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Aramis

O cravo bem temperado com João e as sonatas de Bach com Gould

Enquanto a Odeon desativou totalmente o seu setor erudito, que teve sua melhor fase quando o ultra-competente Maurício Quadrio ali se encontrava e a Polygram, vítima de uma precária estrutura e representação regional, perde terreno com seus lançamentos clássicos (embora disponha de excelentes catálogos), a CBS, ganha espaço entre as faixas que sabe prestigiar o que existe de melhor na música dos grandes mestres e duas outras marcas - a WEA e a Ariola, também começam a investir neste setor. Curiosamente, dentro da crise galopante da indústria fonográfica, um dos setores que não foi atingido mais violentamente pela retração dos consumidores foi a da música erudita. O que se explica pelo óbvio: o comprador de música clássica é normalmente uma pessoa de bom poder aquisitivo, estabilizado financeiramente e que mesmo tendo que bem administrar seu orçamento nestes tempos bicudos, pode sempre se dar ao prazer de comprar aquilo que existe de importante. Neste ponto, a porca torce o rabo: o colecionador de música clássica não se deixa enganar. Geralmente com curso superior, informado por publicações internacionais e freqüentando concertos, sabe exatamente, o que deseja adquirir e exige, inclusive, que o vendedor saiba lhe dar o produto exato. Isto explica porque, em Curitiba, é a loja de Fernando Sartori, a quem tem a clientela mais selecionada. O braço direito de Sartori, o simpático Osmar Cock, é um conhecedor profundo de música clássica, óperas e operetas, capaz de trocar idéias com os mais exigentes colecionadores, como Eduardo Garcez, Humberto Lavale, Amorty Osório ou Marcelo Marchioro, que, semanalmente, ali deixam alguns milhares de cruzeiros, comprando discos nacionais e internacionais. As gravadoras, em suas áreas internacionais tem que dispor de gente competente, para orientar a produção. Maurício Quadrio, sobre quem não nos cansamos de falar pelo seu extraordinário trabalho foi quem formou na Polygram - na melhor fase daquela gravadora, um excelente repertório de clássicos, num trabalho que Enzo Servelo procura continuar, mas que agora sofre boicotes, como o que ocorre em Curitiba, sem qualquer promoção. Quadrio, depois de passar pela Odeon onde também fez um magnífico trabalho está hoje na WEA, para qual levou o seu "know how" e relacionamento internacional. O primeiro pacote de edições clássicas da WEA trouxe ao lado de primeiros lançamentos europeus e americanos, também a série de gravações feitas pela pianista Guiomar Novaes (1894-1978) nos Estados Unidos e que permaneciam inéditas no Brasil. A Ariola, discreta mas com segurança, vem fazendo também preciosas edições na área erudita. Por exemplo, começa agora a colocar nas lojas a magnífica série gravada por João Carlos Margins na Igreja do Pomona College, no Centro Universitário de Claremont, em Los Angeles, com a coleção "O Cravo Bem Temperado", um projeto financiado pela Ariola e Brasil Interpat - Intermediações e Participações S/A, para lançamento conjunto no Brasil, e Estados Unidos e Europa. A gravação destas peças de Bach foram feitas num local inteiramente construído em madeira, formando uma das acústicas mais perfeitas do mundo. O INTÉRPRETE - João Carlos Martins, 41 anos, considerado um dos maiores valores do cenário pianístico internacional, voltou a se apresentar em público há apenas três anos, com um recital no Carnegie Hall, pois um problema de saúde o retirou, por muito tempo, do cenário artístico. O afastamento dos palcos e do piano - período em que se revelou um excelente executivo, não lhe impediu, entretanto, de voltar em excelente forma, inclusive dividindo agora com Arthur Moreira Lima, outro notável virtuose, atuações marcantes tanto no Carnegie Hall, como no Rio e São Paulo, últimas semanas. Além de uma intensa atividade concertista, João Carlos Martins está fazendo a gravação da obra completa do Bach, até 1985, quando se comemora o tricentenário do mestre de Leipzig. O lançamento, em setembro/80, de sua gravação das Partituras completas de Bach e, posteriormente em junho/81, das Variações Goldberg, ambas pela etiqueta Ariola, representou para João Carlos Martins, mais uma consagração de sua carreira. Nos três primeiros volumes, que a Ariola edita no Brasil, temos os Prelúdios e Fugas, nºs 1 a 27. A definição dada ao "Cravo Bem Temperado" foi registrada pelo estudioso de Bach, Phillipp Spitta, ainda no final do século passado. A segunda, mais confiável, apoia-se em bases mais concretas que um depoimento verbal. Afinal, 11 dos prelúdios do primeiro volume do "Cravo" pertenciam ao "Clavierbuchlein" de Wilhelm Friedmann e foram compostos em 1720. O projeto de reuni-los, já reelaborados, a outros 13 prelúdios e fugas, completando a primeira coletânea exploratória da então revolucionária "tonalidade temperada" só aconteceu dois anos mais tarde. Uma série de explicações de ordem técnica-musical, é lembrada pelo crítico João Marcos Coelho no didático texto de contracapa dos 3 primeiros volumes desta série, falando da importância da obra de Bach e as razões que levaram a designação de "O Cravo Bem Temperado" para estes prelúdios e guras que, agora, podem ser apreciados, na interpretação perfeita de João Carlos Martins. Sentencia Coelho: "O "Cravo" é mais do que a base de todas as obras para instrumentos de teclado. Através desses prelúdios e futas, Bach diariamente fecunda estudantes e pianistas, alunos e intérpretes de todo mundo, quase 300 anos depois do seu nascimento. E diariamente faz viva sua sobre-humana música". TOCCATAS DE BACH - Entre os sete excelentes lançamentos eruditos pela CBS, cujo comentário detalhado faremos na próxima semana, destaca-se o volume 2 das "Toccatas" de Bach, com Glenn Gould - cujo primeiro volume a mesma gravadora lançou há poucos meses. Desta vez temos as Toccata em Dó Menor (BWV 911) e a em Sol Menor (BWV 915), detalhadamente explicadas no texto do musicólogo Peter Eliot Stona, em tradução de Mário Willmersdorf Jr. Ensina Stone que as toccatas de Johann Sebastian Bach (1685-1750) são o ponto culminante do desenvolvimento de um gênero cujas origens, senão totalmente perdidas, encontram-se obscurecidas. No renascimento, toccata (ou tucket, touche ou Tusch) referia-se às fanfarras de metais tocadas nas cerimônias. O que caracteriza as toccatas para teclados são a polifonia instrumental livre. Os movimentos lentos progridem de modo imponente, freqüentemente ricamente lírico, algumas vezes com pequenos trechos melódicos da forma de recitativo, mas mais comumente com linhas altamente expressivas, que cantam contra uma pesada linha de baixo individual e ativas partes internas. As toccatas abarcam improvisações, rapsódis, fantasias, adágios e fugas, instrumentistas simples, enérgicas, que evitam o estilo erudito, concluindo freqüentemente com um impetuoso movimento de toccata na corda.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal da Música
27
13/12/1981

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