bang-bang com Tom Mix, do velho Clube Curitibano em sua primeira sede, ainda na Rua 15 de Novembro e, especialmente dos milhares de amigos que se foram somando ao longo de uma longa vida profissional. Quantas crianças foram por ele atendidas? Apesar de sua tradicional organização não é capaz de responder. Faz algumas estimativas e aproximações, lembra que além da clientela particular, sempre também atendeu vários serviços públicos e dá apenas uma pista: - Eram mais de 15 mil consultas por ano. Faça um cálculo, em mais de 50 anos... Pai de 6 filhos, 14 netos, "mas nenhum bisneto" - sua filha mais moça é mais jovem do que a última neta - Pio, rosto sem rugas, sempre vigoroso e animado, fala da longevidade dos Veiga: seu pai, Elpídio, morreu com 92 anos. Um tio chegou aos 94 e tem ainda uma tia-prima com 96 anos. - Portanto, quem não gosta de mim vai ter que aturar ainda por muito tempo. Até o ano 2.000, no mínimo. LEGENDA FOTO - Pio Veiga: meio século de pediatria
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
16/04/1988

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