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Aramis

Os 40 clics de Jack e Leminski em Curitiba

O Gordo Mello - Luiz Henrique de Oliveira Mello, caçula de uma família tradicional, é daqueles curitibanos inquietos que ama a sua cidade. Jack Pires, um fotógrafo que aqui chegou há anos e tomou-se de amores pela cidade. Paulo Leminski - bem, do polaco Leminski, cuja ausência há um ano e meio tem sido chorada em canto e verso - não é preciso falar muito! Em 1976, quando Leminski ainda não era a unanimidade que se tornaria após a sua morte - e só quando uma pessoa se vai, é que se reconhecem (todas) suas virtudes - e Jack Pires dançava baião para sobreviver como fotógrafo, apareceu o Gordo Mello - sempre generoso e corajoso em suas iniciativas - para editar um livro em que as imagens de Jack com as poesias-legendas de Leminski funcionassem como uma espécie de livro-baralho desta Cidade Sem Portas. Folhas Soltas, podendo serem apreciadas avulsamente. Gordo Mello já era, apesar de seus apenas 20 e poucos anos, um experiente faz-tudo. Tinha passado por várias iniciativas e reuniu alguns cruzeiros com o qual financiou "Quarenta Clics em Curitiba", que teve sua tiragem de apenas 300 exemplares - pouco vendida, embora viesse a se esgotar. Agora, 14 anos depois, esta experiência editorial ganha uma nova fornada - com apoio da Secretaria da Cultura e, especialmente, um cuidado muito especial de uma das maiores (e poucas) competências que na atual administração cultural realmente deu uma grande contribuição ao estado: a designer Teresa Cristina Monteceli. Assim, em formato ampliado - 34 x 34 centímetros - "Quarenta Clics em Curitiba" está saindo do forno neste início do ano, como exemplo de um livro de arte bastante econômico: há apenas duas pranchas em fotos a cores - estas do próprio Gordo Mello, que não constavam da edição original mas que se inseriram no contexto e substituíram duas que não puderam ser remontadas. Em edição de 3 mil exemplares, com um bom projeto de difusão cultural - ao contrário, por exemplo, do que está ocorrendo com o pretensioso álbum (?) sobre o Pantanal, lançado por quatro fotógrafos amadores - esta reedição tem o sabor de novidade para muita gente que, em 1976, não deu atenção àquele livro-guia dos flagrantes do cotidiano. Jack Pires, com seu olhar sobre os rostos anônimos da multidão, soube flagrar imagens significativas, como por exemplo, o da envelhecida senhora, olhar tristonho, que num banco de praça escuta as "explicações" de um cavaleiro de cabelos glostorados. Para a legenda, Paulo foi minimalisticamente inquisidor: "Isso? Aqui? Já? Assim?". Não precisava acrescentar nada mais! Outra foto de duas pessoas velhas, num banco da Rua das Flores - aliás, todas as fotos são de exteriores - o poema-legenda de Paulo diz: "O silêncio / se mete a me maltratar / me ditando / abreviaturas de mim / e / quem sabe / a mesmo me dilatando". Toda a ironia traduz a imagem de dois homens num bate-papo defronte um quiosque também na Rua das Flores: "Quem é vivo aparece sempre no momento errado para dizer presente onde não foi chamado". Assim, nas fotos daquelas pessoas que se perdem entre a multidão solitária - geralmente as mais humildes, capturadas nas imagens de Jack Pires, Paulo colocou as palavras certas - ele que sempre foi o domador de textos. Evidentemente, que a reprodução das fotos poderia ganhar se a impressão fosse de qualidade superior, em papel importado, uma apresentação mais luxuosa. Mas, dentro dos dias cinzentos que vivemos, a própria simplicidade desta reedição - com sabor de lançamento - a faz merecedora de todo um olhar de ternura - tão sensível quanto seus autores a tiveram ao concebê-la. LEGENDA FOTO - Outro dos clics de Jack e a poesia-pensamento de Paulo: "Quem é vivo / aparece sempre / no momento errado / para / dizer presente / onde não foi chamado".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
15/01/1991

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