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Aramis

O Som da Gente em terra de Marlboro

Nova York - Se dependesse da vontade de Hermeto Paschoal, em sua segunda apresentação no Town Hall, na noite de sábado, 11, por certo ele faria aquilo com o que o público brasileiro já se acostumou em seus espetáculos: tocar livremente after hours, muito além do horário previsto. Como ao entrar no palco do teatro foi avisado de que havia um horário para o espetáculo acabar, o bruxo sonoro das Alagoas não fez por menos: após demorar-se em falar numa homenagem a alguns amigos presentes - como a pianista Eliana Elias e o baterista Dom Um Romão (que subiu ao palco, para um demorado abraço) ou ausentes - Miles Davis, que lhe havia telefonado à tarde - referiu-se a uma suíte de 20 minutos que ainda está compondo, "mas que gostaria de apresentar". Seus músicos - Jovino Santos (flauta, teclados), Carlos Malta (saxes), Itiberê Zwarg (baixo elétrico), Márcio Bahia (bateria), Pernambuco e Fábio Pascoal (percussão) - começaram a mostrar a belíssima composição, mas não passaram dos primeiros acordes; Hermeto interrompeu a apresentação, dizendo que o seu tempo de show havia acabado. Todos retiraram-se para os bastidores enquanto o público que lotava o Town Hall, em pé, aplaudia e gritava o seu nome, pedindo o retorno do grupo para que o espetáculo continuasse. Apesar do estímulo de Rob Crocker, um dos mais populares apresentadores da WQCD-101 - e que foi o mestre de cerimônias do festival O Som da Gente "para que o público exigisse o prosseguimento do show", Hermeto e seus músicos não retornaram ao palco. As lâmpadas foram acesas e o público deixou o teatro entusiasmado com a música que ouviu naquela noite mas, no fundo sentindo que Hermeto não tivesse mostrado mais de seu som original, rico e harmonioso. Na noite de sexta-feira, 10, Hermeto havia se apresentado em solo no piano, mostrando a extrema sensibilidade desde obras-primas como "Bebe", um tema que criou há 17 anos, gravou em seu primeiro elepê solo feito no Brasil ("A música livre de Hermeto Paschoal", Philips, 1973) ou sua inventividade de mostrar sons inusitados, ao colocar moedas de US$ 0,25 e até seu sapato esquerdo entre as teclas de um Steinway - obtendo resultados incríveis. Cada vez mais conhecido em alguns países europeus (chegou na semana passada de uma temporada encerrada na Áustria) - e desde 1970, quando gravou na Buddah Records o seu primeiro álbum americano, é respeitado e admirado por músicos da dimensão de Miles Davis, com quem já trabalhou e gravou várias vezes. Assim, a sua participação destacada nas duas apresentações dos espetáculos promovidos pelo Som da Gente no último fim de semana, em Nova York seria o ponto alto em todo bem desenvolvido projeto de marketing e promoção, com vários anúncios no "The New York Times" e outras publicações importantes. A grande música instrumental - O público que assistiu aos dois concertos no Town Hall pôde conhecer o melhor da música instrumental que se faz hoje no Brasil. Na primeira noite - encerrada com Hermeto em solo no piano - teve as participações de dois grupos instrumentais, que mesmo sem um trabalho regular prolongado, mostraram unidade. O pianista Amilson Godoy, 43 anos, arranjador e compositor, trouxe a Nova York o grupo com o qual fez o seu primeiro álbum solo, só lançado agora, em edição CD, no qual gravou uma série de temas, inéditos. Apesar da ausência de Natan Marques (guitarra) - impedido à última hora de viajar e que foi substituído pelo guitarrista Alemão - e, especialmente, do acordeonista Dominguinhos (vítima de um acidente rodoviário, na semana passada), a suavidade de Tuca (como Amilson é chamado pelos amigos) nos teclados, mais a bateria de William Karam, o excelente baixo de Arismar do Espírito Santo e a percussão de Oswaldinho da Cuíca, deram aos 6 temas apresentados uma grande dimensão: "Viva Tuca", homenagem musical que o irmão Amilton Godoy (pianista do Zimbo Trio) lhe prestou há anos; a lírica "Ilha Bela" de Walter Santos e quatro composições próprias de Amilson: "Tem nome não", "Colorindo", "Desequilibrando" e "Quatro Estações". As possibilidades do violão nas mãos de quem sabe utilizá-lo fez da apresentação do trio D'Alma, um momento especial na noite de sexta-feira. Embora sem intenções de fazer com que o grupo, reestruturado exclusivamente para esta apresentação em Nova York, venha a desenvolver um trabalho de longo prazo (cada um de seus integrantes não quer abrir mão da carreira solo), André Gereissati, Ulisses Rocha (do grupo original, formado em 1979) - mais Marco Pereira (violonista-revelação, já com dois álbuns solos editados) mostraram grande criatividade e sonoridade, no desenvolvimento de temas em trio - "Roda Gigante" e "Maria Thereza" (Ulisses Rocha), "Sonho de Voar" (André Gereissati) - ou nos solos individuais - "Mulher Rendeira" por Marco Pereira, por exemplo. No final, o esfuziante "Karatê", homenagem a Egberto Gismonti com quem Gereissati trabalhou longo tempo. O violão voltou a ser estrela na segunda noite: Alemão (Olmir Stucker), 49 anos, com seus companheiros - Zezo (guitarra acústica), Paulo Oliveira (sax-soprano e flauta) e João Parahyba (percussão) arrancaram aplausos entusiásticos de um público que lotava o Town Hall. Como abertura do programa da segunda noite, a apresentação de Alemão não poderia ser com melhor astral - conjugando o fato de estar sendo agora lançado nos Estados Unidos seu disco "Longe dos Olhos, Perto do Coração" (ver reportagem à parte). O jazz da cama - Formado há 3 anos, já com dois elepês gravados e apresentações em vários países - além de regulares temporadas no eixo Rio-São Paulo, o grupo "Cama de Gato" esmerou-se em fazer sua apresentação nova-iorquina. Formado por quatro jovens e dos mais competentes profissionais - Mauro Senise (flauta, saxes), Rique Pantoja (teclados), Pascoal Meireles (bateria) e Arthur Maia (baixo elétrico), o "Cama de Gato" faz uma moderna música instrumental - com elementos que mostram várias influências e que vem dando ao conjunto uma ampla comunicação com faixas de público. Para o Cama de Gato, esta entrada no mercado americano foi excelente oportunidade de alcançar novos espaços e mesmo tomar parte em mostras internacionais de música instrumental. Com toda razão, após o espetáculo, emocionado com os aplausos do público, o saxofonista Mauro Senise enaltecia a promoção realizada pelo Som da Gente - e só viabilizada graças ao patrocínio do Bamerindus - como um dos fatos mais importantes já ocorridos em favor da valorização da cultura musical brasileira. "Afinal - dizia Senise - apresentações de artistas brasileiros no Exterior, inclusive em Nova York, não é novidade, mas a produção de dois espetáculos, num teatro excelente - como é o caso do Town Hall - só foi possível quando boas estrelas encontram-se e que entendem a importância de que os músicos possam ser ouvidos num espetáculo bem produzido, para uma das platéias mais importantes do mundo." LEGENDA FOTO - Anúncio publicado no New York Times
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
14/03/1989

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