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Aramis

O nosso baixo Leblon ou a vazia noite curitibana

O chargista Dante Mendonça, com seu senso de humor, encontrou, sem querer, a definição certa para a espontânea "boca" noturna que nos últimos meses se firmou na quadra da Rua Visconde de Nacar entre as ruas Carlos de Carvalho/Cruz Machado: É o baixo-Leblon curitibano! Há 5 anos, quando o empresário Marcelo Lorenzetti, que em quase 30 anos de Curitiba instalou, valorizou e vendeu mais de 40 restaurantes, bares, lanchonetes e sorveterias etc. (até se fixar em Santa Felicidade, com o Pinheirão-Colônia) arrendou de um bilionário de São Paulo a excelente área ao lado do edifício, os planos eram diferentes. Pretendia aproveitar o imóvel durante décadas ocupada como depósito de uma madeireira para lojas de alto luxo e, no miolo, instalar um estacionamento e uma filial de seu restaurante. Mas Lorenzetti esqueceu um detalhe: antes de deixar a Prefeitura, em 1975, Jaime Lerner tinha assinado um decreto proibindo novos estacionamentos na área central. E seu sucessor, Saul Raiz, fez cumprir este decreto. Resultado: Lorenzetti esperneou, brigou, fez ameaças, mas não pode instalar o estacionamento. E brigou tanto que acabou não podendo nem legalizar as lojas construídas no local. Perdeu - na época - mais de Cr$ 2 milhões e acabou entregando o imóvel a um dos sócios da Vaticano, empresa que havia construido as lojas. Xxx As poucas boutiques que se instalaram naquela área duraram pouco. O movimento de veículos nas ruas Visconde de Nacar/Carlos de Carvalho/Cruz Machado tornou os pontos pouco atraentes para este tipo de negócio. Em compensação, o espaço se apropriou a casas noturnas. De início, com certa sofisticação: Jorge Jung, ali montou, em princípios de 1978, o "Pelourinho", que foi, por sete meses, um dos melhores ambientes musicais da cidade. Ao lado, o "Santa Genoveva", era uma casa de queijos e vinhos com algum gabarito. Mais adiante, o Sharazade, restaurante árabe, fez boa freguesia que apesar dos preços elevados, mantém até hoje. Mas o afastamento de Jung para Camboriú, onde é próspero empresário, a venda do "Santa Genoveva" e sua transformação num "dancing" - o "Novo Gatão" (nome, aliás, apropriado, tal o preço das bebidas e pratos), fez com que a frequencia da área fosse se popularizando. Definitivo foi a instalação do restaurante Tangará, que hoje divide com o folclórico "Bar do Luiz" (Rua José Loureiro, térreo do edificio Mauá) e o "Restaurante do Tatá"(Rua Saldanha Marinho, ao lado do Cinema 1), o chamado "fim de semana" da boêmia. Como o "Palácio" há muito sofisticou-se em sua freguesia, fechando às 4 horas da manhã, estes outros restaurantes passaram a abrigar os frequentadores das boates, "night clubs" etc., da cidade. Sem preconceitos, é possível se descobrir até bons momentos musicais no "baixo Leblon". No "La Cuevas", por exemplo, onde anteriormenteexistiu o Pelourinho, um comerciante simpático, Victor Abel, vem atraindo uma freguesia especial, motivada por um prato único na madrugada: uma sopa-de-siri, capaz de restaurar as forças de qualquer mortal e evitar uma ressaca no dia seguinte. Além do mais, afora os músicos da casa como o violonista Carlinhos, vez por outra surgem instrumentistas e cantores amadores, agradáveis surpresas para quem se dispõe a ouvir talentos anônimos na noite. Como no sábado, quando Ivone Gramazi, uma moça simpática e de recursos vocais (que se desenvolvidos, podem lhe valer até uma profissionalização), conseguiu, no meio da fumaça e poluição sonora, se destacar, cantando músicas do repertório de Ângela Maria e ClaudiaBarroso. Ao lado, no "Gold", Mosquito, lendário executante de cavaquinho, dava uma "canja" junto com um excelente instrumentista, mas que como tantas vezes - não foi entendido. E quando lhe pediram para "tocar algo mais alegre" (improvisava sobre um tema, com raro brilhantismo), nos lembramos da época em que Raulzinho (há 10 anos nos EUA, hoje um dos grandes nomes do trombone no jazz, citado inclusive por Leonard Feather em sua "Jazz Enciclopedia", edição 1977), era admoestado por Paulo Wendt (1914-1965), porque no "Tropical" (hoje, Lá no Pasquale, Passeio Público) não tocava a música dançante que os endinheirados (bons tempos, hein?) frequentadores ali gastavam. E na mesma época, no "La Vie-en-Rose"( por coincidencia, se localizava na Rua Visconde de Nacar, defronte onde hoje está o "baixo Leblon curitibano"), Airto Guimorvan Moreira (há 11 anos nos EUA, considerado o melhor percussionista da atualidade) também tinha que fazer o ritmo quadrado, numa bateria convencional, para acompanhar os embalos da freguesia. Só depois que as casas fechavam, Airto, Raulzinho, Braulio, Pinguim e outros músicos de imaginação, rua à fora - sob riscos de serem até presos pelas "otoridades", acabavam fazendo aquela música que, na época, não era entendida. E que pelo visto continua a não ser compreendida por muitos... xxx Divagações da noite - ainda vazia, triste melancolica desta cidade de poucas opções. Onde as boas casas musicais acabam durando pouco e os estabelecimentos caros (e com preços escorachantes) nunca prestigiam os músicos que merecem. Por isso, quem ainda gosta de sentir um pouco de som autêntico, deve buscar, sem preconceitos, as casas do baixo Leblon. Em especial o "La Cuevas", do Victor Abel. E se a música não agradar, ao menos a sopa-de-siri é uma exclusividade única para a nossa gelada madrugada...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
6
05/08/1980

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