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Aramis

O canto mineiro de Rubinho e outros bons independentes

O Independente foi um disco que passou em sua vida... Pois é... O sonho (parece) acabou! Se a própria indústria fonográfica - incluindo as multinacionais - entram em tempo de recessão, reduzindo lançamentos e concentrando recursos em elencos cada vez mais reduzidos, capazes de dar resposta em vendas a curtíssimo prazo, que dizer dos bravos independentes, que por um (breve) período nos anos 70 pareciam surgir como uma força nova na música-fonografia brasileira! Bem antes do pacotaço Collor, os independentes já haviam enfiado a viola no saco. A inflação que chegou a 80% inviabilizou projetos de bancar projetos próprios, de forma que nos últimos 3 ou 4 anos foram poucos os discos independentes que surgiram. Assim mesmo, algumas produções regionais aconteceram, infelizmente restritas aos limites estaduais - muitas vezes municipais. Edições que não se esgotando rapidamente ainda circulam de mão-a-mão, mais como complemento de venda dos artistas quando em seus shows. O que é uma pena, pois com isto há preciosidades que acabam ficando desconhecidas. Minas Gerais é um exemplo. Uma etiqueta alternativa - a Bemol - tem um bom catálogo que não sai daqueles limites, impedindo assim que o Brasil conheça melhor o talento de uma geração. No Recife, uma nova etiqueta - a Polydisc (nada em comum com a Polygram) tem lançamentos curiosos, como dos cantadores Ivanildo Villa Nova, Octacílio Barbosa e Sebastião Dias e mesmo etiquetas com gente experiente - como a Nova Trilha, do querido Patinete (Ayrton dos Santos) não sobreviveram. E exemplos não faltam para serem acrescentados... Rubinho do Vale - Em Minas Gerais, há um grupo de compositores-intérpretes voltado às raízes mais puras da música brasileira. Se alguns - como Tavinho Moura conseguiram romper a barreira nacional (inclusive com trilhas sonoras para filmes como "Cabaret Mineiro", "Noite do Sertão" e o ainda inédito "Minas-Texas", todos de seu amigo Carlos Prates), há os que permanecem esquecidos - embora admiradíssimos por quem sabe entender a mineiridade brasileira destes intérpretes. Rubinho do Vale é um exemplo, fazendo uma música tocante e pura, falando de gente simples, de amores, caminhos & tradições de sua terra - e assim, como ensinava Leon Tolstoi, torna-se universal. Desde 1982 que seus elepês são gravados de forma independente e trazem a marca registrada de cantor do Vale do Jequitinhonha (cuja tradição musical foi perpetuada num álbum tão importante quanto raro, "Entradas & Bandeiras"). Como já dizia em 1982 o pesquisador Sebastião Rocha, membro da Comissão Mineira de Folclore ao apresentar "Tropeiro de Cantigas", o primeiro disco de Rubinho, "este artista merece(ria) ser mais conhecido, juntou a sua sensibilidade à vivência cotidiana e familiar, nas roças, feiras e cidades de uma região rica em artistas anônimos, lutando pela sobrevivência de uma cultura própria". Seja em "Tropeiro de Cantigas" (1982), "Viva o Povo Brasileiro" (1984), "Trem Bonito" (1986 e, por último, "Violas e Tambores", encontramos este compositor riquíssimo em suas imagens, que trabalhando sozinho ou com parceiros, busca desde temas folclóricos até trabalhos mais requintados - mas sempre com a pureza do cantador. Um trabalho que tem aproximações com outros mineiros admiráveis como Theo Azevedo e, especialmente, Paulinho Pedra Azul, este um compositor intérprete que após uma única experiência numa multinacional (RCA), voltou-se à produção independente, gravando uma série de discos que vende exclusivamente em Minas Gerais - dentro de um organizado roteiro que lhe garante sua sobrevivência. Saulo Laranjeiras - É outro artista de extraordinária brasilidade mas que permanece praticamente anônimo para o público. Baiano - mas com uma mineiralidade em sua temática - Saulo vem batalhando por um espaço há muitos anos e chegou a fazer até uma curta temporada no Paiol, há alguns anos, incompreendida e que passou tão esquecida quanto o disco independente que gravou há dois anos ("Jeito Sonhadô", gravado na Ariola/BMG, mas com uma distribuição independente). Show-man em seus espetáculos, tendo inclusive algumas experiências como ator, Saulo reuniu um elenco respeitável (Nelson Ayres, Pena Branca e Xavantinho, Toninho Carrasqueira, Papete, Gilvan de Oliveira, Osvaldinho do Acordeon, Arismar do Espírito Santo, Rodolfo Stroeter, Robert Sion, etc.) para acompanhá-lo nas nove faixas deste seu delicioso álbum, que, infelizmente, é difícil encontrar. Ao lado de composições próprias - como "Meu Jeito Sonhador", "Casa de Taipa" e "Madeira" (parcerias com Saldanha Rolim), Saulo integra-se à chamada geração de filhos de Elomar (Figueira de Mello), reverenciando o importantíssimo (e também independente) compositor baiano, gravando duas de suas mais belas obras - o "Canto de Guerreiro Mongoió" e "Arrumação", além de incluir também a composição de Xangai (Eugênio Avelino, Sobrinho de Elomar), "Pulo do Gato" (parceria com Capinam/Hélio Contreiras). Mostrando seu lado histriônico, como a Véia Messina (personagem que criou para shows), Saulo apresenta uma deliciosa "História da Corujinha" (João Bá), com a participação de um coral de crianças. Um grande artista, talento até hoje marginalizado e que merece ter seu trabalho - mesmo com bastante atraso - registrado. Marcus Viana - Mineiro também, com um grupo chamado Sagrado Coração da Terra, fez em 1987 um elepê avançado e com toques místicos ("Flecha"), que acabou tendo reedição, no ano seguinte, pela CBS. Autor de todas as composições, arranjos, teclados, vocais e ainda os solos de violino elétrico computadorizado de cinco cordas (encomendado à Zeta Systems, de Los Angeles, firma que idealizou e construiu os violinos de Jean-Luc Ponty e Laurie Anderson), Marcus Viana procurou combinar a parafernália eletrônica com vários teclados integrados via Midi, sistemas modulares, baterias digitais, processadores de efeitos e três companheiros de banda: Ivan Correia (baixo), Marco Antônio Botelho (bateria) e Augusto Rennó (guitarra). Nas canções - do lado um - e nas "Sinfonias" (Toccata, Cosmos & Caos e o Futuro da Terra), Marcus propõe um sentido poético do Sagrado e da chegada de uma Nova Era, a do III Milênio. "Orações pelo amor e pela paz entre os homens, sinfonias ou hinos que preconizam uma nova sociedade, justa e harmoniosa", como disse Sandra Bittencourt.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
24
08/04/1990

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