O pensamento vivo de Moraes
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de janeiro de 1989
Não foste apenas um segredo
De poesia e de emoção
Foste uma estrela em meu degredo
Poeta, pai, áspero irmão.
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Nunca vi boa amizade nascer em leiteria.
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O uísque é o melhor amigo do homem. Uísque é cachorro engarrafado.
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Marilyn Monroe foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só existisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com ela e certamente não daria certo porque é difícil amar uma mulher tão célebre. Só sou ciumento fisicamente, é o ciúme de bicho, não tenho outro.
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Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar.
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Acontece que detesto tudo que oprime o homem, inclusive a gravata.
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Se a felicidade existe, eu só sou feliz enquanto me queimo e quando a pessoa se queima não é feliz. A própria felicidade é dolorosa.
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Dentre os instrumentos criados pela mão do homem, só o violão é capaz de ouvir e entender a Lua.
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Uma música que comece sem começo e termine sem fim. Uma música que seja como o som do vento numa enorme harpa plantada no deserto.
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Se Clodoaldo Pereira da Silva Moraes e eu trocamos dez palavras durante a sua vida, foi muito; bom dia, como vai, até a volta - às vezes nem isso. Há pessoas com quem as palavras são desnecessárias. Nós nos entendíamos e amávamos mudamente, meu pai e eu.
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Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster: O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha? O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal? O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?
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Um dos meus grandes encantos em Florença, onde, em 1952, passei cerca de um mês, era ver da janela do meu quinto andar, no Hotel Nazionale, a madrugada toscana romper sobre a Piazza Santa Maria Novella.
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Deus sabe que, entre gatos e pombos, eu sou francamente pela primeira espécie. Acho os pombos um povo horrivelmente burguês, com o seu ar bem disposto e contente da vida, sem falar na baixeza de certas características de sua condição, qual seja de, eventualmente, se entredevorarem quando engaiolados.
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Modigliani - que se fosse vivo seria multimilionário como Picasso - podia, na época em que morria de fome, trocar uma tela por um prato de comida: muitos artistas plásticos o fizeram, antes e depois dele. Mas eu acho difícil que um poeta possa jamais conseguir o seu filé em troca de um soneto.
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Mário de Andrade morreu, por acaso? Não vem ele visitar-me sempre que estou sozinho, sempre que estou sofrendo, o amigo fiel? E não pousa como dantes a grande mão no meu ombro e se deixa horas comigo a discutir assuntos sentidos, poesia, amizade, beleza, amor, morte, vida, arte, povo, mulher, bebida - e poesia ainda, e ainda poesia, e mais poesia?
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A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.
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Ser carioca é não gostar de levantar cedo, mesmo tendo obrigatoriamente de fazê-lo; é amar a noite acima de todas as coisas, porque a noite induz ao bate-papo ágil e descontínuo; é trabalhar com um ar de ócio, com um olho no ofício e outro no telefone, de onde sempre pode surgir um programa; é ter como único programa o não tê-lo; é estar mais feliz de caixa baixa que alta; é dar mais importância ao amor que ao dinheiro. Ser carioca é ser Di Cavalcanti.
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Que outra criatura no mundo acorda para a labuta diária como um carioca? Até que a mãe, irmã, a empregada ou o amigo o tirem de seu plúmbeo letargo, três edifícios são erguidos em São Paulo.
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A Inglaterra não foi para mim um amor à primeira vista. Ao chegar a Londres, em agosto de 1938, em gozo da primeira bolsa para Oxford, dada a um brasileiro pelo Conselho Britânico, a cidade surpreendeu-me pela sua reserva. (...) Foi só três ou quatro dias depois, ao tentar atravessar a rua no momento errado, que me senti realmente protegido pelo Império Britânico, e comecei a achar que, malgrado a minha selvageria de menino de ilha, poderia amar a Inglaterra. Ao avançar, pousou-me sobre o meu ombro uma mão, a um tempo imperiosa e amiga, que me fixou ao solo sem maior esforço. Olhei para o lado e vi, acima, muito acima de mim, mirando em frente, esse ser especial no mundo, que chama um "guarda inglês", um "constable": alto como a Torre de Londres, firme como a rocha de Gibraltar.
