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Aramis

O dia que o Velho Capitão trouxe a televisão ao Brasil

Há exatamente 40 anos, quando no dia 18 de setembro de 1950, o lendário Assis Chateaubriand, inaugurava oficialmente a primeira estação de televisão do Brasil - a TV Tupi-Difusora de São Paulo, PRF-3, os Diários e Emissoras Associadas que o Velho Capitão comandava com mão de ferro compunham uma vasta rede de empresas jornalísticas, cuja montagem se iniciara 26 anos antes, quando adquiriu "O Jornal" (do Rio de Janeiro) com auxílio de Epitácio Pessoa, Alfredo Pujof e Virgílio de Melo Franco, sob o beneplácito do presidente Artur Bernardes. Começou firme e solidamente. Em 1928 havia lançado "O Cruzeiro", revista semanal e ilustrada que obteria repercussão suficiente para ter até uma edição em espanhol para a América Latina, tentando competir com a Life. No Brasil, obtinha recordes de vendagem atingindo a marca de 750 mil exemplares - que só agora, 50 anos depois, a "Veja" tenta igualar. Em 1929, o Velho Capitão chegava a São Paulo com o "Diário de São Paulo" - inovando nas táticas para atrair leitores, através da distribuição gratuita, por período limitado, aos assinantes em potencial. As Associadas marcariam presença em campanhas cívicas e políticas, com seu fundador comandante, homem ardiloso, de personalidade complexa, amigo dos poderosos, formava um império que só se desmoronaria após a sua morte, pela incompetência do condomínio que formou com os homens que, durante sua vida ajudaram a fundar jornais, estações de rádio e televisão por todo o país. O jornalista Fernando de Moraes, atual secretário da Cultura de São Paulo, autor de A Ilha (sobre Cuba) e Olga, conclui agora o livro biográfico sobre Chateaubriand que, em parte, é a própria história dos primórdios da televisão brasileira - hoje quarentona e comparada às melhores do mundo. Ironicamente, das Associadas, que formaram a primeira rede nacional, quando não existia teipe e transmissão via satélite (só consolidada na década de 70), pouco restou. Como observam Alvir Henrique da Costa, Inimá Ferreira Simões e Maria Rita Kehl em Um País no Ar/História da TV brasileira em 3 canais (Brasiliense/Funarte, 322 páginas, 1986), no discurso de inauguração da Tupi de São Paulo (em cuja solenidade, chegou a quebrar uma câmara, quando bateu uma garrafa de champanha em seu visor, imaginando que estava inaugurando um navio) Chateaubriand agradeceu demoradamente aos quatro grupos empresariais "que contribuíram para a concretização do feito Associado", ao mesmo tempo que omitia qualquer referência à colaboração oficial ao empreendimento: Companhia Antártica Paulista, Sul América de Seguros de Vida (e suas subsidiárias), Moinho Santista e Prata Wolff. O show de inauguração da TV Tupi quase não aconteceu. Câmaras pifaram, o nervosismo era generalizado, obrigando a improvisação total. Mesmo assim, as imagens foram ao ar e chegaram aos poucos aparelhos instalados em São Paulo. Apresentaram-se Hebe Camargo (sim, ela mesmo!), a cantora Vilma Bentivegna, Walter Forster, Lia de Aguiar, Lima Duarte, Romeu Feres, Lolita Rodrigues e outros nomes do cast Associado. O diretor artístico era Dermival Costa Lima, com assistência de Cassiano Gabus Mendes - filho de Otávio Gabus Mendes (pai do jovem galã hoje da Globo), que vinha de uma época grandiosa do rádio paulista. O espetáculo tinha as características de um show radiofônico das variedades. Homero Silva - de ligações curitibanas (um de seus sobrinhos é o advogado Francisco Souto Neto, assessor cultural do Banestado) foi o apresentador. Uma cantora interpretou a música especialmente composta (Marcelo Tupinambá/letra de Guilherme de Almeida) para a ocasião: "A Canção da TV". Vingou, como tudo vinga No teu chão Piratininga A cruz que Anchieta plantou pois dir-se-á que ela hoje acena por uma altíssima antena em que o Cruzeiro pousou, e te dá, num amuleto o vermelho, branco e preto das contas do teu colar, e te mostra num espelho o preto, branco e vermelho das penas do teu cocar. Desenvolvido na década de 30 - mas a partir das pesquisas de Vladimir Z. Kworykin, físico russo, iniciadas ainda no início do século, a televisão só seria implantada nos Estados Unidos a partir de 1941 - mas levando pelo menos sete anos para ter maior desenvolvimento. Assim, no Brasil, o pioneirismo de Chateaubriand fez com que a novidade chegasse já três anos depois - com toda precariedade e limitações da época, mas conquistando rapidamente seu espaço e, em menos de 10 anos implantando-se nos principais Estados. Em 1950, a população pouco sabia. A indústria eletrônica, incipiente, não tinha condições de produzir os componentes para a fabricação dos aparelhos, restando importar tudo. Mas um ano após a inauguração, em São Paulo já existiam 7 mil aparelhos. Em janeiro de 1951, a TV Tupi do Rio de Janeiro consolidava a dianteira das Associadas em direção à hegemonia no setor. No Brasil, a população era de pouco mais de 50 milhões de habitantes - 63,8% vivendo na zona rural, restando aos centros urbanos menos de 20 milhões, magnetizados pelo sucesso do rádio e pelo carisma do cinema - que na época arrastava multidões às salas de exibição. Mas ainda em 1951 surgiam os primeiros televisores montados no Brasil - marca Invictus - e o empresário Bernardo Kocubej partia para um projeto considerado "louco": nacionalizar o produto, fabricando ele mesmo o maior número possível de componentes. Possuir uma televisão, entre 1950/53 era sinal de status e sucesso de vida "e, ao mesmo tempo, de casa cheia de visitas: parentes e amigos iam ver televisão, logo batizados de televizinhos", recorda Luiz Augusto Milanesi (Paraíso via Embratel, editora Paz e Terra, 1978). Os anúncios ainda eram poucos, geralmente simples cartazes. De vez em quando informava-se sobre um problema técnico e entrava a imagem-padrão. Volta e meia o "daqui a pouco" prometido, não vinha, mas ninguém desistia. Esparramado em sua poltrona favorita, o felizardo dono da casa - e do aparelho - reinava sobre plebeus televizinhos, espalhados pela sala. Apesar do incômodo senta-levanta para eventuais reajustes na imagem, insistia em ser o único a mexer nos botões. E no dia seguinte, fazia questão de comentar entre os colegas de trabalho tudo o que vira na véspera. Era a época da primeira dentição da máquina de fazer doido. LEGENDA FOTO - Hebe Camargo: a veterana no vídeo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
3
16/09/1990

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