Os últimos dias do Morgenau
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de março de 1977
Já esta tornando rotina noticiar últimas sessões de cinema, mas esta tem um sentido muito local : ainda não está marcada a data , mas o mais antigo dos cinemas curitibanos tem seus dias contados . O Cine Morgenau ( Rua Schiller , 203, bairro do Capanema), que funciona desde 1918 e há 19 anos é explorado pelos irmãos Jorge, Joaquim e Erasmo Souza, não deverá chegar ao seu 60º aniversário, que seria comemorado no próximo ano . A morte do ferroviário Bernardo Quickstdt
( 1898 - 1976) , fundador e proprietário do imóvel onde funciona o imóvel, tornou muito difícil a permanência da velha casa de exibição , com suas cadeiras sem estofamento, dois valentes projetores Sólido B - 7 e seus programas de quinta a segunda - feira , com vesperais dominicais em que , vez por outra , aparece até um capítulo do seriado , descobertos por sorte nos fundos de depósito de distribuidores.
Os genros do sr. Quickstdt - maridos de suas filhas Ruth, e Hilda, acreditam , naturalmente, que é um péssimo negócio alugar o velho casarão do cinema por menos de Cr$ 500.00 mensais . Em compensação , apesar do amor dos irmãos Souza pelo cinema, não há condições de pagar mais: na melhor das semanas a renda bruta não ultrapassa a Cr$ 3 mil. Mais da metade das distribuidoras e do resto tem que cobrir todas as despesas (luz, taxas, empregados etc.) . Na semana passada por duas noites, as sessões foram canceladas: na quinta - feira o filme marcado não chegou a tempo, na sexta - feira faltou a luz. Numa segunda - feira, "Banzé no Oeste" foi projetado para exatamente dois espectadores. Assim não há exibidor que aguente.
Jorge Souza, 47 anos, que começou a frequentar o Cine Morgenau quando ainda usava calças curtas, trabalha na Cruzeiro do Sul há 26 anos , como chefe de embarque no Aeroporto Afonso Pena. A exploração dos cinemas sempre foi uma atividade paralela : durante 3 anos tentou movimentar o Cine Mercês , mas as baixas rendas o levaram fechar aquela casa , em 25 de dezembro de 1975, exibindo "Virtude Selvagem". O esvaziamento dos cinemas , que é mais grave nos bairros, levou ao fechamento dos Cines Oásis (Vila Hauer) , Guarani (Portão) , Ahú, Picolino (Juvevê), Florida (Rua Marechal Floriano), Santa Felicidade e Umbará, entre outros, nos últimos dez anos . Sobrevivem, enfrentando baixas rendas, os cines Marajó (Seminário), São Cristóvão (Vila Guaíra) , "Nossa Senhora da Luz", Morgenau e o luxuoso Ribalta, inaugurado há pouco mais de 1 ano, no bairro do Bacacheri, e que vem exigindo de seu proprietário, Rodolfo Deckman, sacríficios imensos.
Varias causas podem ser apontadas para a decadência dos cinemas, nos bairros e pequenas cidades, como comércio. A televisão, em primeiro lugar, a formação de novos hábitos e mesmo uma queda de entusiasmo dos jovens pelo cinema ( a não ser de uma pequena faixa intelectualizada, que diz apreciar os filmes de arte) fazem com que a usina dos sonhos, com suas mágicas e coloridas figurinhas na tela, seja, cada vez mais, um entretenimento do passado. Ao menos em termos de bilheteria.
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