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Aramis

"Orí", a visão da raça negra

Ontem, em nossa página diária ("Tablóide") falamos sobre a importância de "Orí", documentário de Raquel Gerber, já premiado em 3 festivais - Ouagadougou, na África: Tróia, em Portugal e, no último sábado, em Curitiba (Prêmio Especial do Júri - I Festival do Cinema de Curitiba), que está em exibição no cine Groff. Trata-se de um documentário de características especiais, resultado de dez anos de um trabalho sério e dedicado da socióloga, professora, pesquisadora e cineasta Raquel Gerber, 43 anos, preocupada em reconstituir através de um filme rodado em vários Estados (e também em alguns países africanos) uma visão do negro e sua identidade cultural. Justamente pelos propósitos com que foi concebido, "Orí" - superando os problemas de sonorização (a cópia em exibição no Groff apresenta problemas para entendimento da narrativa da historiadora-narradora Beatriz Nascimento) e mesmo montagem - está interessando os organizadores dos mais importantes festivais culturais de cinema em inúmeros países, a começar pelo Yamagata Internacional Documentary Film Festival, Japão, para onde Raquel viaja amanhã levando o seu filme. Independente de vários outros aspectos - o sentido de líderes dos movimentos negros - "Orí" tem especial atração na parte musical. Nana Vasconcelos, percussionista pernambucano que vive há mais de dez anos no Exterior, parceiro de Egberto Gismonti em discos de primeira categoria, ele próprio solista de uma gravação com a Filarmônica de Berlim, criou uma trilha sonora magnífica, integrada aos propósitos do filme-documento que Raquel realizou. As imagens também mergulham em ritmos negros da América, resultado da diáspora dos negros, indo das escolas de samba de São Paulo (especialmente a Vai-Vai) até o soul, funk e reggae de Jimmy Horne, Black Rio, Peter Tosh, Jimmy Cliff, Bob Marley e suas influências em Gilberto Gil e, especialmente, a (hoje extinta) Banda Black Rio. Só este aspecto do documentário - no registro do Carnaval, dos ritos do candomblé, do poder da terra - já confere a "Orí" um valor especial, compensando o esforço intelectual que representa a sua visão atenta. Não se trata, evidentemente, de um filme de digestiva e fácil absorção, mas é indispensável de ser visto por estudantes de Ciências Sociais, sociólogos, antropólogos, integrantes de movimentos da raça negra - enfim todos que tem uma preocupação cultural em entender melhor a cultura e presença dos negros no Brasil. Raquel salienta que "Orí" contou com o apoio de eminentes historiadores, antropólogos, musicólogos, museus e instituições brasileiras e européias para obtenção de iconografia original. Assim, "Orí" pode ser descrito como uma sinfonia de sons e imagens os significados simbólicos das linguagens que emergem dos propósitos do movimento negro. O filme - que está sendo apresentado em 5 sessões diárias, no Groff - revela ainda a emoção da luta pela liberdade do corpo e da alma dos povos da Modernidade do Ocidente: no cotidiano, nas festas, como o Carnaval e nos ritos como o Candomblé (terreiro Ylê Xoroquê), ressaltando o poder da Terra, dos Orixás e dos ancestrais. Filmes como "Orí" são trabalhos de tese, significando anos de pesquisas mas grande significado para a visão de questões amplas e, até hoje, ainda insuficientemente estudadas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
8
06/10/1989

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