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Aramis

Os meninos da guerra

É coincidência, mas não deixa de ser um marketing que funciona: crianças em tempo de guerra! Pelo menos três dos filmes com indicações ao Oscar-88, na próxima segunda-feira, 11, centram suas ações em personagens infantis durante os tensos dias da II Guerra Mundial. Visões diferentes mas de grande sensibilidade em torno da estupidez da guerra, da miséria, da morte, da intolerância, resultando em filmes admiráveis e sensíveis. A Londres atacada pelos bombardeios de Hitler em "Esperança e Glória", as (des) aventuras de um garoto prisioneiro dos japoneses após a invasão de Xangai em "O Império do Sol" (cines Astor e Cinema I) e, num plano mais reflexivo, o nazismo e a opressão aos judeus num colégio de jovens na França ocupada em "Até Logo, Crianças" (Au Revoir Les Enfants) de Louis Malle (ainda sem data de lançamento no Brasil). São três momentos de sensibilidade de diretores que buscam, com honestidade, colocar nas telas momentos em que o horror da guerra interfere nos sonhos e folguedos da infância - nos três casos amparados em experiências reais e dois deles como retratos autobiográficos de seus diretores: Malle, diretor de "Au Revoir, Enfants" (favorito como filme estrangeiro) e John Boorman em "Hope and Glory" (coincidentemente ambos lançados em sessões especiais durante o FestRio-87, em novembro do ano passado) admitem que pessoalmente viveram, em parte, aquilo que agora colocam nas telas. Spielberg, com sua alma de eterna criança, buscou num livro autobiográfico de J. C. Ballard (já editado no Brasil pela Record), o argumento para "Empire of Sun" - sem dúvida o grande injustiçado na corrida aos Oscars-88. AMARCORD INGLÊS A emoção após assistir as memórias de uma Londres devastada por bombardeios em "Esperança e Glória" - mas num filme de alto astral, no qual o riso convive com a lágrima - faz com que uma comparação se estabeleça: "Hope and Glory" está para a obra do inglês John Boorman, 55 anos, como "Amarcord" ficou para Federico Fellini, 68: ambos, com toda a ternura, revisitam seus dias de infância. Só que o cineasta italiano tem feito isto com maior revelação do cinema inglês nos anos 60, faz, pela primeira vez, um mergulho nostálgico em seus dias de criança na Londres que resistia as V-8 de Von Braun e era estimulada pelas palavras de Churchill, como baluarte dos aliados na Europa ameaçada cada vez mais pelo nazismo. Um cineasta que em seu segundo longa-metragem, "À Queima Roupa" (Point Blank, 67) já revigorava o gênero policial, Boorman passou por temas tão diversos como o simbolismo da guerra ("Inferno no Pacífico", recentemente reprisado na televisão) ao ecologismo da Amazônia (o belo e injustiçado "A Floresta das Esmeraldas"), encontra em "Esperança e Glória" que Boorman constrói seu melhor momento cinematográfico. Existe guerra e morte em "Esperança e Glória" mas o filme é de alto astral, positivo, suave - inclusive nas pastorais imagens finais, quando a família do garoto Bill (Sebastian Rice Edwards) vai para o campo, encontrando um Xangrilá na propriedade do velho avô (Ian Bannen, o melhor do elenco), brincalhão mas também carrancudo, criando um tipo inesquecível. Sergio Augusto, um dos críticos que melhor soube entender "Esperança e Glória", escreveu que o garoto Bill é o mais completo alter-ego do cineasta Boorman, que também foi criado num ambiente monopolizado por mulheres, num subúrbio de Londres. Como Bill, ainda, tornou-se o único varão da casa assim que a guerra arregimentou seu pai para a frente de batalha. Restou-lhe por uns tempos, o avô materno, que morava retirado em contato permanente com a natureza do Alto Tamisa.. Este lado biográfico é que confere as imagens de "Esperança e Glória" tanta emoção e sinceridade, a partir de Bill e suas irmãs - Dawn (Sami Davis) e Sue (Geraldine Muir), as relações com sua mãe Grace (Sarah Miles, envelhecida - distante da imagem de "A Filha de Ryan" de 18 anos passados), que na ausência do marido, Clive (David Hayman) - convocado para a guerra - encontra no antigo apaixonado, Mac (Derrick O'Connor), o apoio para aqueles momentos difíceis. "Esperança e Glória" é construída de fragmentos do dia-a-dia nos anos de guerra, dos bombardeios, da solidariedade. Há imagens belíssimas - como o do balão que escapa das cordas, lembrando, em sua dimensão, o grande navio de "Amarcord", mas o que mais enternece é a sua trilha sonora. A partir da própria música que inspirou ao título - derivado da marcha patriótica inglesa, "Land of Hope and Glory", composta por Edward Elgar (1857-1934), Peter Martin construiu uma trilha sonora maravilhosa, num páreo duro com as 4 outras concorrentes ao Oscar: George Fenton/Jonas Gwangwa - ("Um Grito de Liberdade/Cry Freedom"), John Williams ("Império do Sol" e "As Bruxas de Eastwick"), David Byrne e Ryuchi Sakamoto ("O Último Imperador", a ser lançado pela RCA) e Ennio Morricone ("Os Intocáveis", já editada pela Polygram). Na trilha de "Hope and Glory" (editada no Brasil há 6 semanas, pela SBK Songs), Martin intercalou temas próprios com passagens de temas de Elgar, Chopin, Purcell, Wagner, com resultados excelentes. Mas é a canção-tema, instrumental ou na voz de Helen Sava (também autora da letra) que faz com que "Esperança e Glória", já pela música, seja um momento de magia sonora.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Nenhum
06/03/1988

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