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Aramis

A Opção, a estrada vista sem glamoures

Ozualdo Candeias é o exemplo do cineasta que pode ser classificado como "autor". Escreve, roteiriza, fotografa, dirige, monta e - quando necessário - interpreta seus filmes. Cuida ainda da produção, pois em mais de 20 anos de andanças cinematográficas nunca teve mordomias maiores. Se isto o faz dono de uma obra extremamente pessoal, na qual assume méritos e defeitos, por outro o distanciou, até hoje, do grande público - já que os seus filmes podem merecer muitas adjetivações, menos a de agradáveis ou feitos para o consumo. Digestivos, jamais. Entretanto, desde seu primeiro longa-metragem - "A Margem" (1967), a crítica soube reconhecer seus méritos de um realizador da maior segurança, ácido, cruel até nas imagens, mas de uma honestidade rara no cinema cada vez mais comercial. "A Opção" (Cine Goff, 5 sessões, ganhando a partir de amanhã uma segunda semana, o que retardará a estréia do filme gaúcho "Quero Ser Feliz", de Sérgio Lerrer) é uma mostra do (melhor) cinema de Candeias. Realizado com mínimo orçamento (aliás, uma de suas características é trabalhar sempre com poucos recursos) e rodado em 1981, devido a problemas de produção o filme só chegou às telas há dois anos embora participando do Festival de Cinema de Locarno, na Suíça. "A Opção" traz em seu próprio título (na grafia original que Candeias prefere) a sua síntese - "Aopção", escritos juntos com o claro objetivo do autor de usar o prefixo "a" indicando "ausência de", ou seja, a falta de escolha, de liberdade, entendida aqui como tema central do filme, ao qual se agregam outros mitos como a dignidade e a personalidade - como acentuou o crítico Antonio Alves Cury, entusiasta da obra de Candeias, a propósito de quem pretende(ia) dedicar um livro. "A Opção" (ou "Aopção") pode, inclusive ser visto como um documentário. As imagens em preto e branco são contundentes, tão realistas que se tem a impressão de se estar frente a um exemplo claro do cinema-verdade, dentro daquelas teorias antropológico-cinematográficas que, no início dos anos 60, Jean Touch desenvolvia na França e que influenciaram cineastas do Terceiro Mundo. Entretanto, embora não despreze classificações, Candeias é antes de tudo um autodidata, que parte de seu realismo, de sua visão do mundo. E neste longa-metragem ele constrói um filme sobre uma realidade que conhece profundamente: motorista profissional, chegou a possuir dois caminhões com os quais viajou pelo Brasil afora antes de se decidir por fazer cinema. Assim, volta-se ao universo duro dos caminhoneiros, com uma trama construída com personagens (ou melhor dizendo, com um grupo de pessoas) que são totalmente determinadas pelas circunstâncias do meio em que vivem, "sem a mínima possibilidade de qualquer tipo de escolha: o real como síntese de suas determinações" (cf. Antonio Alves Cury). Desde as primeiras cenas - um grupo de bóias-frias, descendo de um caminhão - "A Opção" não faz concessões. As primeiras tomadas, no campo, já anunciam a origem e a atividade do grupo de personagens que será o fulcro da narrativa: trabalhadores rurais. E uma antevisão de uma delas do que será sua vida se ficar vivendo na roça ("tirando água do poço, cozinhando, lavando roupa, casando, vendo os filhos sendo enterrado, vítima da miséria") a leva a cair na estrada. Essa atitude é acompanhada por outras mulheres que, aparentemente, não têm nenhuma ligação entre si a não ser a tentativa de mudar indo em busca da cidade grande - como tão bem observou Antonio Alves Cury, numa das raras apreciações de profundidade feita sobre este filme - que tem um subtítulo bem explícito: "As Rosas da Estrada". Realmente, as personagens femininas compõem o universo que conduz o filme. Em sua aparente brutalidade de imagens, Candeias é extremamente fiminista e mostra ternura pelas mulheres exploradas, miseráveis que saindo do campo em busca da cidade grande (onde caem na prostituição mais organizada) dividem a solidão dos motoristas. O conceito deste "As Rosas da Estrada" nada têm em relação à tendência do chamado "road movies", que, sofisticadamente, alguns cineastas como Wim Wenders ("Alice das Estradas", "Paris Texas") tem explorado a exaustão em seus filmes nos quais a solidão confunde-se em rotas pavimentadas com personagens enigmáticos. Os personagens de Candeias são sofridos: as mulheres aparecem sem maquiagem, mal vestidas, os homens são rudes e há inclusive aleijões, capturados nas imagens de seus próprios ambientes em que vivem - num realismo documental. Dentro de uma temática de se voltar os olhos aos caminhos das estradas, Jorge Bodanski já havia tentado algo parecido em "Iracema" , também com imagens doloridas. Entretanto Candeias vai mais além e sem qualquer preocupação de buscar imagens turísticas, sua longa viagem inicia-se nas Missões, em Santo Ângelo e vai até Juazeiro, no Ceará - para terminar em São Paulo. "A Opção" é um filme com o odor de brasileiros que não usam desodorante, de mulheres que nunca viram um salão de beleza e de uma realidade que fica no cotidiano. Sem maniqueísmos - não há vilões ou heróis - dentro de uma ótica muito sua de ver o mundo, Candeias constrói um filme que sem obedecer a uma narrativa totalmente linear se ajusta com seu gosto de Brasil sem maquilagem, com imagens que falam por si e portanto reduzindo ao máximo os diálogos e com uma econômica trilha sonora criada a partir da própria música brega de cada região. Um elenco formado por atores e atrizes semiprofissionais - muitos dos quais totalmente amadores, e, como autor, assumindo todas as funções (inclusive a montagem), Ozualdo Candeias faz deste "A Opção - As Rosas da Estrada" mais um filme marcante em sua filmografia - incômoda, perturbadora, mas extremamente criativa. Um filme destinado a quem gosta de um cinema com gosto do real.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
11/02/1987

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