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Aramis

O que vai faltar na homenagem a Vinícius

Como teve a felicidade de ter se tornado amigo de Vinícius de Moraes a partir da primeira vinda do Poeta a Curitiba, em 27 de dezembro de 1971, para a inauguração do Teatro Paiol - nome que ficou por sugestão do próprio - o prefeito Jaime Lerner evitou que os 10 anos da morte do autor de "Para Viver um Grande Amor" ficasse em branco. Assim determinou à Fundação Cultural de Curitiba que organizasse um projeto especial para lembrar aquele que foi o Poeta mais amado deste país - e cujos 10 anos de ausência - estão merecendo vários eventos. Jaime Lerner, que soube cultivar a amizade do poeta - e também de Toquinho e outros grandes nomes da MPB, infelizmente não pode, pessoalmente, supervisionar a organização do projeto. Afinal, ocupado com muitos compromissos na administração e, principalmente, as delicadas conversações políticas, teve que confiar em sua assessoria cultural. Assim embora tenha havido esforços para se lembrar condignamente Vinícius, através da vinda a cidade de parceiros musicais como Carlos Lyra, Baden Powell e Francis Hime; uma de suas boas intérpretes, Maria Creusa, amigos - Fernando Sabino e Ronaldo Boscoli, e mesmo uma de suas filhas, Georgiana, a programação ficou muito aquém do que poderia ser feito. No início do ano, no espaço cultural do Banco do Brasil, no centro do Rio de Janeiro, as comemorações dos 10 anos da morte de Vinícius mereceram um programa completo, envolvendo os múltiplos aspectos do Poeta - sua presença na literatura, no cinema, no teatro, etc. Algo que poderia ter ao menos inspirado o que se fará em Curitiba no final do mês. Melhor isto do que nada, é claro! Mas, por exemplo, por que não se aproveitou esta oportunidade para a Cidade de Curitiba prestar uma homenagem a um dos mais esquecidos - embora importantes - parceiros de Vinícius, o parnanguara Paulo (Gurgel Valente do Amaral) Soledade, cujos 10 anos transcorridos em 29 de junho do ano passado foram criminosamente esquecidos no Paraná - para tristeza do compositor, conforme aqui denunciamos. Uma agência de publicidade chegou a usar até o título da mais famosa composição de Paulinho Soledade - "Estão Voltando as Flores" para uma campanha promocional da Prefeitura, sem sequer consultar o autor. A idéia de ser fazer um álbum reunindo composições de Soledade, com temas ligados a ecologia, embora encaminhada oficialmente pelo produtor Aluízio Falcão, da Idéia Cultural, não mereceu sequer uma resposta. Paulinho Soledade, animador cultural, homem da noite, piloto civil em sua juventude foi quem musicou o "Poema dos Olhos da Amada" de Vinícius, seu parceiro, posteriormente, no lírico "São Francisco", em 1956. Por certo, Paulinho Soledade - que há anos não vem ao Paraná (aqui nasceu e mais tarde, doente, veio curar-se de grave enfermidade num haras da família, em Campo do Tenente, quando compôs "Estão Voltando as Flores"), aceitaria o convite para participar das homenagens a Vinícius. Bastaria, para tanto, que alguém o tivesse convidado. Se musicalmente o projeto ainda trará três dos melhores parceiros de Vinícius - Carlinhos Lyra, Baden Powell e Francis Hime - a parte cinematográfica é um exemplo de falta de conhecimento da contribuição do Poeta ao cinema. Crítico em sua juventude (chegou a publicar artigos na revista "Guaíra", de Curitiba), roteirista em vários filmes, Vinícius teve sempre uma grande relação com o cinema. Uma das mais queridas personalidades do cinema brasileiro, David Neves - que com Fernando Sabino a ele dedicou um belo curta, financiado pelo antigo Banco Nacional de Minas Gerais (dentro de uma série de documentários sobre escritores brasileiros) já chegou a escrever artigos a respeito. Mas a ausência mais clamorosa é não se ter incluído além dos dois curtas em homenagem a Vinícius - além do realizado por David Neves (com roteiro de Fernando Sabino), há um outro, dirigido por Renato Newmann - o média metragem "Vinícius, um Rapaz de Família". Afetuoso trabalho ao qual a filha mais velha de Vinícius, Suzana de Moraes, se dedicou por mais de dois anos, este média metragem nunca foi exibido normalmente em Curitiba. Há três anos, por nosso intermédio, logo após a sua apresentação no Festival de Gramado, Suzana manifestou sua disposição de vir a Curitiba, trazendo o filme e fazendo palestras a respeito do Vinícius cineasta. Infelizmente, não houve na ocasião a menor sensibilidade por parte dos donos do poder cultural em relação ao projeto. Afinal, Jaime não estava no poder. Agora, mesmo com Jaime Lerner na Prefeitura - e saindo este evento por sua determinação - Suzana ficou, mais uma vez, esquecida. A mostra "O Cinema segundo Vinícius de Moraes", programada para a partir do dia 18 no horrível espaço da Cinemateca (tão desconfortável que nem o próprio prefeito Lerner a freqüenta) se limitou a programar filmes que, numa entrevista, Vinícius apontou como seus favoritos, incluindo "A Noite Nupcial", EUA, 1935, de King Vidor, com Gary Grant; "Luzes da Cidade", EUA, 1931, de Charles Chaplin; "A Nós, A Liberdade", França, 1931, de Renê Clair; "L'Atalante", França, 1934, de Jean Vigor e "O Nascimento de uma Nação", 1915, de D. W. Griffith. São clássicos do cinema que devem sempre ser reprisados. Mas para um Poeta que teve vários trabalhos transpostos ao cinema - de "Orfeu do Carnaval" (1958, de Marcel Camus, premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro) a "Garota de Ipanema" (1967, de Leon Hirzman, 1938-1987), é de se indagar se não poderia buscar - mesmo que em cópias antigas (ou mesmo em vídeo, para projeção na tela ampla) estas transposições a tela da obra de Vinícius? Temos evitado, como amigo que tivemos a honra de ser, do grande Vinícius, insistir em nossos espaços sobre os 10 anos de sua morte. Aplaudimos tudo que se possa fazer em sua memória - e a promoção determinada pelo prefeito (e amigo) Jaime Lerner - tem seus méritos. Só que omissões como acima apontadas são lamentáveis e o protesto deve ser, ao menos aqui registrado. Desculpas (esfarrapadas) poderão ser apresentadas para justificar estas omissões, mas, como sempre, será tentativa de tapar a incompetência com a peneira furada da burocracia. LEGENDA FOTO - Vinícius de Moraes: homenagem incompleta.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
14/07/1990

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