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Uma certa noite, depois de alguns drinques - e possivelmente "one too many" - eu cismei de subir o underground do Piccadilly Circus no sentido inverso. A escada rolante desce a uma velocidade razoável, e, tratava-se de ultrapassar essa velocidade e atingir a plataforma superior da grande estação. Lancei-me à prova que até hoje não sei como consegui terminar, tal foi o esforço empregado. Pois bem: fui formidavelmente encorajado por todos os que desciam a me animarem com palavras e aplausos, havendo-se formado uma verdadeira torcida a meu favor. Não houve um só protesto contra a impertinência do estrangeiro a perturbar a boa ordem de um serviço de utilidade pública. Esse foi meu primeiro contato com o espírito esportivo inglês, e uma das razões por que amei a Inglaterra e me senti tão bem em Londres.
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Meu primeiro encontro, em poesia, depois das inelutáveis influências da juventude, foi o de Murilo Mendes.
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Na Faculdade de Direito entrei em pasmo contato com os grandes do "Caju", o centro da elite da escola. Era garoto, andava fardado de aspirante a oficial da reserva. Foi uma época rica e dolorosa, de lutas íntimas, de descobertas gloriosas, de ânsia e aspiração indispensáveis. Octávio de Farias e San Thiago Dantas, dois dos nomes de maior projeção acadêmica (...) Foram esses dois homens que me iniciaram nos mistérios da poesia. Falavam em Murilo Mendes e Augusto Frederico Schmidt.
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Em casa li o livro ("Poemas", de Murilo Mendes) até de manhã. Achei-o magistral, até no que tinha de artifício.
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O encontro com Manuel Bandeira, que coisa excelente foi! Eu ainda tinha várias dificuldades em relação à poesia do poeta, mas intimamente mudara muito. (...) Lia-o às vezes, a Manuel, invejando-lhe secretamente a sobriedade perfeita do verso, mas sempre em oposição ao modo de sua poesia. (...) Uma noite saímos juntos. Grande noite para mim, e Manuel, paternal, me levou ao cinema, me levou à Americana para tomarmos um malted milk, depois me levou ao Beco, onde subi sete andares num elevador vermelho, que pia feito gavião quando chega. Conheci seu quarto, esse quarto que às vezes tem sido para o poeta um lugar de tristezas; e que para mim tem sido tantas vezes um lugar de sossego. E banhei-me no verso exemplar de "Estrela da Manhã", ainda inédito, que me jogou em cima, com aquele seu modo brusco de ler poesia.
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Mário foi uma conquista minha. O poeta, de princípio, não quis nada comigo. Fui-lhe mesmo apresentado umas duas ou três vezes, sem resultado. Fazia um ar, meu Deus, vaguíssimo, de ombros um pouco levantados.
Mas em São Paulo, que é sua casa, eu fui um dia à casa dele com Armandinho Sales de Oliveira. Mário de Andrade tinha dirigido um recital colosso de modinhas do Império, de modo que estava no céu com o pé de fora. À saída, não me lembro mais por que, a uma pergunta de Armandinho eu respondi:
- "Tomara!" - Mário de Andrade me pegou vivamente pelo braço:
- "Você também vem. Uma pessoa que fala "tomara", "tomara", meu Deus! - que gostosura! - tem direito a beber minha caninha. Ah, não! Você vem!"
E eu fui. E eis como venci Mário de Andrade, pela linguagem. Em casa dele bebemos toda a garrafa de caninha, grandes confraternizações. E hoje em dia, mal acabo de escrever um livro, corro para Mário de Andrade.
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Também em São Paulo conheci Oswald, também de Andrade. Achava-me no Hotel Esplanada, no quarto de Manuel Bandeira, que deveria ir jantar com o poeta de "Pau-Brasil". Ao saber quem eu era, prorrompeu em gargalhadas positivamente obscenas: - "Então é esse menino, com esse ar esportivo, o autor daqueles versos compridos como um iole-a-8! Mas você não tem medo de fazer tanta força nessa regata desigual, seu poeta?" (...) Saímos os três e jantamos em boa camaradagem. Oswald estava brilhantíssimo.
LEGENDA FOTO - Vinícius com o poeta Manuel Bandeira.
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