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Aramis

O olhar sensível na realidade brasileira

Dois média-metragens apresentados em Gramado foram emocionantes abordagens de problemas rurais. Em "Bandeiras Verdes", de Murilo Santos - único cineasta maranhense em permanente atividade - é mostrado, ao longo de 30 minutos, o drama de um casal, Domingos e Rosa Bala, que em busca de trabalho, colocam seus 14 filhos e seus poucos pertences em uma canoa, subindo rios e igarapés, por regiões desconhecidas, em busca de terra liberta para cultivar e viver. Neste filme, premiado nas categorias de montagem (Aida Marques), o cineasta Murilo Santos acompanha a família Bala desde a sua instalação na mata, visitando-os regularmente durante dez anos. Com este amplo material, gravado e filmado ao longo de uma década, construiu um tocante documentário narrado com firmeza por Paulo César Pereio. Já o cineasta Fernando Passos, fez em "Eva, Vicente" (46 minutos), um documentário sobre o cotidiano das crianças que habitam a zona rural do Alto Jequitinhonha, em Minas. Eva, 9 anos, Vicente, 10, e várias outras crianças entre extenuantes trabalhos físicos e a ida a uma escola, precária e incapaz de dar respostas às questões da realidade em que vivem, dos problemas causados pela entrada de grandes capitais na região, através de empresas de agropecuária e mineração. Embora construído como ficção - e inicialmente concebido como um longa-metragem - "Superoutro", do baiano Edgard Navarro Filho, 35 anos, foi o média que mereceu os prêmios que levou - melhor filme, direção e especial do júri para o ator Bertrand Duarte. Já conhecido por outros bons filmes, Navarro - que trocou a carreira de arquiteto pelo prazer de fazer cinema - rodou seu filme nas ruas de Salvador, tendo como personagem central uma figura tragicômica de um louco de rua, uma espécie de Dom Quixote baiano (excelente atuação de Bertrand Duarte) - que, através de sua imaginação alucinada, tenta libertar-se da miséria. O personagem faz citações de histórias em quadrinhos (usa inclusive um traje lembrando o Superman) e na sua visão anárquica, glauberiana (por ele próprio admitida como influência maior) retoma o espírito irreverente de sua trilogia freudiana, elogiada por quem o conhece - mas desconhecida fora dos circuitos cinematográficos de Salvador: "Alice no País das Mil Novilhas"(oral); "O Rei do Cagaço" (anal) e "Exposed" (fálico). Cineasta assumidamente marginal, Navarro merece ser conhecido em circuitos alternativos e caberia ao Chico, da Cinemateca, mostrar um pouco de trabalho e acertar a exibição dos filmes deste cineasta baiano em Curitiba. xxx Entre os curtas em 16mm, apresentados em Gramado, dois foram merecidamente premiados: "Streap Tease", valeu a Ivo Branco o Kikito de melhor direção em sua categoria. "Viva Eu", de Tânia Cypriano, ganhou como melhor filme e montagem (Cecília Saint Piere). Ivo Branco, que se dedica ao cinema publicitário, já tem cinco curtas, um deles, "Belmonte", premiado em Gramado no ano passado e também em Havana. Em "Streap Tease" documenta o drama das mulheres que trabalham como streapers em teatros e boates da Boca do Lixo, em São Paulo. Já Tânia Cypriano, cineasta brasileira que vive em Nova Iorque, em "Viva Eu" documentou o artista plástico Wilton Braga, um dos primeiros pacientes brasileiros de Aids, da qual sobreviveu por sete anos (faleceu no último dia 27 de maio, em Barcelona, onde vivia com uma pensão de US$ 440). Utilizando Super 8 e fotografias, passando o material para 16mm, "Viva Eu" foi rodado em Barcelona, Nova Iorque e São Paulo - num excelente trabalho de montagem da gaúcha Cecília Saint Piere e um tema musical original de Eduardo Dusek. LEGENDA FOTO - "Superoutro", um exercício glauberiano rodado em Salvador: melhor média-metragem no Festival de Gramado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/06/1989

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