O talento de Ramalho
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de fevereiro de 1977
Como toda pessoa de real talento e valor, é simples, modesto, amigo. Não procura a promoção pessoal e nem se preocupa em anunciar aos quatro ventos seus méritos. Paulista de Pirassununga, 36 anos, um curso de engenharia eletrônica abandonado no quinto ano, quatro anos na direção do Museu Lasar Segall, cujas atividades foram intensificadas neste período, Francisco Ramalho Júnior viu, inesperadamente, seu terceiro longa-metragem, "A Flor da Pele", receber os três principais prêmios no Festival de Gramado, em janeiro último: melhor filme, roteiro e atriz (Denise Bandeira). Concorrendo com superproduções como "Dona Flor e Seus Dois Maridos" de Bruno Barreto e filmes de jovens talentos do Rio de Janeiro e São Paulo.
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Em setembro do ano passado, "A Flor da Pele" (cine Rivoli, 4 sessões), participou do Festival de Cinema de San Sebastian, na Espanha, e somente não concorreu a premiação porque a Embrafilmes retardou o seu envio e mandou cópia com legendas em inglês. Realizado sem qualquer auxílio oficial - os Cr$ 600 milhões da produção foram levantados entre pessoas que confiaram no seu talento: "A Flor da Pele" é a confirmação do talento e sensibilidade de Ramalho Júnior, que em 1969, com seu primeiro longa-metragem, "Anuska, Manequim e Mulher", de um conto de Ignácio de Loyola, entusiasmava o público que o assistiu.
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Apesar do sucesso que a peça de Consuelo de Castro fez em São Paulo, há nove anos passados, Francisco Ramalho nunca a assistiu no palco. Interessou-se pela história - o romance entre um professor de 40 anos e uma aluna de 20 - ao ler uma sinopse da peça. Procurou Consuelo já com um roteiro delineado lhe propôs comprar a peça. Consuelo mostrou-se sensível ao projeto, mas neste ínterim um outro produtor lhe ofereceu Cr$ 15 mil, uma soma considerável no ano de 1972. Ramalho não possuía esse dinheiro e já havia desistido, quando o marido de uma jornalista, sua amiga, Stefan Burstin, acreditou em seu talento e lhe adiantou o dinheiro necessário. Com os direitos da peça, passou a procurar recursos para a produção. O esquema era fazer o filme em 5 semanas. A equipe e o elenco entrosaram-se de tal maneira que, num clima de maior harmonia, o filme ficou pronto em um mês (novembro/75).
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Ramalho define o seu filme como uma obra aberta, em que colocou muito de seus próprios conflitos - voltado, como em "Anuska", principalmente ao ser humano. Do ambiente confinado da peça de Consuelo de Castro, partiu para São Paulo - a cidade também como personagem. Conseguindo excelentes interpretações de Juca de Oliveira (que desde 1969, quando fez "O Crime dos Irmãos Naves", de Luís Sérgio Person (1936-1967), não atuava em cinema), Denise Bandeira, Beatriz Segall e Ewerton de Castro, nos papeis centrais. Produção modesta, sem qualquer esquema promocional, entusiasmou o público que lotou um cinema em San Sebastian, ao ser ali apresentado (17.9.76) e mereceu uma elogiativa nota crítica do jornal "Variety" (29.9.76), cujo crítico escreveu "simples, mas tocante história de amor entre um professor de arte dramática e uma jovem estudante que se apaixona por ele. O professor é casado e luta em romper com a esposa: a estudante é cheia de vida, imprevisível e explosiva. A instável relação entre eles é mostrada com sensibilidade pelo diretor Francisco Ramalho Júnior, usando a cidade de São Paulo como cenário".
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Francisco Ramalho passou quatro dias em Curitiba. Deu várias entrevistas, ontem pela manhã debateu os problemas do cinema brasileiro com grupo de estudantes e viu, satisfeito, que nos primeiros dias de exibição, "A Flor da Pele" rendeu tanto quanto "Taxi Driver", exibido no mesmo cine Rivoli. O público tem saído entusiasmado do cinema. E, mais uma vez, um filme mostra que mais importante de tudo é voltar-se a seres humanos, preocupar-se com a sensibilidade e as emoções das pessoas. Pois isso significa a real e grande comunicação.
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