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Aramis

O talento que faz jovem uma peça escrita em 1891

"Uma geração passa e outra geração vem; mas a Terra para sempre fica (...) O Sol sempre nasce e o Sol se põe e apressa-se para o lugar onde nasceu". (Eclesiastes) xxx Quando escreveu "O Despertar Da Primavera", Franke Wedekind (Hannover, 1864 - Munique, 1918) tinha 27 anos. Já havia tido muitas experiências afetivas e profissionais: foi secretário de um circo itinerante e tornou-se ator - representando, no futuro, suas próprias peças. "Fruhling Erwachen", sua primeira peça, pode não ser a mais notável de suas obras mas é a que tem encontrado, quase cem anos depois, maior empatia com o público jovem. Só no Brasil houve já meia dúzia de encenações profissionais. Uma delas, feita por um grupo carioca da qual fazia parte a hoje badalada Maria Padilha (e que chegou a ser apresentada em Curitiba) identificou tanto o núcleo que este passou a se chamar "O Pessoal Da Primavera". Nas mãos de um competente roteirista de telenovelas os elementos com que Wedekind usou no final do século passado poderiam motivar no mínimo uma mini-série de grande empatia, discutindo assuntos que nunca perdem a empatia/emoção: sexo, juventude, suicídio, repressão social, familiar e educacional. Em pouco mais de 80 minutos, uma visão inteligente e dinâmica do diretor Ulysses Cruz, paulista da capital, 32 anos, faz de "O Despertar Da Primavera" (auditório Salvador de Ferrante, até domingo, 21 horas, ingressos entre Cz$ 80,00 e Cz$ 40,00) um espetáculo enxutíssimo, belo e emocionante. Uma montagem de primeira categoria, merecedora de elogios e da escolha para representar o Brasil no próximo Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (cidade do Porto, Portugal, abril/1987). xxx Sem nomes conhecidos no elenco - mas em compensação com atores e atrizes de garra e sensibilidade, uma montagem tão despretensiosa quanto bem sucedida em seus recursos, "O Despertar Da Primavera" é daqueles espetáculos que emocionam ao espectador e mereceriam servirem de exemplo a tantos grupos (especialmente os paranaenses que insistem em montagens ocas, vazias e pretensiosas - com resultados frustrantes). Na adaptação de Walderez Cardoso Gomes (tradução de Luís Roberto Galízia) foram conservados os elementos intrínsecos do texto de Wedekind, um homem de temperamento irreverente, boêmio, cínico e cujas obras caracterizam-se sempre pela antecipação da dita "revolução sexual" moderna e de teses de psicanálise, pela abrupta técnica dramatúrgica e o estilo coloquial. Não foi sem razão que seus textos - como "Espírito Da Terra" (1897), "Caixa De Pandorra" (1903, transformada na ópera "Lulu" por Alban Berg), "Schloss Vettersein" (Castelo de Wettersein, 1910) - entre outras, viriam influenciar profundamente dramaturgos como O'Neil, Bretchet e mesmo alguns representantes do chamado teatro do absurdo, como Adamov. A repressão sexual, na família e no ensino da Alemanha do final do século passado, explode nos personagens de "O Despertar Da Primavera": A ingenuidade de Wendla Bergmann (Fernanda Guerra) procurando informações sobre sexo com sua retrógrada mãe (Angela Barros); a amizade entre Mortiz Stiefel (Roberto Moreno) e Melchior Gabor (Romis Ferreira), que acaba em tragédia, a intervenção de uma liberada jovem, Ilse (Marília Adamy, belíssima e sensual, um dos melhores momentos da peça) constituem toda uma estrutura extremamente densa e humana num espetáculo que ganha com a direção criativa e inteligente. Usando apenas alguns bancos de madeira e cepilhos como decoração, há um verdadeiro clima musical - graças a uma coreografia perfeita e uma trilha sonora das mais imaginativas, com temas de músicas minimalistas (mas com uma identificação de época) e encaixando, ao final, até um despretensioso rock de Rita Lee - com o elenco cantando e dançando no palco, tal como, há 20 anos, fazia a Oficina em "Galileu" de Brecht, dando uma contemporaneidade a uma história que longe de ser deja vu passa e emociona emoções & sentimentos a uma geração supostamente liberada mas ainda, intrinsecamente, presa a conceitos tradicionais. Discípulo de um dos mais notáveis encenadores brasileiros, Antunes Filho (de quem foi assistente em peças como "Nelson 2 Rodrigues"), Ulysses Cruz procurou dar sua própria leitura ao texto de Wedekind, especialmente porque após um trabalho de raízes extremamente brasileiras (a adaptações ao palco de "Os Velhos Marinheiros", de Jorge Amado) mergulha agora no universo alemão: suas próximas encenações será uma adaptação ao palco de "Mephístoles", do romance de Klauss Mann, onde, pela primeira vez estará dirigindo um superstar (Raul Cortez) numa produção cara. Assim, Cruz entende que ao procurar o texto de Wedekind, sobre adolescentes na Alemanha Pré-República de Weimar, está mergulhando numa "antecipação da vida daqueles que seriam os homens que levariam poucas décadas depois, Hitler ao poder". Esta visão política o fez dar uma linguagem expressionista à montagem - mas sem abandonar a paixão pelo cinema e criar seqüências de uma beleza leloucheana, para a qual contribuiu a esplêndida iluminação - e até efeitos especiais como exalar eucalipto na seqüência final. Muitas interpretações e análises cabem para esta montagem de "O Despertar Da Primavera", um texto profundo que recriado com juventude e amor tem digna e bela encenação. Um espetáculo para o público de várias idades, mas atingindo uma faixa especialmente importante para ser cativada: os adolescentes que não aceitam mais a ingenuidade do teatro dito infanto-juvenil e que buscam a empatia com textos que lhe falem de seu mundo. Mesmo que as palavras tenham sido escritas há exatamente 96 anos como fez Wedekind em "Fruhlings Erwachen". LEGENDA FOTO - Davi Rocha Iau e Marcos Winter em "O Despertar Da Primavera".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
20/03/1987

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